:: more is less

outubro 22, 2010



no ultimo fim-de-semana, de visita a casa, encontrei uma caixa de cartas trocadas pelos meus pais nos seus anos de juventude. ainda com cheiro a pó, desfolhei algumas (com a devida autorização). o papel amarelado deu-lhe logo ao arranque o contexto histórico. as datas no inicio de cada carta confirmavam. os textos foram escritos à mão, ou em máquina, em vários locais, sempre referenciados, e na maioria das vezes com uma foto a preto e branco, datada e assinada nas costas. mas mais que o conteúdo, o que ficou ali marcado para a eternidade foi a dedicação de quem escreveu. porque tinha que se escrever, revelar as fotos, envelopar, deixar no marco, e esperar tantos dias, pela volta do correio..

hoje não é assim. a comunicação é mais directa, é automática, rápida e instantânea. mas também mais preguiçosa, menos sentida e menos pensada. manda-se um sms, escreve-se na wall, twitta-se.. e já está. tipo sopa no micro-ondas. mas dedicação? pensar no que se escreve? re-escrever no papel até acertar no texto certo, vezes sem conta? não, a luta hoje é mais simples: temos poucos caracteres. 140, nem mais. toma lá, que já me lembrei de ti hoje!!


but more.. is less.
é que assim passamos os dias a achar que comunicamos muito, que estamos sempre ligados e que sabemos de todos os nossos amigos, likes e seguidores.. pura ilusão.
como tudo o que é instantâneo, os posts passam, as sms são apagadas, os links desaparecem. e ficamos no fim com um vago registo do que se passou. até os milhares de fotos que temos - a nossa memória visual -, já só estão no disco, e não no álbum..

tenho saudades de escrever cartas, de esperar por uma resposta, por um postal de longe. de saber a simples morada - a real, não a electrónica - dos meus amigos. este natal vou escrever a todos os que realmente contam. falar de mim, sem limite de caracteres (com a minha letra horrível, para que tenham de se esforçar a ler), enviar uma foto assinada e um abraço escrito.
é um presente. não para eles, mas para mim.

soud track/ eels/ guest list

:: encontros. e despedidas.

outubro 19, 2010



'chegar e partir, são só dois lados da mesma viagem
o trem que chega, é o mesmo trem da partida.
a hora do encontro, é também de despedida.. é a vida


ontem, enquanto esperava, tive de estar mais de 2h na sala de chegadas do aeroporto.
sem mais com que me ocupar, comecei a criar a história de quem passava. engraçado como pelos traços das pessoas conseguimos imaginar o cenário que as rodeia. como pelo seu 'mood' dá quase para adivinhar que que voo saíram. e ao que vem. alegrias, tristezas. pessoas com gente à espera. pessoas sozinhas, a olhar a gente que espera.

nesse tempo, fui escrevendo o guião sobre as várias personagens, o que fizeram ontem, para onde vão amanhã, o que sentem, o que olham. foi como ler um livro sem palavras.  uma peça em que o palco é apenas a porta de desembarque. enfim, viajei por onde aquelas pessoas estiveram, fiz planos para as próximas partidas, e fiquei cheio de vontade de entrar, logo ali, no primeiro avião.
é que às vezes devíamos poder tirar férias de nós próprios..   

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' encontros e despedidas, escrito por milton nascimento para maria rita

:: perspectivar

outubro 12, 2010



com a idade aprendemos a relativizar.
porque vamos dando menos valor a coisas que sobrevalorizamos no inicio da vida. o primeiro beijo deve ter sido uma festa. a primeira saída uma novidade. mas depois tudo se torna menos importante. assim é com a maioria das coisas que vivemos: as chatices no trabalho, as discussões com os amigos, os desamores.. até os riscos no carro. percebemos que afinal há coisas que não serão assim tão importantes, tão necessárias ou prioritárias. as rugas na expressão - além de indicarem muitos sorrisos -, significam também muitas feridas, muitos apertos e situações difíceis. mas tudo momentos que já foram.
essa história, que vamos escrevendo, dá-nos uma calma e tranquilidade de olhar para o presente com mais capacidade de perspectivar.

perspectivar, no sentido de conseguirmos ver sempre a longo-prazo: para trás (o que já vivemos) e para a frente (as possibilidades do que ainda vamos viver).
é como numa empresa. não podemos esgotar todo o nosso tempo com a gestão operacional do dia-a-dia. é necessário - urgente às vezes-, guardar um tempo, uma pausa, para uma visão estratégica, mais distanciada, física e temporalmente.

olhar, assim, com um certo distanciamento, dá-nos amplitude e centra-nos na nossa vida e não nos nossos dias.
que são coisas diferentes.
.


