:: desejar

agosto 13, 2015


preciso de te desejar, de te querer, de ter vontade de te amar o corpo, todos os dias, todas as horas. faz-me sentir vivo. faz-te sentir bonita. basta um bocado da tua pele a tocar na minha, uma mão que pouso mais forte na tua perna, um abraço que prende mais na tua cintura, um dedo que te toca naquele ponto preciso do pescoço.. ou apenas um olhar que se cruza entre um lábio mordido. e depois ficas com aquele teu sorriso, em jeito de aviso: pára se ser assim, tarado! e lá continuamos o dia, com aquele sabor a metal a ficar na boca, a dizer que logo mais, quando tivermos tempo, e cabeça, nos vamos amar. mas o desejo, esse, está lá. fica lá. vive lá. a toda a hora. porque é também uma forma muito bonita, e muito necessária, de se amar.

irritam-me as teorias que dizem que há horas, rituais, modelos, regras para se amar. que tem de haver um mínimo e um máximo por semana, uma hora ideal, uma posição, aqueles preliminares, ou aquelas técnicas. foda-se, o desejo, quando existe, não precisa de tanto disfarce, nem de tanto impulso: solta-se logo que pode, como um leão fechado numa jaula, sempre a rugir, sempre a querer, sempre faminto. não só do corpo, mas acima de tudo da alma. porque o desejo que estou a falar não é apenas o físico. não, é o outro. que mais do que carne, quer emoção. mais do que prazer, quer entrega. mais do que gritos mudos, quer olhares perdidos no outro.

entendes por isso, porque te desejo sempre? quando sobes as escadas à minha frente e me deixo ficar um passo atrás, apenas para te ver subir degrau a degrau. quando te vestes pelo corredor da casa e fico a ver a roupa a vestir e despir o teu corpo. quando tomas o café na cozinha e os teus pés deslizam pelas minhas mãos, por baixo do balcão. quando te incendeio, apenas a descrever a minha vontade de ti, no meio do jantar, naquela esplanada sobre o rio. ou quando te agarro o pescoço, em qualquer elevador, apenas para te parar o olhar no meu. ou mais sincero ainda, quando acordas nua, ao meu lado na cama. o sol na tua pele, aquece a minha. o teu jeito vagaroso de te espreguiçares, as tuas pernas esticadas pela cama, o teu pescoço a rodar lentamente, até me veres o sorriso. até me sentires o sabor da manhã nos teus lábios. até te dizer bom dia, com o meu desejo..


:: a arte de oferecer

agosto 05, 2015


a arte de oferecer um sapato é mais elaborada do que se pode pensar. ou pelo menos, a arte de deliciar-se a oferecer uns sapatos a uma mulher. primeiro as coisas básicas: tem de ser uma surpresa, inesperada. impagável os gritos de susto bom quando ela abre o saco, ou quando vê uma caixa vermelha de laço discreto em cima da mesa. aquele grito meio surpresa, meio alegria, meio criança babada, meio mulher excitada. depois tem de ser diferente: não pode ser mais um sapato, nem um sapato qualquer. tem que ser aquele sapato que marca a diferença. ou pelo sapato em si, ou porque já foi desejado numa montra, ou porque tem a cara de quem o calça. mas sempre diferente do que já existe. mais um salto alto preto não conta. tem que ser ou mais alto, ou mais inclinado, ou mais vermelho, ou mais tigresse. mas sempre mais. ah, e nota importante: nunca oferecer o sapato na loja. guardar memória fotográfica do modelo, e voltar umas horas depois sozinho. é a diferença entre oferecer e saber oferecer.

depois o enquadramento da oferta. sim, porque não basta chegar a casa e entregar o saco, tipo, toma lá, gosto tanto de ti, mereces tudo. não!! porque se realmente merece tudo, temos de de criar o ambiente certo: antes daquele jantar a dois, ou a meio do cafe antes de almoço, ou naquele bocado de fim de tarde no sofá. porque a mulher precisa de respirar a oferta. olhá-la primeiro, vê-la, emocionar-se, gostar. uns minutos depois pegar nos sapatos, calçá-los nos pés, desfilar pelo corredor, ver-se no espelho, dançar com os sapatos. e outros longos minutos depois, agradecer da forma mais bonita, ainda com os sapatos nos pés. é preciso tempo para oferecer uns sapatos. e quanto mais especiais, mais tempo é preciso guardar. para que se respire o sapato. e a dona dele.

