:: o instinto

maio 15, 2015



as coisas maiores da vida não são construídas por nós - nascem em nós, que é bem diferente. porque não temos qualquer tipo de controle sobre elas. é assim na família, nos amores, ou até nas coisas mais banais, como os sabores que nos prendem. em todas estas coisas que sentimos, que temos prazer, carinho ou vontade, nunca há uma acção nossa para que começassem a ser sentidas. pelo contrário, é algo que vem de dentro, algures por ali, entre a alma, o coração e a capacidade de absorver a vida.

é assim no amor. começa num olhar, num desejo, num riso, e apenas sentimos que algo está ali a começar. depois vem o encaixe, os dias grandes em que tudo foi bom, os dias pequenos em que tudo foi difícil, mas em que chegamos ao fim, juntos. sabemos que estamos perdidamente entregues quando não conseguimos explicar o porquê - pergunta-se "o que amas em mim?", e a resposta é "não sei.. sei o que gosto em ti, o que me cativa, o que me prende. mas porque te amo? não sei explicar". porque é esta não racionalidade que torna as coisas grandes. mais que um sentimento que se percebe, é antes um instinto que vem de dentro, sem controle, sem botões on/off. com muita dedicação, cuidado e vontade, claro. mas a essência, aquele rasgo na pele, aquele nó na garganta? esse, raios o partam, tem vida própria..

mas mais intenso é o instinto paternal. e aqui não falo de gostar muito ou pouco de crianças - aqui falo de querer ter a minha criança, o meu piolho.. loucura, sentir esta coisa a crescer cá dentro, esta vontade de ter um ser que seja meu, que eu mime, que abrace, que eduque. quase transe, no meu caso, começou num filho que não sendo meu, já o é. já o cuido assim. preocupado com tudo nele, a toda a hora, na ânsia de um riso, de um olhar para mim, de um abraço.. ou como no primeiro dia em que me chamou pai. e todos dias, cada dia mais forte, sinto cá dentro, bem lá das entranhas, esta vontade de criar. verbo perfeito - criar. realização perfeita - poder criar a nossa filha, juntos. vê-la crescer, fazê-la uma pessoa linda, inteira, rabugenta, mimada, coração enorme, e este nosso olhar, que vai receber. e que um dia se orgulhe do pai, e da mãe, como nos orgulhamos dos nossos - é este instinto de passagem que não conhecia. e que me faz mais homem hoje. e melhor pai, amanhã..

:: os sentidos. todos.

abril 30, 2015



sou intenso. vivo de forma intensa.
o que é isso? simples: a intensidade com que se vive vem da forma como nos entregamos - aos dias, ao trabalho, a um amor. mas aqui, a entrega, mais que vontade ou dedicação, tem a ver com a forma como absorvemos o que vivemos. assim, a intensidade tem apenas a ver com o número de sentidos que pomos ao nosso serviço. temos cinco, mas nunca fomos treinados para os usar em simultâneo. um pôr-do-sol vê-se. ou será que se ouve também? ou tem cheiro a mar também? e uma música, ouve-se apenas? ou fica diferente conforme o toque da cadeira, conforme o sabor da bebida, conforme a luz da sala.. conforme com quem se partilha a música.

porque intenso mesmo, é quando se encontra alguém que nos dá ainda mais sentidos. aquelas pessoas que entram na nossa vida e mostram outro olhar, outro ângulo, não diferente - porque esses chateiam, criam ruído -, mas uma ligeira variação do nosso - esses completam. alguém que nos mostra mais um pequeno detalhe do que já gostávamos antes. misto de surpresa e riso tonto, quando alguém diz 'oh, eu também reparo nessas coisas!!'. e aí, ficamos ainda mais ansiosos, numa necessidade permanente de partilha, por mostrar uma música nova, por descobrir um canto novo na cidade, por provocar uma reacção nova, mesmo ao que já se viveu antes. deve ser a forma mais bonita de gostar - ser puramente feliz por provocar os sentidos dos outros..

e ainda há um sentido escondido: a memória.
é a intensidade na forma mais poderosa, quando a um sitio, a uma música, a um momento, juntamos a memória do que já se viveu ali. ás vezes choramos de saudade, ou de dor. outras vezes rimos sozinhos, apenas por nos lembramos do que já vivemos naquela música, naquela varanda, naquela rua. como agora, por mais longe que estejas, é a memória de te ter aqui, que me acrescenta força aos sentidos. é sentir o teu cheiro ainda na minha roupa, é ouvir uma música e ver-te a dançar pelo corredor, é ficar em silêncio no teu lugar da cama e ainda ouvir o teu respirar de sono sossegado. é ver o nascer do sol no quarto e tocar a memória da tua pele nua ao meu lado. é fechar os olhos, e ter-te em todos os meus sentidos. isso sim, é viver de forma intensa..

