:: não mudes

novembro 22, 2015


é quando amamos que revelamos o nosso maior egoísmo: querer que o mundo seja à nossa imagem. erro tão puro, de quase inocência, mas tão grande, de quase cegueira. é que a forma como gostamos, ou entregamos, é apenas isso - a nossa forma, que não é repetível por mais ninguém. por isso não o podemos esperar que aconteça, e muito menos exigi-lo. arrepia-me a alma sempre que alguém diz que quer mudar o companheiro. tanto egoísmo, mas mais que isso, tanta burrice. porque somos o que somos, e só por nós podemos mudar. assim, olhem para quem vos quer como a pessoa que é, com os defeitos e virtudes que tem, com a forma de entregar, de mostrar, de dizer que tem. é essa que podem contar para sempre. o resto é apenas a vossa ilusão do que outro é.

por isso, o elogio mais bonito que alguém pode dar ao companheiro é pedir para que não mude. nada. que fique exactamente como está, porque é assim que se descobriu a atracção, a ligação, a intimidade. foi assim que se descobriu o amor. claro, que com a vida, todos mudamos um pouco cada dia. mas aí, é algo que vem de dentro e não que é feito por pedido de alguém. quando duas pessoas estão juntas e mudam porque o outro pede, estragam-se. anulam-se. matam-se um pouco em cada mudança. quando duas pessoas estão juntas e naturalmente, cada uma, muda sem quase ter consciência que está a mudar, aí sim, crescem, amadurecem, ficam melhores pessoas. juntas.

foi assim que fiquei mais homem, mais amante, melhor companheiro, e até, admito-o, mais confiante. não porque mo pediste, mas porque mo despertaste. não porque algum dia disseste: muda isto ou aquilo, mas pelo contrário, por saber que era tanto para ti, que passei a confiar mais no meu instinto. foi assim que ficaste mais mulher, menos fechada no teu mundo, menos gajão, e até, tens de admiti-lo, mais feliz com o amor. não porque te pedi alguma vez que o fizesses, mas porque descobriste, por ti, que havia outra forma de entregar o olhar, o beijo, e até o corpo.
é bonito vermos no espelho a imagem a mudar e gostarmos do que vemos. mas mais, sabermos que é por ter alguém especial ao nosso lado, que nos potencia o que éramos no ponto de partida. podem haver mil problemas, indecisões, mágoas, dificuldades, mas quando sabemos que crescemos juntos, que somos melhores pessoas juntos, a viagem é sempre única. e esta mudança sim, mais que as palavras, ou o amor, fica para sempre.


:: parte de mim

setembro 17, 2015


há coisas na vida que se gostam.
que nos sabem bem ao sabor, aos sentidos. coisas que nos fazem felizes por momentos, ou por dias. uma música, um jantar realmente bem feito, uma paisagem ao por do sol, umas férias - curtas ou longas, aquele casaco no primeiro frio do outono, ou aquela camisa de linho nas primeiras noites quentes de maio. ou o toque dos pés na calçada quente nessa mesma noite. momentos que se vivem por minutos ou horas, mas que nos dão sensações de prazer, que ficam na memória curta e que nos fazem dar sentido aos dias: adormecemos com aquela imagem de um dia bem passado, bem vivido. e um sorriso feliz.

depois há coisas na vida nos preenchem.
o abraço da família, o riso dos amigos, um olhar de ternura quando se tem um gesto bom, uma mão que toca, quando se diz adeus. mais que momentos que se vivem, são sensações que despertamos nos que rodeiam. interacção bonita esta de dar e receber, de soltar risos em alguém, de emocionar alguém. uma brincadeira no trabalho, um telefonema na parvoíce, o permanente divertir, provocar, sentir quem nos rodeia. quase defeito, esta procura permanente de perceber o outro em frente, de o animar, de o confortar. ou simplesmente de cuidar. são especialmente bonitas as pessoas que se perdem a cuidar dos outros, dos que nos pertencem, sejam família, amigos, sobrinhos, ou apenas próximos. porque são esses momentos que nos dão sentido à vida: adormecemos com a sensação terna que fizemos o nosso melhor por alguém, que fomos o melhor de alguém.