mas primeiro que tudo, o actor principal: o pé. o sapato é apenas o motivo, mas a estrela é o pé dela. os dedos discretos, mas com personalidade, aquela curva perfeita, esguia, quase seda, ao longo do pé, a terminar no calcanhar suave, cintado no tornozelo, onde se acaricia como a um pulso. tanta beleza precisa de um encaixe perfeito - um sapato que seja luva. por isso importante saber o tamanho exacto, quase conseguir desenhá-lo com a mão. porque não há nada mais bonito que ver o teu pé a encaixar no limite perfeito da curva do sapato. são dois presentes que oferecemos num só: o sapato, e ela saber quão veneramos detalhadamente todo o corpo. três presentes aliás, porque o melhor é o meu: quando fico ali, na delicia de te ver, e ao teu pé, a calçar e descalçar, a brincar, a dançar, a desfilar. quando gritas de surpresa, quando ris de gozo, quando andas pela sala só para te exibires para mim, com o sorriso maroto de quem sabe o que me faz feliz..

:: o meu sorriso

julho 25, 2015



fechamos o jantar ao balcão, enquanto bebemos o último gin. conversamos sobre nada, até que te explico no guardanapo um modelo hipotético dos eixos x e y da nossa relação. mostro-te a fórmula e as variáveis que contam: o que somos, o que vivemos, o que gostamos, o que nos liga. concordas com os índices, atribuís o teu valor ao x e ris-te sobre a hipótese. quando o riso acaba, mordes o lábio instintivamente enquanto me olhas a boca. inclinas um pouco a cabeça, e com o teu lábio a tremer dizes que me amas. pedes a conta e as chaves do carro. queres ir para casa. dizes que é o meu sorriso inteligente, que te desperta o desejo.

pegas-me na mão, abres a porta, ligas a música e o candeeiro do chão. suspiro-te ao ouvido que estás linda nesses saltos, aperto-te a cintura com um braço e com o outro prendo-te o pescoço. o beijo demora mais, a respiração fica mais intensa, o teu corpo cola-se ao meu. a roupa cai e deixa nua a tua pele. deito-te na cama e percorro cada bocado de ti com a minha mão. lentamente. o teu peito, os teus braços esguios, o teu pulso do tamanho da minha mão, a palma da tua mão na minha. lentamente. o teu pé, de curva inclinada perfeita, as tuas pernas longas, a tua coxa próxima, quente. quase louco o magnetismo que o teu corpo solta quando lhe toco. depois beijo-te, aperto-te, rodo-te, puxo-te. toco-te. amo-te. em vagas de ritmo. às vezes mais lento, outras vezes mais demorado. paro no teu olhar sempre que tenho a ideia mais louca. solto um riso, gozo com a tua cara de espanto maroto, e fico-me ali, a ver-te no prazer do que te faço. dizes que é o meu sorriso safado, de boca mordida no gemido baixo, que te excita o desejo.

entre cada vaga de ritmo louco, de safadisse doce, o teu olhar cruza o meu. e não vejo só prazer. e não vejo só amor. vejo mais, vejo aquilo que não se explica, a intensidade do que não se sabe onde nasce, apenas sabe que se vive ali. naquela fusão de dois corpos que se entregam, que se deleitam no prazer, que se amam, não pela carne, não pelo desejo, mas pela alma. como quando no meio do ritmo mais louco, paramos. quietos. imóveis. o silêncio da música, apenas o meu respirar ainda ofegante na tua cara. e as palavras que saem lá do fundo, sem filtros, nuas, como nós. e a lágrima de emoção que escorre, que cai lentamente enquanto te abraço, enquanto te aperto, enquanto te amo mais uma vez. e ficamos ali, horas, entre risos safados, prazer sôfrego, e paixão lânguida. dizes que é o meu sorriso doce, de brilho nos olhos, que te emociona o desejo.