_soundtrack _try _
sidsel endresen & bugge wesseltoft

:: vinyl

outubro 08, 2010





ponto prévio: comecei a ouvir música com discos de vinyl e fitas da velhinha akai. a partir da extensa colecção existente lá por casa, habituei-me desde cedo aos passos de cada escuta: limpar o disco, o prato e a agulha, escolher a rotação certa, e lentamente pousar a agulha no traço certo entre faixas. por mais práticos que os cd's fossem, sempre mantive o prato rotativo, adquirindo esporadicamente alguns exemplares (mais pelo design da capa do que pelo conteúdo). agora com os ipod's a concorrência é mesmo desleal, mas até por isso, dá ainda mais gosto cada vez que se ouve o pequeno ruído do espaço antes da faixa começar.

mas o que mais me cativa no vinyl não é sequer a suposta melhor qualidade do som, ou o gesto em si, mas o facto de mais que uma música, temos nas mãos um objecto de prazer.
nalguns casos, a música é quase acessória, dada a qualidade da 'caixa':
primeiro a capa rija, normalmente com uma foto brutal, um titulo bem encaixado e um nome que marca.
dos mais simples aos mais elaborados, uma boa capa de um vinyl deixa sempre recordações fotográficas.
depois o prazer de retirar o vinyl preto de dentro do papel fino que o protege. a delicadeza necessária, a agilidade entre mãos até pousar no prato. pousar a agulha e ouvir, de inicio ao fim, até a agulha saltar..
porque aqui não há botões forward.

_

:: escrevo

outubro 07, 2010



não escrevo para parecer coisa alguma.
sempre escrevi e escrever para mim é como um alívio.
algumas vezes não consigo dormir e basta escrever tudo aquilo que passa em forma de texto, ou não, na minha mente e pronto. durmo. não escrevo porque hoje existem blogs. escrevia muito antes disso e por necessidade.

escrever vem de um excesso de calor na alma. é uma espécie de hipnose que faz com que deixemos de prestar atenção no mundo ao redor e passemos a formular cada parágrafo numa vida paralela. escrever não é fácil mas, acredito que está inerente no sujeito ou não. não se trata de uma escolha. é uma necessidade.

estou certo que escrever é até egoísta e presunçoso. porque não precisamos/queremos ser entendidos por ninguém. a página em branco nos basta.
é como ignorar toda a existência ao redor. e eu tenho um arquivo de ideias se formando e saltitando aqui dentro. mas, infelizmente, há tempos em que não se tem tempo..



d'aqui
ps: a musica (retirada do filme 'dead man walking' e revista em 'eat pray love) é uma brutal junção de eddie vedder + nusrat fateh ali khan
. a long road..

:: olhó fresquinho!!

outubro 05, 2010



numa época em que já vem tudo empacotado, etiquetado e calibrado, diferenciado por peso, sabor, tipo de calorias e de teor de sal, com o respectivo código de barras, começamos a ficar autómatos perfeitos (o woody allen lá sabia). cá por casa já se abastece a mercearia pela net: é simples, mais económico e não dá trabalho nenhum. a lista de compras já está guardada no ficheiro, é só clicar no que se já gastou, et voilá: os sacos são deixados direitinhos à porta de casa, na hora marcada.

mas no que toca aos frescos, a coisa já não corre assim tão bem. por isso, no ultimo sábado voltei a entrar num mercado para ir ao peixe, frutas e legumes! confesso que já não me lembrava do cheiro fresco de um mercado, nem do prazer de poder falar com alguém sobre o que comprava - em vez de com uma máquina que apita por cada produto que passa.
 

por entre bancas de peixe, legumes, queijos e pão, assaltaram-me as memórias dos sábados de manhã da minha infância, em que na pequena cidade ribatejana ia com a minha mãe ao mercado, passávamos pelo talho, pela loja da moda e pelo quiosque dos jornais. nesta era digitalizadamente monótona, é bom que se mantenham alguns hábitos que nos prendam ao real. por mim, sempre que possível, aos sábados, ali para os lados de alvalade,
com a ti' maria das frutas e a srª lurdes do peixe..

(com muito a ver, a música é dos real combo: uma versão mais pura-analógico-vinylica da coisa) 

:: hill street blues

outubro 05, 2010



para quem nasceu nos 70's, aqueles que ainda nos lembramos da televisão só com dois canais, existem séries míticas, que preenchiam as noites vazias quando não apetecia ler (sim, porque net, jogos de computador e sms não existiam).

a balada de hill street é uma delas, com o inconfundível tema de abertura. a série passa-se numa suja e confusa esquadra de uma qualquer cidade americana, com personagens que ainda tratam dos processos em máquinas de escrever. daqueles polícias bestiais, que não precisam de truques de imagem em tons pastel-pôr-do-sol, de óculos escuros e tecnologia a potes para serem os melhores detectives do mundo. não, os blues de hill street são apenas pessoas, sem efeitos especiais, tão ambíguos, como humanos: erram às vezes, perdem outras, com as suas fraquezas e frustrações vincadas, mas sempre com um fio condutor de personalidade íntegra. lembro-me vagamente de nos anos 80 ser um aspirante a Capitão Furillo - e não era (só) pela Ms Davenport!

para os viciados, a FOX está a repor a série desde a primeira temporada, sempre às 0.46. ah, com miami vice, logo a seguir. para rever os 80's, banda sonora a condizer e roupas cheias de pinta!
na fila para os dvd ficam o cheers, mad about you e allo allo.