mas único, são as pessoas que nos fazem completos.
sim, porque podemos ser felizes, ter o coração cheio, podemos ser independentes de todos, mas no fim do dia, há uma coisa que nunca seremos sozinhos: completos. podem vir mil filósofos das teorias modernas da independência, mas quem já amou de verdade, entende bem o que digo. porque quando se conhece a outra metade de nós, percebemos que fomos feitos assim: apenas metade. na espera do outro encaixe, da peça do puzzle que fica ali, exactamente no abraço perfeito, no corpo que se sente colado, no beijo que é energia, na pele que se toca e dá choque.

não é alguém igual a nós, isso é a nossa cópia. não, mais que isso, é alguém que sendo diferente, tem os pontos de encaixe perfeitos em nós. que tanta vez dão faísca, que arranham com as dificuldades da vida, que magoam com as merdas que fazemos torto, que quase partem com os timings errados. mas é a única peça em que sentimos o alívio estranho de que não há mais nada para ver, para procurar. aquela em que para estar em sossego, apenas precisamos do nosso canto, os dois, sozinhos. em que a conversa nunca acaba, o riso é sempre parvo e bonito, o amor é sempre lamechas e exagerado, em que o desejo é sempre louco e permanente, só superado pelo sossego do sono junto. são esses momentos, tão simples - basta eu e tu - que me dão sentido ao corpo: em que adormeço com a certeza rara que é ali, parte de ti, que sou maior. 



:: desejar

agosto 13, 2015


preciso de te desejar, de te querer, de ter vontade de te amar o corpo, todos os dias, todas as horas. faz-me sentir vivo. faz-te sentir bonita. basta um bocado da tua pele a tocar na minha, uma mão que pouso mais forte na tua perna, um abraço que prende mais na tua cintura, um dedo que te toca naquele ponto preciso do pescoço.. ou apenas um olhar que se cruza entre um lábio mordido. e depois ficas com aquele teu sorriso, em jeito de aviso: pára se ser assim, tarado! e lá continuamos o dia, com aquele sabor a metal a ficar na boca, a dizer que logo mais, quando tivermos tempo, e cabeça, nos vamos amar. mas o desejo, esse, está lá. fica lá. vive lá. a toda a hora. porque é também uma forma muito bonita, e muito necessária, de se amar.

irritam-me as teorias que dizem que há horas, rituais, modelos, regras para se amar. que tem de haver um mínimo e um máximo por semana, uma hora ideal, uma posição, aqueles preliminares, ou aquelas técnicas. foda-se, o desejo, quando existe, não precisa de tanto disfarce, nem de tanto impulso: solta-se logo que pode, como um leão fechado numa jaula, sempre a rugir, sempre a querer, sempre faminto. não só do corpo, mas acima de tudo da alma. porque o desejo que estou a falar não é apenas o físico. não, é o outro. que mais do que carne, quer emoção. mais do que prazer, quer entrega. mais do que gritos mudos, quer olhares perdidos no outro.

entendes por isso, porque te desejo sempre? quando sobes as escadas à minha frente e me deixo ficar um passo atrás, apenas para te ver subir degrau a degrau. quando te vestes pelo corredor da casa e fico a ver a roupa a vestir e despir o teu corpo. quando tomas o café na cozinha e os teus pés deslizam pelas minhas mãos, por baixo do balcão. quando te incendeio, apenas a descrever a minha vontade de ti, no meio do jantar, naquela esplanada sobre o rio. ou quando te agarro o pescoço, em qualquer elevador, apenas para te parar o olhar no meu. ou mais sincero ainda, quando acordas nua, ao meu lado na cama. o sol na tua pele, aquece a minha. o teu jeito vagaroso de te espreguiçares, as tuas pernas esticadas pela cama, o teu pescoço a rodar lentamente, até me veres o sorriso. até me sentires o sabor da manhã nos teus lábios. até te dizer bom dia, com o meu desejo..


:: a arte de oferecer

agosto 05, 2015


a arte de oferecer um sapato é mais elaborada do que se pode pensar. ou pelo menos, a arte de deliciar-se a oferecer uns sapatos a uma mulher. primeiro as coisas básicas: tem de ser uma surpresa, inesperada. impagável os gritos de susto bom quando ela abre o saco, ou quando vê uma caixa vermelha de laço discreto em cima da mesa. aquele grito meio surpresa, meio alegria, meio criança babada, meio mulher excitada. depois tem de ser diferente: não pode ser mais um sapato, nem um sapato qualquer. tem que ser aquele sapato que marca a diferença. ou pelo sapato em si, ou porque já foi desejado numa montra, ou porque tem a cara de quem o calça. mas sempre diferente do que já existe. mais um salto alto preto não conta. tem que ser ou mais alto, ou mais inclinado, ou mais vermelho, ou mais tigresse. mas sempre mais. ah, e nota importante: nunca oferecer o sapato na loja. guardar memória fotográfica do modelo, e voltar umas horas depois sozinho. é a diferença entre oferecer e saber oferecer.