:: escolher amar

junho 22, 2015



'és viciante' é um elogio perfeito. mas que tem tanto de bom, como de mau. é como amar: é a coisa mais simples da vida, mas também a mais difícil. porque, tal como no vício, quando se gosta é fácil deixar-nos levar no prazer do imediato - o riso é sempre fácil, a alegria anda sempre por ali, aquele olhar que é sempre o mais doce, aquele corpo que é sempre o mais quente. é fácil apenas amar. o difícil é continuar a amar. porque, tal como no vício, rapidamente podemos ficar dependentes, esfomeados a cada segundo, carentes a cada minuto, a precisar das palavras, dos beijos, das músicas, do sexo feito carinho. puro vício que se instala, e que chega a ser irritante na falta do outro - aqueles momentos estúpidos em que inventamos desculpas só para poder ouvir, olhar, abraçar a outra metade de nós.

mas mais que amar, é preciso escolher amar. que são coisas diferentes. porque amar é apenas esse vício espontâneo, entre risos e vontades do dia. já escolher amar é uma decisão permanente: é assumir um compromisso que tem de aguentar os momentos bons e os maus. os favores do destino - quando nos juntam, e os contratempos da vida - quando nos separam. é a diferença entre a vontade que se sente num momento - que dispara em gestos fáceis: "beija-me, ama-me e abraça-me depois"; por oposto a uma intenção que se pensa para a vida - que se faz de gestos eternos: "beija-me, ama-me e dá-me um filho"..

é por isso que tenho tanto orgulho nas pessoas que têm coragem de escolher amar. como tu, como eu. vai ser fácil? não. podemos dar grandes quedas? de certeza. aliás, já demos tantas, até cicatrizes já temos. daquelas que doem sempre que se tocam, mas que se sabem apenas parte da escolha. e vive-se sossegado mesmo nos dias maus, porque se tem a certeza de um caminho: cheio de curvas, de cruzamentos traiçoeiros, até de estradas por fazer. que dá trabalho, que cansa, que nos deixa frustrados quando não conseguimos avançar. mas que é o nosso, pensado para a vida - feito de gestos que serão eternos: por isso, vem, beija-me, ama-me e dá-me um filho..

:: apanha-me, se conseguires.. que eu gosto

maio 29, 2015



às vezes temos de saber não nos levar a sério. especialmente nas coisas sérias. o saber brincar, o saber falar com ironia, desdramatiza, mas acima de tudo, desarma. e esse deve ser o clic mais fácil para arrancar um riso: desarmar alguém. no meio das declarações mais profundas, se soubermos ser irónicos, tornamo-las inesquecíveis. dizer a frase mais séria e apaixonada, mas conseguir soltar uma gargalhada no fim, é a declaração perfeita. mistura inteligência, paixão e bom humor - touché. o mesmo quando se faz amor. misturar a luxúria e o desejo, com carinho e ternura, é perfeito. mas se ainda por cima conseguirmos rir durante aquilo tudo.. - touché touché.

nas conversas, além da ironia, gosto também de chamar nomes. porque é uma forma honesta, mas leve, de dizer - porra, gosto de ti pá, mas está a irritar-me! há uma lista grande de palavras (idiota, parva, xoné, estúpida..), que ditas com o sorriso certo, tem uma forma carinhosa, quase doce, de insultarmos alguém. não é uma queixa, é uma constatação. como na primeira vez em que te disse "amo-te". lembro que estava difícil, porque nenhum de nós queria ir por ali. armados em independentes, muito seguros que o nosso coração não se deixava ir assim em poucos dias. raios partam, afinal quem eras tu para me deixares assim de quatro? mas deixaste. e lá me fugiu a palavra da boca, mas sempre nesse misto quero-te/irritas-me. ias a sair do carro, segurei-te a mão, e disse-te nos olhos: "amo-t, idiota" - e tu ficaste com um sorriso lindo. desarmado..

por isso me diz tanto esta música: este permanente - "sou bom/boa demais para ti, mas quero-te comigo, porque és tu que sabes mexer-me nos botões certos" - quase uma provocação, desprezo de brincadeira, vontade contida, mas sintonia tonta. sempre que a ouço, apetece-me pegar em ti, apanhar-te pela cinta e morder-te o pescoço. sei que vais dizer "larga-me", desatas a rir, e pulas pela casa a fugir de mim. e lá vamos nós, jogamos à apanhada, entre provocações, picanço genuinamente bom, gargalhadas parvas e sempre aquele olhar de crianças traquinas, a dizer: "apanha-me, se conseguires.. que eu gosto" 

:: o instinto

maio 15, 2015



as coisas maiores da vida não são construídas por nós - nascem em nós, que é bem diferente. porque não temos qualquer tipo de controle sobre elas. é assim na família, nos amores, ou até nas coisas mais banais, como os sabores que nos prendem. em todas estas coisas que sentimos, que temos prazer, carinho ou vontade, nunca há uma acção nossa para que começassem a ser sentidas. pelo contrário, é algo que vem de dentro, algures por ali, entre a alma, o coração e a capacidade de absorver a vida.