:: acordar

abril 08, 2015



gosto de acordar. mas gosto mais de acordar ao teu lado.
engraçado, como se desvaloriza o acordar, sendo no entanto um dos momentos mais sinceros entre duas pessoas. mesmo as que acordam mal. porque é quando se acorda que se é mais puro, mais transparente. entre cabelos despenteados, preguiça no corpo e pele amassada, é nesse momento que se é verdadeiramente bonito para quem se gosta. porque é quando se acorda que se dizem as maiores verdades, às vezes mesmo sem falar. especialmente quando não se fala. por exemplo, quando se foge da cama, entre pressas, desculpas e fugas repentinas. ou, pelo contrário, quando apenas se fica lentamente a sentir o outro, ali ao lado, próximo. porque o primeiro abraço, o primeiro olhar, o primeiro beijo, nunca enganam. dizem tudo da união que ali se vive. tão simples.

gosto de acordar. mas gosto mais de saber acordar-te.
porque o saber acordar quem gostamos implica uma intimidade grande. um respeito mútuo no momento mais cru da nossa personalidade. ali, os botões ainda estão meio desligados: o botão da simpatia, o botão da boa disposição, o da vontade, ou de coisas simples, como o botão da capacidade de se deixar tocar. acho mesmo, que a evolução de como se acorda é o verdadeiro avaliador de uma relação. a forma como se encaixa, se molda, se aprende a gerir. uns dias mais carinhosos, outros dias mais práticos. umas manhãs em que se ama, ou outras em que o melhor é mesmo nem falar, apenas dar espaço. mas é esse equilíbrio, essa capacidade de fazer da manhã sempre um momento bom, ou, pelos menos, um momento nosso, que prova muito do quanto se quer. 

gosto de acordar. mas gosto mais de acordar na tua pele.
perfeito, o primeiro toque do dia ser o calor da tua nudez na minha. quase ritual, encosto-me mais perto nas tuas costas, aperto um pouco o abraço, e respiro no teu pescoço. o teu corpo mexe aos poucos, junto ao meu. abres um olho devagar, suspiras, olhas-me por cima do ombro. e sorris, ainda em silêncio. digo-te bom dia de voz baixa, dou um beijo demorado, entre carinho e protecção. e quando estás bem, rodas o corpo em modo câmara lenta, enquanto me empurras para o meu lado da cama. pedes-me o peito e pousas a cabeça - entregue. e ali ficas os poucos minutos até acordarmos de novo. são os nossos minutos mais sinceros. em que se diz tudo, em silêncio. entre cabelos despenteados, preguiça no corpo e pele amassada, é nesse momento que és a mulher mais bonita para mim. tão simples..

::: but first, coffee

março 21, 2015



gosto de pessoas 'but first, coffee'. e nem tem tanto a ver com a bebida, mas com o acto em si. o acto de preparar. porque o café (quando é bem bebido) mais do que um vício é isso: uma ante-câmara de qualquer coisa. é o antes do dia começar, é o antes do almoço, é o antes da reunião, é o antes daquela conversa longa. por isso, não gosto de quem vai beber café e se vai embora logo no fim. é como ver um concerto e a seguir ir domir - tédio! um café, como uma música, não é um fim, mas o arranque de qualquer coisa. ou melhor, o motivo para qualquer coisa começar. como naquele primeiro convite que te fiz: 'vai mais cedo ao jantar de logo, e bebemos um café só nós dois, antes dos outros chegarem'.. que bom princípio.

nos dias, é sempre pelo café que começo. de preferência, ainda em casa, chávena grande, feito na máquina de filtro. além do cheiro que fica no ar, é a pausa antes da corrida que ajuda a centrar. planeia-se o trajecto, põe-se em perspectiva. ou apenas acorda-se. no trabalho, é essencial antes de cada reunião: um café, versão italiana, shot de cafeína para acelerar. aqueles dois minutos, em que se prepara a cabeça para o trabalho da próxima meia-hora. rápido e produtivo. ao fim do dia, o café com os amigos. não dos com pressa, tipo 'diz-me aí rápido como foi o dia', mas daqueles tradição antiga, do café central, em que nos sentamos, lemos o jornal, falamos do vizinho e das histórias eternas. daqueles cafés de mesas que se vão enchendo sem ninguém combinar. não é preciso. já sabemos que alguém lá vai estar naquela hora.

e os nossos cafés? são os mais memoráveis. ritual de iniciação, é sempre a primeira tarefa quando se chega a casa. ligar a máquina, pôr a música acertada com o espírito do dia, e apenas ficar. primeiro à espera do café se fazer, depois a bebê-lo demoradamente, sem horário, sentados no balcão da cozinha, roupa de casa, pés descalços que se vão tocando. gosto de te servir o café, enquanto falas rabugenta do dia. depois falo eu, enquanto mexes o açúcar. medida certa: 1 colher para mim, 2 e meia para ti. o sabor quente na chávena preta, e o teu olhar, ali em frente, a ficar mais sossegado. digo umas parvoíces e já sorris. levanto-me, e abraço-te de leve num beijo lento, com a minha mão na tua cintura, a dizer que te quer. volto ao lugar e ali ficamos a passar mais um bocado de dia. ritual do café. nosso, simples. perfeito.