depois o enquadramento da oferta. sim, porque não basta chegar a casa e entregar o saco, tipo, toma lá, gosto tanto de ti, mereces tudo. não!! porque se realmente merece tudo, temos de de criar o ambiente certo: antes daquele jantar a dois, ou a meio do cafe antes de almoço, ou naquele bocado de fim de tarde no sofá. porque a mulher precisa de respirar a oferta. olhá-la primeiro, vê-la, emocionar-se, gostar. uns minutos depois pegar nos sapatos, calçá-los nos pés, desfilar pelo corredor, ver-se no espelho, dançar com os sapatos. e outros longos minutos depois, agradecer da forma mais bonita, ainda com os sapatos nos pés. é preciso tempo para oferecer uns sapatos. e quanto mais especiais, mais tempo é preciso guardar. para que se respire o sapato. e a dona dele.

mas primeiro que tudo, o actor principal: o pé. o sapato é apenas o motivo, mas a estrela é o pé dela. os dedos discretos, mas com personalidade, aquela curva perfeita, esguia, quase seda, ao longo do pé, a terminar no calcanhar suave, cintado no tornozelo, onde se acaricia como a um pulso. tanta beleza precisa de um encaixe perfeito - um sapato que seja luva. por isso importante saber o tamanho exacto, quase conseguir desenhá-lo com a mão. porque não há nada mais bonito que ver o teu pé a encaixar no limite perfeito da curva do sapato. são dois presentes que oferecemos num só: o sapato, e ela saber quão veneramos detalhadamente todo o corpo. três presentes aliás, porque o melhor é o meu: quando fico ali, na delicia de te ver, e ao teu pé, a calçar e descalçar, a brincar, a dançar, a desfilar. quando gritas de surpresa, quando ris de gozo, quando andas pela sala só para te exibires para mim, com o sorriso maroto de quem sabe o que me faz feliz..

:: o meu sorriso

julho 25, 2015



fechamos o jantar ao balcão, enquanto bebemos o último gin. conversamos sobre nada, até que te explico no guardanapo um modelo hipotético dos eixos x e y da nossa relação. mostro-te a fórmula e as variáveis que contam: o que somos, o que vivemos, o que gostamos, o que nos liga. concordas com os índices, atribuís o teu valor ao x e ris-te sobre a hipótese. quando o riso acaba, mordes o lábio instintivamente enquanto me olhas a boca. inclinas um pouco a cabeça, e com o teu lábio a tremer dizes que me amas. pedes a conta e as chaves do carro. queres ir para casa. dizes que é o meu sorriso inteligente, que te desperta o desejo.

pegas-me na mão, abres a porta, ligas a música e o candeeiro do chão. suspiro-te ao ouvido que estás linda nesses saltos, aperto-te a cintura com um braço e com o outro prendo-te o pescoço. o beijo demora mais, a respiração fica mais intensa, o teu corpo cola-se ao meu. a roupa cai e deixa nua a tua pele. deito-te na cama e percorro cada bocado de ti com a minha mão. lentamente. o teu peito, os teus braços esguios, o teu pulso do tamanho da minha mão, a palma da tua mão na minha. lentamente. o teu pé, de curva inclinada perfeita, as tuas pernas longas, a tua coxa próxima, quente. quase louco o magnetismo que o teu corpo solta quando lhe toco. depois beijo-te, aperto-te, rodo-te, puxo-te. toco-te. amo-te. em vagas de ritmo. às vezes mais lento, outras vezes mais demorado. paro no teu olhar sempre que tenho a ideia mais louca. solto um riso, gozo com a tua cara de espanto maroto, e fico-me ali, a ver-te no prazer do que te faço. dizes que é o meu sorriso safado, de boca mordida no gemido baixo, que te excita o desejo.