é assim no amor. começa num olhar, num desejo, num riso, e apenas sentimos que algo está ali a começar. depois vem o encaixe, os dias grandes em que tudo foi bom, os dias pequenos em que tudo foi difícil, mas em que chegamos ao fim, juntos. sabemos que estamos perdidamente entregues quando não conseguimos explicar o porquê - pergunta-se "o que amas em mim?", e a resposta é "não sei.. sei o que gosto em ti, o que me cativa, o que me prende. mas porque te amo? não sei explicar". porque é esta não racionalidade que torna as coisas grandes. mais que um sentimento que se percebe, é antes um instinto que vem de dentro, sem controle, sem botões on/off. com muita dedicação, cuidado e vontade, claro. mas a essência, aquele rasgo na pele, aquele nó na garganta? esse, raios o partam, tem vida própria..

mas mais intenso é o instinto paternal. e aqui não falo de gostar muito ou pouco de crianças - aqui falo de querer ter a minha criança, o meu piolho.. loucura, sentir esta coisa a crescer cá dentro, esta vontade de ter um ser que seja meu, que eu mime, que abrace, que eduque. quase transe, no meu caso, começou num filho que não sendo meu, já o é. já o cuido assim. preocupado com tudo nele, a toda a hora, na ânsia de um riso, de um olhar para mim, de um abraço.. ou como no primeiro dia em que me chamou pai. e todos dias, cada dia mais forte, sinto cá dentro, bem lá das entranhas, esta vontade de criar. verbo perfeito - criar. realização perfeita - poder criar a nossa filha, juntos. vê-la crescer, fazê-la uma pessoa linda, inteira, rabugenta, mimada, coração enorme, e este nosso olhar, que vai receber. e que um dia se orgulhe do pai, e da mãe, como nos orgulhamos dos nossos - é este instinto de passagem que não conhecia. e que me faz mais homem hoje. e melhor pai, amanhã..

:: os sentidos. todos.

abril 30, 2015



sou intenso. vivo de forma intensa.
o que é isso? simples: a intensidade com que se vive vem da forma como nos entregamos - aos dias, ao trabalho, a um amor. mas aqui, a entrega, mais que vontade ou dedicação, tem a ver com a forma como absorvemos o que vivemos. assim, a intensidade tem apenas a ver com o número de sentidos que pomos ao nosso serviço. temos cinco, mas nunca fomos treinados para os usar em simultâneo. um pôr-do-sol vê-se. ou será que se ouve também? ou tem cheiro a mar também? e uma música, ouve-se apenas? ou fica diferente conforme o toque da cadeira, conforme o sabor da bebida, conforme a luz da sala.. conforme com quem se partilha a música.

porque intenso mesmo, é quando se encontra alguém que nos dá ainda mais sentidos. aquelas pessoas que entram na nossa vida e mostram outro olhar, outro ângulo, não diferente - porque esses chateiam, criam ruído -, mas uma ligeira variação do nosso - esses completam. alguém que nos mostra mais um pequeno detalhe do que já gostávamos antes. misto de surpresa e riso tonto, quando alguém diz 'oh, eu também reparo nessas coisas!!'. e aí, ficamos ainda mais ansiosos, numa necessidade permanente de partilha, por mostrar uma música nova, por descobrir um canto novo na cidade, por provocar uma reacção nova, mesmo ao que já se viveu antes. deve ser a forma mais bonita de gostar - ser puramente feliz por provocar os sentidos dos outros..

e ainda há um sentido escondido: a memória.
é a intensidade na forma mais poderosa, quando a um sitio, a uma música, a um momento, juntamos a memória do que já se viveu ali. ás vezes choramos de saudade, ou de dor. outras vezes rimos sozinhos, apenas por nos lembramos do que já vivemos naquela música, naquela varanda, naquela rua. como agora, por mais longe que estejas, é a memória de te ter aqui, que me acrescenta força aos sentidos. é sentir o teu cheiro ainda na minha roupa, é ouvir uma música e ver-te a dançar pelo corredor, é ficar em silêncio no teu lugar da cama e ainda ouvir o teu respirar de sono sossegado. é ver o nascer do sol no quarto e tocar a memória da tua pele nua ao meu lado. é fechar os olhos, e ter-te em todos os meus sentidos. isso sim, é viver de forma intensa..