:: as fotos. nossas.

março 08, 2015



sou viciado em imagens. em memórias fotográficas. por isso dou tanta importância ao cenário, aos pequenos detalhes de cada momento: a intensidade da luz, a música que se ouve, a vista que se vê, as cores de fundo de um canto da casa. ou, por oposto, deslumbram-me sempre as imagens de imensidão: emociono-me com cada pôr-do-sol, com cada lua cheia, com cada praia vazia. mistura dos dois, o vício bom de dormir de janela aberta, apenas para poder acordar com o sol torrado, a nascer lá ao longe, no limite do horizonte. a luz entra lentamente pelo quarto, primeiro as paredes amarelas, depois bate na cara, ainda na cama, quase cega, mas sente-se aquele calor bom. e fica perfeita, a fotografia do brilho do sol, a nascer na pele do lado..

mas o melhor de saber ver assim o mundo, é partilhá-lo com quem me entende, com quem me sente em cada foto. partilhá-lo com quem me vive, onde quer que esteja, quando vê as mesmas imagens. é essa a perfeição da coisa: a partilha da emoção. ou, mais bonito, quando se vê esta beleza no outro, na imagem do outro. por isso sou viciado em olhar. aquele vestido curto, aquelas calças que moldam o corpo, aquele pedaço de ombro sempre à mostra, aquele salto que faz a curva perfeita do pé. ou, menos carnal, quando se tira a fotografia mental de uns olhos fixos em nós, de brilho fundo e pestanas fortes - parecem que sorriem. ou, único, aqueles momentos de paragem de pensamento, em que ficamos a ver, quase filme mudo, os lábios de quem gostamos a mexerem-se, enquanto falam para nós - parece que amam.

por isso gosto tanto das nossas fotos. em especial das que guardo na memória. porque fizemos muito, dissemos mais, sorrimos tanto, mas há imagens, há momentos, há fracções de segundo, que já valeram por uma vida. e para a vida guardei-as em mim. porque é aí, nesse milésimo de minuto, que se distingue quem se ama - sintonia difícil, mas que diz tudo: quando, apesar de verem a partir de dois olhares diferentes, duas pessoas vivem na mesma fotografia. e, ironia, só se tem a certeza de tudo, quando a imagem que mais procuramos é a mais simples, a menos elaborada, mas, por isso, também a mais verdadeira. por exemplo, apenas o teu corpo, nu, descansado, a espreguiçar-se pela manhã. aquele momento em que te viras para mim, de olho ainda meio aberto, me dizes bom dia, e voltas a adormecer mais uns segundos, no meu peito.. a vida podia parar ali. 

:: agarrar(t)

fevereiro 25, 2015



agarrar deve ser a arte menos bem ensinada, mas tão importante para tudo na vida. a forma como se agarra um trabalho, uma profissão, uma vontade. ou a forma como se agarra um amor, um corpo, aquela pessoa. porque pode-se querer, gostar, lutar, mas saber agarrar algo, ou alguém, requer muito treino, muita entrega e sabedoria. agarrar é um misto de força e cuidado. de posse e entrega. por isso, gosto de quem me agarra com força, homem ou mulher: um aperto de mão forte, um abraço que prende, um beijo que arrepia. por isso, gosto de segurar com força, mostrar a vontade, a necessidade, a tesão, mas ao mesmo tempo (e aqui, a arte), saber parar no ponto certo onde se consegue misturar na força o cuidado, o carinho, e a doçura - salgada, sempre.

o tango, por exemplo, é a arte pura de agarrar quando se dança. a forma como uma mão diz o caminho, como um pé ordena os passos, sempre o homem, a comandar, a coordenar, mas a deixar a mulher brilhar. a dizer o caminho, mas a deixar-se ir atrás. cavalheirismo mais puro, esse cuidado de decidir, mas deixar ser ela a avançar. como quando se abre uma porta e apenas se toca com a mão nas costas, para ela passar primeiro, como que a indicar, discretamente, o caminho. mas a deixar-lhe a opção de ela o querer seguir.. mas voltemos à música, porque agarrar tem de ter ritmo. tem de ter o tempo certo. há momentos para se agarrar com força e outros para quase só tocar. momentos que se agarra, parados, tipo rocha, como quando precisas de chorar no meu pescoço, escondida do meu olhar. e momentos para se agarrar em dança louca, como quando te puxo pela mão no meio da rua, ou quando te agarro no meio da cozinha, beijo inesperado, suspiro no pescoço, e te solto logo de seguida - mas aí, só sei que te agarrei mesmo, depois de te soltar: quando ficas com aquele olhar parado em mim, quase sorriso de lado..