entre cada vaga de ritmo louco, de safadisse doce, o teu olhar cruza o meu. e não vejo só prazer. e não vejo só amor. vejo mais, vejo aquilo que não se explica, a intensidade do que não se sabe onde nasce, apenas sabe que se vive ali. naquela fusão de dois corpos que se entregam, que se deleitam no prazer, que se amam, não pela carne, não pelo desejo, mas pela alma. como quando no meio do ritmo mais louco, paramos. quietos. imóveis. o silêncio da música, apenas o meu respirar ainda ofegante na tua cara. e as palavras que saem lá do fundo, sem filtros, nuas, como nós. e a lágrima de emoção que escorre, que cai lentamente enquanto te abraço, enquanto te aperto, enquanto te amo mais uma vez. e ficamos ali, horas, entre risos safados, prazer sôfrego, e paixão lânguida. dizes que é o meu sorriso doce, de brilho nos olhos, que te emociona o desejo.

:: escolher amar

junho 22, 2015



'és viciante' é um elogio perfeito. mas que tem tanto de bom, como de mau. é como amar: é a coisa mais simples da vida, mas também a mais difícil. porque, tal como no vício, quando se gosta é fácil deixar-nos levar no prazer do imediato - o riso é sempre fácil, a alegria anda sempre por ali, aquele olhar que é sempre o mais doce, aquele corpo que é sempre o mais quente. é fácil apenas amar. o difícil é continuar a amar. porque, tal como no vício, rapidamente podemos ficar dependentes, esfomeados a cada segundo, carentes a cada minuto, a precisar das palavras, dos beijos, das músicas, do sexo feito carinho. puro vício que se instala, e que chega a ser irritante na falta do outro - aqueles momentos estúpidos em que inventamos desculpas só para poder ouvir, olhar, abraçar a outra metade de nós.

mas mais que amar, é preciso escolher amar. que são coisas diferentes. porque amar é apenas esse vício espontâneo, entre risos e vontades do dia. já escolher amar é uma decisão permanente: é assumir um compromisso que tem de aguentar os momentos bons e os maus. os favores do destino - quando nos juntam, e os contratempos da vida - quando nos separam. é a diferença entre a vontade que se sente num momento - que dispara em gestos fáceis: "beija-me, ama-me e abraça-me depois"; por oposto a uma intenção que se pensa para a vida - que se faz de gestos eternos: "beija-me, ama-me e dá-me um filho"..

é por isso que tenho tanto orgulho nas pessoas que têm coragem de escolher amar. como tu, como eu. vai ser fácil? não. podemos dar grandes quedas? de certeza. aliás, já demos tantas, até cicatrizes já temos. daquelas que doem sempre que se tocam, mas que se sabem apenas parte da escolha. e vive-se sossegado mesmo nos dias maus, porque se tem a certeza de um caminho: cheio de curvas, de cruzamentos traiçoeiros, até de estradas por fazer. que dá trabalho, que cansa, que nos deixa frustrados quando não conseguimos avançar. mas que é o nosso, pensado para a vida - feito de gestos que serão eternos: por isso, vem, beija-me, ama-me e dá-me um filho..

:: apanha-me, se conseguires.. que eu gosto

maio 29, 2015



às vezes temos de saber não nos levar a sério. especialmente nas coisas sérias. o saber brincar, o saber falar com ironia, desdramatiza, mas acima de tudo, desarma. e esse deve ser o clic mais fácil para arrancar um riso: desarmar alguém. no meio das declarações mais profundas, se soubermos ser irónicos, tornamo-las inesquecíveis. dizer a frase mais séria e apaixonada, mas conseguir soltar uma gargalhada no fim, é a declaração perfeita. mistura inteligência, paixão e bom humor - touché. o mesmo quando se faz amor. misturar a luxúria e o desejo, com carinho e ternura, é perfeito. mas se ainda por cima conseguirmos rir durante aquilo tudo.. - touché touché.

nas conversas, além da ironia, gosto também de chamar nomes. porque é uma forma honesta, mas leve, de dizer - porra, gosto de ti pá, mas está a irritar-me! há uma lista grande de palavras (idiota, parva, xoné, estúpida..), que ditas com o sorriso certo, tem uma forma carinhosa, quase doce, de insultarmos alguém. não é uma queixa, é uma constatação. como na primeira vez em que te disse "amo-te". lembro que estava difícil, porque nenhum de nós queria ir por ali. armados em independentes, muito seguros que o nosso coração não se deixava ir assim em poucos dias. raios partam, afinal quem eras tu para me deixares assim de quatro? mas deixaste. e lá me fugiu a palavra da boca, mas sempre nesse misto quero-te/irritas-me. ias a sair do carro, segurei-te a mão, e disse-te nos olhos: "amo-t, idiota" - e tu ficaste com um sorriso lindo. desarmado..