:: acordar

abril 08, 2015



gosto de acordar. mas gosto mais de acordar ao teu lado.
engraçado, como se desvaloriza o acordar, sendo no entanto um dos momentos mais sinceros entre duas pessoas. mesmo as que acordam mal. porque é quando se acorda que se é mais puro, mais transparente. entre cabelos despenteados, preguiça no corpo e pele amassada, é nesse momento que se é verdadeiramente bonito para quem se gosta. porque é quando se acorda que se dizem as maiores verdades, às vezes mesmo sem falar. especialmente quando não se fala. por exemplo, quando se foge da cama, entre pressas, desculpas e fugas repentinas. ou, pelo contrário, quando apenas se fica lentamente a sentir o outro, ali ao lado, próximo. porque o primeiro abraço, o primeiro olhar, o primeiro beijo, nunca enganam. dizem tudo da união que ali se vive. tão simples.

gosto de acordar. mas gosto mais de saber acordar-te.
porque o saber acordar quem gostamos implica uma intimidade grande. um respeito mútuo no momento mais cru da nossa personalidade. ali, os botões ainda estão meio desligados: o botão da simpatia, o botão da boa disposição, o da vontade, ou de coisas simples, como o botão da capacidade de se deixar tocar. acho mesmo, que a evolução de como se acorda é o verdadeiro avaliador de uma relação. a forma como se encaixa, se molda, se aprende a gerir. uns dias mais carinhosos, outros dias mais práticos. umas manhãs em que se ama, ou outras em que o melhor é mesmo nem falar, apenas dar espaço. mas é esse equilíbrio, essa capacidade de fazer da manhã sempre um momento bom, ou, pelos menos, um momento nosso, que prova muito do quanto se quer. 

gosto de acordar. mas gosto mais de acordar na tua pele.
perfeito, o primeiro toque do dia ser o calor da tua nudez na minha. quase ritual, encosto-me mais perto nas tuas costas, aperto um pouco o abraço, e respiro no teu pescoço. o teu corpo mexe aos poucos, junto ao meu. abres um olho devagar, suspiras, olhas-me por cima do ombro. e sorris, ainda em silêncio. digo-te bom dia de voz baixa, dou um beijo demorado, entre carinho e protecção. e quando estás bem, rodas o corpo em modo câmara lenta, enquanto me empurras para o meu lado da cama. pedes-me o peito e pousas a cabeça - entregue. e ali ficas os poucos minutos até acordarmos de novo. são os nossos minutos mais sinceros. em que se diz tudo, em silêncio. entre cabelos despenteados, preguiça no corpo e pele amassada, é nesse momento que és a mulher mais bonita para mim. tão simples..

::: but first, coffee

março 21, 2015



gosto de pessoas 'but first, coffee'. e nem tem tanto a ver com a bebida, mas com o acto em si. o acto de preparar. porque o café (quando é bem bebido) mais do que um vício é isso: uma ante-câmara de qualquer coisa. é o antes do dia começar, é o antes do almoço, é o antes da reunião, é o antes daquela conversa longa. por isso, não gosto de quem vai beber café e se vai embora logo no fim. é como ver um concerto e a seguir ir domir - tédio! um café, como uma música, não é um fim, mas o arranque de qualquer coisa. ou melhor, o motivo para qualquer coisa começar. como naquele primeiro convite que te fiz: 'vai mais cedo ao jantar de logo, e bebemos um café só nós dois, antes dos outros chegarem'.. que bom princípio.