arte maior, saber agarrar os cabelos de uma mulher. a mão presa no pescoço a subir pela cabeça, lentamente, mas de pulso forte, entre força e vontade, mas sempre carinho. fica-se ali na tensão, entre te quereres soltar, e gostares de sentir o aperto de quem te quer. mente e corpo em luta. coração e cérebro a discutirem-se entre a liberdade e a entrega. entre a quase dor e o quase prazer. maravilhoso, como o corpo fala ali mais que mil palavras. não há teorias, razões, ou perfis que encaixem melhor, que testem melhor uma relação: é o corpo. é a forma como se move, como se toca, como se entrega. e, se a forma como agarra, diz muito de um homem, diz mais de uma mulher a forma como se deixa agarrar. a forma como se deixa prender, como se entrega, como se confia aos braços do seu homem. como diz, sem falar: sou tua.

:: tocar

janeiro 23, 2015



os amigos de verdade quando se encontram não se cumprimentam: abraçam-se. tem de ser uma regra, não de cortesia, mas de coração. quando chegamos a um café, não bastam dois beijos - é preciso um abraço, um toque de pele, uma presença de corpo. como quando vamos jantar, e ainda na porta, sai aquele abraço rápido. ou no fim da noite, um abraço mais demorado, como que a dizer: porra, foi bom este bocado contigo! lembro-me há pouco mais de um ano, um daqueles amigos de peito foi pai, e sempre que se despedia das visitas lá a casa, abraçava, demorado, de lágrima no olho, tal a felicidade que ele estava a viver. porque o abraço é isso: é mais uma forma de falarmos, de dizermos que queremos, que cuidamos, que agradecemos. uma forma, silenciosamente forte, de dizer que gostamos.

depois há os abraços de amor. em que mais que falar, queremos agarrar, para não deixar fugir. mais que prender, queremos entregar, para sentir a pele quente, o corpo próximo, quase vontade de união. é um misto de cuidado e necessidade, um misto de protecção e fragilidade. quando se abraça quem se ama, temos de dar e receber. temos de segurar, mas ao mesmo tempo, deixar-nos cair braços do outro, sem barreiras, sem medos. arte mais dificil do que parece, um simples abraço de amor - saber o balanço certo entre ser o homem, mas o menino também. em saber agarrar-te como uma mulher forte e segura, mas também como a menina frágil que nunca queres mostrar..

mas os abraços mais únicos, são os safados: aqueles em que se misturam vontade e o carinho, o desejo e o corpo. esses, tem que ter personalidade, impostivios, mas sem nunca passarem do limite certo da força. como quando conduzimos uma dança, a mandar por onde se roda pela sala. ou mais tarde, quando te abraço de mão nas costas e beijo no pescoço, a mostrar-te a vontade. ou quando te puxo o corpo, apenas preso pela cintura, e te arrasto bruscamente pelo lençol abaixo. ficas linda, nesse momento, com aquele ar surpreso, misto de te sentires desejada e dominada. como quando te aperto contra mim e mando no teu corpo enquanto te amo: por segundos, mordes lentamente o lábio, entre a tensão da força e a tesão da vontade. prazer puro. ou mais perfeito, minutos depois, já a respirar, quando te abraço um bocado de pele, na distância certa entre estar perto e deixar-te espaço para ti. olho no olho, e a minha mão, em pequenos movimentos, fortes, mas doces, quase embalo, até te ver adormecer ao meu lado.

:: really love

janeiro 17, 2015



andamos sempre a perguntar o que é gostar de verdade, a tentar perceber o que é isso de amar? ou, tantas vezes, a testar diariamente se aquela é a pessoa certa para nos entregarmos. primeiro, quando somos mais novos temos a ilusão da busca da pessoa perfeita: aquela que se encaixa nos padrões idílicos que fomos construindo. já adultos, percebemos que essa coisa não existe, que perfeito mesmo é alguém que se encaixa em nós de uma forma inesperada. mas, em que de repente, tudo bate certo: a forma como ri, o toque do abraço, o cuidado nos dias, e o beijo - sempre no momento e intensidade certa. depois vamos querendo mais, alguém que nos faça maior, que nos desperte sensores desligados, que nos mostre mais do mundo, que nos faça querer ser mais completos. não pelo outro, mas por nós. é desafiante ter ao lado, não quem nos traz mais vida, mas alguém que nos motiva a ser mais na vida. 