:: rouge bourbon

outubro 01, 2010


un parfum d'aventure et de poésie s'evade à l'infini de chaque tasse de thé..
henri mariage

por causa deste senhor mariage, faço uma triste figura cada fim de tarde que visito um dos locais mais cosy da cidade (la tea room). explicando: antes de beber o chá mais perfeito do mundo -rouge bourbon-, passo 5 minutos a cheirar de forma sôfrega o pequeno saco em pano. vício puro, repetido diariamente por casa.
o cheiro mistura mil imagens na cabeça. dizem que as origens do intoxicante é de África, ao qual se junta baunilha de Madagáscar. seja lá o que for, o cheiro enche o olfacto e deixa adivinhar o paladar para mais tarde. inspira-se um calor sem temperatura, passeia-se por Paris no inverno, por um pôr-do-sol à beira-mar enrolado na toalha, por uma lareira em noite de inverno. depois bebe-se e continua o prazer. a cor rouge-licour antecipa o paladar, forte, mas doce. sempre sem açúcar, só com o puro das folhas diluídas. assim se respira fundo por estes lados..
à espera dos dias de outono para completar o quadro.

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:: prefiro chegar, do que ver

setembro 27, 2010



'a celebração constante do mundo virtual está sempre a ser interrompida pela fisicalidade, com os seus obstáculos inultrapassáveis (como se viu no caso dos mineiros de Atacama).
a capacidade de comunicar pouco pode contra a força física, quando esta não comunica.
vemos depressa, mas chegamos devagar.'

remete-me este excerto para a consideração (talvez inócua), que a comunicação e a sua virtualização não são, nem nunca serão, um substituto do contacto físico em si. é apenas mais uma forma de comunicar, mas nunca a mais essencial, nunca a mais urgente e muito menos a mais verdadeira. só a voz, os olhos, os movimentos corporais, o tocar, isto é, tudo o que é físico em nós, permite comunicar de forma real com outra pessoa.por isso não entendo quem 'comunica' mais no mundo virtual do que no real. inadaptação? defesa?

não sei, mas por mim, nada substitui o abraço quando se vê um amigo, o toque de uma mão a meio de uma conversa, a palavra mais alta que quebra o raciocínio, o olhar instigador, que mostra a discordância. as conversas virtuais sempre me pareceram mais enormes monólogos do que diálogos concretos. não há o acto pergunta-resposta, ideia-contra-ideia, pensamento-reacção. e é isso, essa parte física, esse contrapor que define a pessoa, as suas ideias, as suas palavras.

por mim, prefiro chegar, do que ver. ainda não foi (nem acho que virá a ser) criado um sistema virtual de comunicação que substitua a tertúlia ao café, os debates ao jantar, ou a simples divagação numa esplanada noite dentro..
coisas de velho, talvez.

' MEC no público. o video, sinnerman por nina simone, revisitada por felix da housecat

:: guerra das rosas

setembro 27, 2010



Camané canta fado. ou canta melodias em versão fado. ou é simplesmente um crooner em registo jingão fadista. ou nada disto: canta apenas um estilo próprio e único.
depois de nos deixar rendidos a músicas como 'sei de um rio', ou 'lisboa', o homem voltou agora em grande, com 'coisas do amor e dos dias'. junta poetas portugueses mais antigos, como O´Neill, com textos e prosas de alguns menos antigos, como Sérgio Godinho. Juntam-se os costumeiros arranjos ritmados em guitarra portuguesa, e, novidade, uma certa ironia fadista actualizada para os dias de hoje.

a primeira amostra, 'guerra das rosas', começa com uma zanga a prometer:
partiste sem dizer adeus nem nada. voltaste e nem desculpa pediste.
perguntaste porque que é que eu tinha chorado.
eu respondi, mas quando vi que sorriste, 

eu disse que estava triste, porque tu tinhas voltado! 
zangada esvaziaste o meu armário e em nada ficou o meu disco preferido..
segue-se um 'rol de vinganças e torturas', de dois que se prometem um ao outro,
acabando como tantas discussões, arrufos e birras:
.. no escuro tu insistes que eu não presto.
eu juro que falta a parte melhor.
um beijo acaba com o teu protesto.
amanhã conto-te o resto.. boa noite meu amor

lá está, coisas simples, do amor e dos dias..

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