nos dias, é sempre pelo café que começo. de preferência, ainda em casa, chávena grande, feito na máquina de filtro. além do cheiro que fica no ar, é a pausa antes da corrida que ajuda a centrar. planeia-se o trajecto, põe-se em perspectiva. ou apenas acorda-se. no trabalho, é essencial antes de cada reunião: um café, versão italiana, shot de cafeína para acelerar. aqueles dois minutos, em que se prepara a cabeça para o trabalho da próxima meia-hora. rápido e produtivo. ao fim do dia, o café com os amigos. não dos com pressa, tipo 'diz-me aí rápido como foi o dia', mas daqueles tradição antiga, do café central, em que nos sentamos, lemos o jornal, falamos do vizinho e das histórias eternas. daqueles cafés de mesas que se vão enchendo sem ninguém combinar. não é preciso. já sabemos que alguém lá vai estar naquela hora.

e os nossos cafés? são os mais memoráveis. ritual de iniciação, é sempre a primeira tarefa quando se chega a casa. ligar a máquina, pôr a música acertada com o espírito do dia, e apenas ficar. primeiro à espera do café se fazer, depois a bebê-lo demoradamente, sem horário, sentados no balcão da cozinha, roupa de casa, pés descalços que se vão tocando. gosto de te servir o café, enquanto falas rabugenta do dia. depois falo eu, enquanto mexes o açúcar. medida certa: 1 colher para mim, 2 e meia para ti. o sabor quente na chávena preta, e o teu olhar, ali em frente, a ficar mais sossegado. digo umas parvoíces e já sorris. levanto-me, e abraço-te de leve num beijo lento, com a minha mão na tua cintura, a dizer que te quer. volto ao lugar e ali ficamos a passar mais um bocado de dia. ritual do café. nosso, simples. perfeito.


:: as fotos. nossas.

março 08, 2015



sou viciado em imagens. em memórias fotográficas. por isso dou tanta importância ao cenário, aos pequenos detalhes de cada momento: a intensidade da luz, a música que se ouve, a vista que se vê, as cores de fundo de um canto da casa. ou, por oposto, deslumbram-me sempre as imagens de imensidão: emociono-me com cada pôr-do-sol, com cada lua cheia, com cada praia vazia. mistura dos dois, o vício bom de dormir de janela aberta, apenas para poder acordar com o sol torrado, a nascer lá ao longe, no limite do horizonte. a luz entra lentamente pelo quarto, primeiro as paredes amarelas, depois bate na cara, ainda na cama, quase cega, mas sente-se aquele calor bom. e fica perfeita, a fotografia do brilho do sol, a nascer na pele do lado..

mas o melhor de saber ver assim o mundo, é partilhá-lo com quem me entende, com quem me sente em cada foto. partilhá-lo com quem me vive, onde quer que esteja, quando vê as mesmas imagens. é essa a perfeição da coisa: a partilha da emoção. ou, mais bonito, quando se vê esta beleza no outro, na imagem do outro. por isso sou viciado em olhar. aquele vestido curto, aquelas calças que moldam o corpo, aquele pedaço de ombro sempre à mostra, aquele salto que faz a curva perfeita do pé. ou, menos carnal, quando se tira a fotografia mental de uns olhos fixos em nós, de brilho fundo e pestanas fortes - parecem que sorriem. ou, único, aqueles momentos de paragem de pensamento, em que ficamos a ver, quase filme mudo, os lábios de quem gostamos a mexerem-se, enquanto falam para nós - parece que amam.

por isso gosto tanto das nossas fotos. em especial das que guardo na memória. porque fizemos muito, dissemos mais, sorrimos tanto, mas há imagens, há momentos, há fracções de segundo, que já valeram por uma vida. e para a vida guardei-as em mim. porque é aí, nesse milésimo de minuto, que se distingue quem se ama - sintonia difícil, mas que diz tudo: quando, apesar de verem a partir de dois olhares diferentes, duas pessoas vivem na mesma fotografia. e, ironia, só se tem a certeza de tudo, quando a imagem que mais procuramos é a mais simples, a menos elaborada, mas, por isso, também a mais verdadeira. por exemplo, apenas o teu corpo, nu, descansado, a espreguiçar-se pela manhã. aquele momento em que te viras para mim, de olho ainda meio aberto, me dizes bom dia, e voltas a adormecer mais uns segundos, no meu peito.. a vida podia parar ali. 

FOLLOWERS