mas, a estes ingredientes todos - racionais, sensoriais, de vivência, de prazer -, tem sempre de se somar a coisa que liga tudo isto: a paixão. porque há pessoas perfeitas, que nos despertam todos os sensores, mas em que simplesmente não acontece o clic: aquele milagre de querer o outro de uma forma louca, sem sequer perceber bem o porquê - e é delicioso não conseguir saber explicar o porquê. porque preciso do teu abraço? mais que o corpo, é sentir-te junto, colada, metade de mim.. não te sei explicar melhor. porque preciso do teu riso? porque só ele me sossega, só com ele respiro.. não te sei explicar. paixão é isso, essa coisa de não saber explicar de forma racional e inteligente. suspeita-se da causa, dos motivos, da origem, mas não há ciência que descubra a fórmula. e se calhar, a magia da coisa vem daí mesmo. porque, no dia em que alguém me souber explicar com todas as variáveis porque me gosta, aí sim, vou ficar preocupado..

sempre acreditei que a paixão era uma coisa transitória, um bocejo de descoberta, um raio de luz que aquece, mas que dura apenas um dia. para mim, o amor vinha depois, quase forma consolidada de paixão, aquela coisa que nos mantinha junto na vida. mas não. sinto hoje, que o amor é a nossa base, é a estrada, é o caminho de alcatrão, forte, duro, que aguenta a noite escura, as discussões, os afastamentos. sim, o amor dá-nos esse caminho, mas é a paixão que dá a gasolina, a energia, a força. as noites passam, mas tem de vir o sol, esse calor que não se toca, para aquecer a sério. o amor prepara-nos, segura-nos. mas é a paixão que nos desperta, que nos faz avançar. por isso, preciso de manter este estado permanente de te querer a toda a hora, de suspirar pela mensagem minutos depois de desligar, de precisar do teu abraço todos os dias, até desta coisa física de te amar o corpo, estejas junto ou longe. ou, de apenas conseguir dizer-te adeus sossegado, depois de te soltar uma gargalhada. paixão pode não ser andar sempre nas nuvens, feliz, aos pulos, de peito cheio. porque não dá sempre - mas é sempre ter a certeza de querer esse estado. de correr para lá, de ansiar por chegar lá. é viver, todos os segundos, com aquele torpor de impaciência de chegar ao outro. isso sim, é estar apaixonado. explica-se? não.. ainda bem.

:: a vida que vale a pena

janeiro 03, 2015



felicidade é: 'algo que você faça e queira que aquele momento dure sempre um pouco mais'.
quem o diz é um filósofo brasileiro, Clóvis de Barros, com a simplicidade das palavras açucaradas do lado de lá do oceano. o conceito é simples: estamos num momento de felicidade pura quando temos aquela sensação que naquele instante, naquele lugar, a vida é perfeita, que não queremos que nada mude, que nada aconteça mais, que aquele segundo não acabe. que naquele momento estamos a viver 'um instante de vida que vale a pena ser vivida'.

para mim, a lógica é que na vida, o que nos faz feliz é a soma desses pequenos momentos - porque sim, não é possível viver assim em contínuo. ora, temos então de viver não a lamentar a saudade, a falta, ou apenas a correr para que as coisas acabem - que acabe o dia de trabalho, que acabe aquele jantar chato, ou até que acabe a semana, para chegar ao sábado. merda para quem vive assim - tem de ser ao contrário, temos de procurar (lutar) pelas coisas que façam um dia valer a pena. pode ser só uma música que se partilha, uma foto, uma mensagem, um riso que se provocou, um café a correr, um jantar num sitio inesperado, ou apenas ficar num sofá, a olhar o tecto e a dizer coisas parvas ao lado de quem gostamos - desde que em cada momento desses, a vida faça sentido. e que por um segundo, não se queira que aquele momento acabe.

e não, não é optimismo ingénuo, é apenas estar atento, procurar, be prepared, porque estes momentos estão sempre por aí, espalhados, à espera que alguém os apanhe, seja no café da rua, num encontro inesperado, numa fotografia instagramada no minuto certo, no encontro que se marcou, nem que seja só para dar um abraço de 5 minutos, nem que para isso se tenha de andar km's. não ter estes pequenos momentos de felicidade é mais preguiça do que não oportunidade. é mais receio, do que falta de chances. é mais pensamento elaborado (e complicado), do que simplificar a vida. e claro, se pudermos ter alguém ao lado que nos dá momentos destes, então sim, sabemos que é ali o nosso lugar: quando se quer que aquela pessoa fique sempre um pouco mais..

:: manifesto ao pudor

outubro 28, 2014



pudor é uma palavra que me chateia. acima de tudo porque viveu tempo demais no meu dicionário de costumes. apesar de em casa, felizmente, ter tido uma educação sem pudor (com um à vontade saudavelmente leve em tudo o que toca à relação entre pessoas, corpos e a forma de os encarar), fui formatado desde cedo a ter um determinado nível de pudor - na escola, no meio social, no circulo de amizades. mas se há coisa que vem com a idade, é a capacidade de entender o que nos faz bem e o que nos castra. e o pudor é, acima de tudo, limitador de qualidade de vida. de poder viver mais. mais dos outros que nos rodeiam, mas muito mais do que cada um de nós é.

primeiro elimina-se o pudor das palavras que usamos. somos excessivamente lamechas, ou brutos, ou sinceros? e depois? merda para quem nos diz que devemos evitar dizer o que nos vai na alma. sem pudor e com toda a sinceridade do mundo, voto em quem diz tudo, com a maior espontaneidade do mundo: 'é lindo esse teu cruzar de pernas', 'a tua boca excita-me quando me lês', 'encosta-te à minha cintura e sente como te desejo'.. lembro-me especialmente de uma vez que telefonei, a quem tinha acabado de sair do carro, só para dizer o quanto me estava a deixar louco de vontade, vê-la atravessar a estrada, naqueles calções curtos, em cima dos saltos de pé despido - e o riso dela, quando me olhou ao longe, de lábio mordido, foi único. não, não somos menos emocionais, ou apaixonados, por desejarmos um corpo. pelo contrário, o maior sentimento junta carinho e carne. junta prazer e amor. gritos lânguidos e lágrimas de emoção.

porque acima de tudo, é na forma de vivermos o corpo que o pudor atrapalha. só nus, pele na pele, podemos ser nós por inteiro. sem vergonhas, sem timidez. só assim podemos viver tudo o de bom que um corpo tem - especialmente o de quem amamos. cada pedaço de pele tem de ser amado e desejado em simultâneo. conhecer, dedo a dedo, o detalhe do ombro, a cova das costas, a curva da perna, a inclinação do pé. conhecer cada movimento dos lábios, cada ponto que treme quando se aperta, cada ponto que emociona, quando se pára o movimento no olhar ofegante.
porque não há nada mais bonito de amar que um corpo nu: quando anda aos pulos pelo corredor da casa, quando se senta no balcão da cozinha a beber o ultimo café, quando volta para o quarto de sorriso safado e se encosta no frio da cama. quando ama aos gritos. quando se entrega ao prazer. quando diz quero'te de olhos em choro. quando adormece abraçado depois. mas, mais bonito, quando desperta nu, por cima dos lençois, com a primeira luz da manhã. é nesse momento, em que acordas nos meus olhos, que soltas o teu riso mais puro..
deve ser por isso que bem cedo, em jeito de aviso me disseste: 'no meu dicionário, pudor e amor são duas palavras que não cabem no mesma frase'. e eu acreditei logo.

:: tempestades

outubro 14, 2014



tenho um certa adoração por tempestades. especialmente pelas que vêm fora de época - no meio de um outono ainda quente. o céu começa a ficar vermelho, o ar aquece em versão sufoco. nos primeiros pingos sente-se, no cheiro das ruas, que qualquer coisa vai acontecer. de repente, em modo chuveiro, a água cai não se sabe de onde. mas continua quente: por isso sabe bem deixar a camisa ficar molhada, a cabeça mais fresca, os olhos a escorrerem qualquer coisa entre chuva e lágrimas. em cada trovão, estremece-nos o chão e ilumina-se o lusco fusco. quase lânguida, a tempestade chega, envolve-nos, tira-nos a respiração, e vai embora lentamente. imponente. leva o cinza nubaldo atrás, e deixa de novo o céu estrelado, e a lua cheia na noite limpa.

tenho uma certa paixão por tempestades. porque são românticas, na maneira como levam ao limite a tensão (vibração) entre os elementos. aliás, romântico é amar durante uma tempestade. a chuva lá fora, o vento a bater na janela, o quarto que escurece naquele cinza vermelho de fim de tarde. o abraço fica mais próximo e o lençol - num misto de arrepio e frio -, esconde o desejo dos corpos nus. quase escuro, são os raios que nos iluminam o rosto, preso no olhar do outro, a respiração que se confunde com os trovões, o chão que estremece, seja lá do que for. a tensão sobe, grita-se, sente-se, entrega-se, ama-se. ama-se muito. e depois? depois a tempestade vai. os corpos sossegam, exaustos da energia solta, da tensão que se libertou. e a tempestade vai embora, lentamente, e deixa atrás um olhar limpo, um lábio mordido num sorriso, e um silêncio, a dois, olho no olho, que diz tudo sem precisar falar. imponente.

tenho uma certa necessidade de tempestades: as nossas. são pura catarse. liberta-se a energia má, a tensão acumulada. grita-se, berra-se, chama-se idiota, dramático, bruta.. diz-se foda-se, bem lá do fundo da garganta. e foda-se, que bem sabe poder andar aos pulos descalço pela casa, ouvir musica aos berros, dançar sem ritmo, dar uns murros nas almofadas, e cantar alto, bem alto, como se fosse uma bateria enfurecida. grita-se, mais para dentro do que para fora. estremece-se, não o chão, mas o corpo quando chora, quando se aperta em dor, quando se abraça, sozinho, em sufoco, no fim da discussão. e depois? depois, a tempestade vai. a energia acaba, as lágrimas secam, como a chuva que acabou. e a tempestade vai embora, lentamente, leva as nuvens pesadas atrás e deixa de novo o que sempre lá esteve: o céu limpo, e a nossa eterna lua. porque é igual no amor: as únicas coisas que temos por certas, não são as que passam por momentos, mas as que se sabem que estão lá sempre. imponentes.

:: proporcional

outubro 04, 2014



mais que equilíbrio, estabilidade, ou racionalidade, prefiro agarrar-me sempre à proporcionalidade para me guiar no dia-a-dia. proporcionalidade no sentido, não de me balizar entre dois limites, mas pelo contrário, de ter a capacidade de ir aos extremos de todos os limites, mas de forma a viajar sempre pelo centro da minha linha - da minha coluna. seja no que se faz, na música que se ouve, nas palavras que se dizem, gosto das pessoas que não sendo equilibradas (de todo), são de alguma forma proporcionais nos seus extremos: sabem ir de um limite a outro sem terem de mudar a personalidade, ou a forma como vivem. porque mais do que saber ao certo o que alguém vai fazer (nas pessoas certinhas), é bem melhor saber que o vai fazer daquela forma que se gosta (nas pessoas de loucura saudável).

exemplo máximo, uma mulher só é bonita se for proporcional. baixa ou alta, mais magra ou mais forte, mas proporcional nas suas formas. é daí que vem a beleza, do equilíbrio das partes, do enquadramento. tal como a roupa que veste. tem de ser proporcional ao contexto: se mostra as pernas, esconde o peito, se mostra um ombro, esconde o outro. se é em casa, descontrai, quase despe-se naturalmente. se é à noite, deixa algum brilho no tecido, num pedaço de cinto ou num sapato mais alto. se é no trabalho, deixa uma certa seriedade, misturada com algum arrojo bem disposto. uma mulher tem de ter o riso proporcional ao mau feitio, a doçura proporcional à dificuldade em a entender. e a sensualidade proporcional à capacidade de, no mesmo segundo, ser também a mãe mais séria perante um filho.

já nos amigos e nos amores, há quem defenda que devemos dar em função do que os outros nos retribuem. quase contabilizam os telefonemas, os convites, os jantares que se tiveram. quase contabilizam os anos que já se viveu para poder decidir o futuro. casar? ter um filho? ah, ainda é cedo.. pois, também aqui prefiro a proporcionalidade, não em função do que damos ou recebemos, mas, em função do que vivemos. há pessoas que ao fim de três semanas juntas decidem ter um filho. loucos? não, se o que viveram nessas três semanas supera o que se viveu antes em meses e anos. hoje, sei que quando se ama a sério, vive-se em proporção da dimensão do que se sentiu, do que se descobriu junto. seja em horas, dias ou meses.. ás vezes, juntos, isso é bem mais que uma vida inteira separados. e aqui, ama-se, mais do que por palavras, por actos. mais do que por vontades, por atitudes. e essas sim, têm de ser proporcionais às intenções. ama-se, não em proporção à razão, ao racional, ao lógico, mas em proporção à magia do que já foi, à alegria do que é, e à certeza do único que vai ser..

:: mind pleasure

outubro 02, 2014



na vida, vamos aprendendo a ter prazer por camadas. como se fosse uma pirâmide que se sobe, degrau a degrau, cada vez com sabores novos. prazer no que fazemos, no que gostamos, do que vivemos. de quem vivemos. e da forma que vivemos esses que nos rodeiam. primeiro, na base da pirâmide os básicos - o que nos conforta as necessidades primárias: o que nos aquece no frio, como uma manta, ou o colo de uma mãe. o que nos refresca no calor, como uma banho de mar, ou uma corrente de ar na janela aberta. depois o que comemos, o doce, o salgado, o gelado, o picante. e ao longo da infância vamos aprendendo mais um rol de prazeres simples, que nos entram nos dias.

quando começamos a ganhar alguma maturidade passamos a outro nível da pirâmide. os prazeres que passam do físico para a capacidade de apreciar: uma música, uma pintura, um texto. um corpo. aprendemos a gostar de ouvir, de ler, de ver. aquele gosto na descoberta sempre de algo novo. viajamos, pesquisamos, encontramos: lugares, imagens, pessoas. e neste ritmo de layers que se somam vamo-nos realizando, crescendo, desenvolvendo a capacidade de apreciar. já adultos descobrimos o prazer de fazer. de ver acontecer coisas que saíram das nossas mãos, das nossas ideias. no trabalho, na profissão, em casa - as festas com os amigos, os jantares demorados, os presentes simples, mas cheios de significado. descobrimos o prazer de criar, mais que coisas, momentos que se partilham com quem se gosta.

mais reservado, é único o prazer de ter pessoas felizes em nós. primeiro o prazer do namoro, do flirt que fica sério. do sorriso que fica emoção. depois os mil prazeres do corpo. dos corpos que se tocam, que se devoram noites dentro, cada vez mais íntimos. mas prazer a sério, é aquele que passa pela inteligência, pela descoberta de alguém tão igual na forma de viver, não nos dias, não no corpo, mas na alma. prazer a sério é ter quem diz as mesmas coisas, no mesmo momento. que percebe aquela música, mesmo sem a ouvir. prazer a sério é passar horas a falar do nada, e ser feliz só por isso. é passar horas apenas a estar, a respirar o outro, e sentir que esse é o ponto mais alto da pirâmide. ou não. porque pode (deve) haver sempre algum prazer maior a descobrir. ou mesmo a criar. e esses passam sempre pela forma como conseguimos ligar-nos a alguém. e como, duas pessoas, juntas, conseguem (devem) subir sempre mais um degrau. na forma como vivem os dias entre sorrisos tontos, mesmo os mais difíceis. na forma como se deliciam - languidamente - na inteligência do outro, mesmo em silêncio. na forma como se emocionam no prazer do corpo, mesmo sem se tocarem sequer. degrau maior, é descobrir na pele que 'amo't', às vezes, é uma palavra já tão curta para tanto do prazer que se vive. junto.

:: respirar

setembro 19, 2014



quando andava nas lides da natação, sempre me fascinou a capacidade de gerir a respiração. e de como, mais que a técnica, isso era importante para os tempos da pista. porque podemos saber nadar muito, ter força, ter ganas, ter vontade, mas se não conseguimos gerir o fôlego, tudo corre mal: o ar começa a faltar, a coordenação dos braços vai-se, e as forças apagam-se no sufoco. engraçado como se passa o mesmo na vida: no trabalho, nos dias, nos amores. se vamos devagar demais, adormecemos a vontade, baixamos o ritmo e perdemos o comboio. se aceleramos demais, saltamos os carris, e descontrolamos o corpo até nos estamparmos exaustos. tantas vezes que nos sentimos sem forças, sem alento, como se o ar, lá acima da água, estivesse longe demais.

por isso é tão importante gerir a respiração. e aqui, num sentido mais apaixonado, a forma como se respira a dois. porque é preciso dar espaço para as mudanças de ritmo. hoje, dia cinzento de chuva, chegar a casa e respirar lentamente, por entre a primeira coberta do ano, um café quente e quatro pés enroscados. ou nas noites quentes, o oposto: acelerar o fôlego, sair madrugada dentro, brindar na calçada, ver o luar no rio, e chegar a casa já meio despidos, de respiração acelerada.. e acabar, de novo, de quatro pés enroscados, muitas braçadas depois. gerir o ritmo a que se respira a outra pessoa é a forma mais séria de amar. e de se querer. porque gostar demais também sufoca..

mas difícil mesmo, é quando contra a nossa vontade, se tem de dar espaço para respirar. porque nem sempre o fôlego, as forças, ou a capacidade de nadar é a mesma. às vezes, os ritmos descoordenam-se e a vida afasta-nos, não do que se quer (muito), mas do que se consegue fazer. quando se ama, damos o melhor, e por vezes o melhor, porque muito que nos custe, é dar o espaço para respirar, para viver, para o outro parar a cabeça bem longe de nós.
e não o fazemos em jeito de favor, ou de pena, mas num sentido muito certo que afastar, às vezes, é a forma de ficar mais perto. não porque se desiste, mas pelo contrário, porque se é forte ao ponto de dar um passo atrás, para, quem sabe um dia, conseguir dar dois à frente. o amor, quando é verdadeiro, volta sempre à sua casa. mesmo que precise de sair porta fora, louco, sufocado no turbilhão dos dias arrastados. o amor, quando é verdadeiro, apenas sai, para entrar de novo, de fôlego recuperado. porque há portas que ficam sempre abertas. para a vida..

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