por isso me diz tanto esta música: este permanente - "sou bom/boa demais para ti, mas quero-te comigo, porque és tu que sabes mexer-me nos botões certos" - quase uma provocação, desprezo de brincadeira, vontade contida, mas sintonia tonta. sempre que a ouço, apetece-me pegar em ti, apanhar-te pela cinta e morder-te o pescoço. sei que vais dizer "larga-me", desatas a rir, e pulas pela casa a fugir de mim. e lá vamos nós, jogamos à apanhada, entre provocações, picanço genuinamente bom, gargalhadas parvas e sempre aquele olhar de crianças traquinas, a dizer: "apanha-me, se conseguires.. que eu gosto" 

:: o instinto

maio 15, 2015



as coisas maiores da vida não são construídas por nós - nascem em nós, que é bem diferente. porque não temos qualquer tipo de controle sobre elas. é assim na família, nos amores, ou até nas coisas mais banais, como os sabores que nos prendem. em todas estas coisas que sentimos, que temos prazer, carinho ou vontade, nunca há uma acção nossa para que começassem a ser sentidas. pelo contrário, é algo que vem de dentro, algures por ali, entre a alma, o coração e a capacidade de absorver a vida.

é assim no amor. começa num olhar, num desejo, num riso, e apenas sentimos que algo está ali a começar. depois vem o encaixe, os dias grandes em que tudo foi bom, os dias pequenos em que tudo foi difícil, mas em que chegamos ao fim, juntos. sabemos que estamos perdidamente entregues quando não conseguimos explicar o porquê - pergunta-se "o que amas em mim?", e a resposta é "não sei.. sei o que gosto em ti, o que me cativa, o que me prende. mas porque te amo? não sei explicar". porque é esta não racionalidade que torna as coisas grandes. mais que um sentimento que se percebe, é antes um instinto que vem de dentro, sem controle, sem botões on/off. com muita dedicação, cuidado e vontade, claro. mas a essência, aquele rasgo na pele, aquele nó na garganta? esse, raios o partam, tem vida própria..

mas mais intenso é o instinto paternal. e aqui não falo de gostar muito ou pouco de crianças - aqui falo de querer ter a minha criança, o meu piolho.. loucura, sentir esta coisa a crescer cá dentro, esta vontade de ter um ser que seja meu, que eu mime, que abrace, que eduque. quase transe, no meu caso, começou num filho que não sendo meu, já o é. já o cuido assim. preocupado com tudo nele, a toda a hora, na ânsia de um riso, de um olhar para mim, de um abraço.. ou como no primeiro dia em que me chamou pai. e todos dias, cada dia mais forte, sinto cá dentro, bem lá das entranhas, esta vontade de criar. verbo perfeito - criar. realização perfeita - poder criar a nossa filha, juntos. vê-la crescer, fazê-la uma pessoa linda, inteira, rabugenta, mimada, coração enorme, e este nosso olhar, que vai receber. e que um dia se orgulhe do pai, e da mãe, como nos orgulhamos dos nossos - é este instinto de passagem que não conhecia. e que me faz mais homem hoje. e melhor pai, amanhã..

:: os sentidos. todos.

abril 30, 2015



sou intenso. vivo de forma intensa.
o que é isso? simples: a intensidade com que se vive vem da forma como nos entregamos - aos dias, ao trabalho, a um amor. mas aqui, a entrega, mais que vontade ou dedicação, tem a ver com a forma como absorvemos o que vivemos. assim, a intensidade tem apenas a ver com o número de sentidos que pomos ao nosso serviço. temos cinco, mas nunca fomos treinados para os usar em simultâneo. um pôr-do-sol vê-se. ou será que se ouve também? ou tem cheiro a mar também? e uma música, ouve-se apenas? ou fica diferente conforme o toque da cadeira, conforme o sabor da bebida, conforme a luz da sala.. conforme com quem se partilha a música.

porque intenso mesmo, é quando se encontra alguém que nos dá ainda mais sentidos. aquelas pessoas que entram na nossa vida e mostram outro olhar, outro ângulo, não diferente - porque esses chateiam, criam ruído -, mas uma ligeira variação do nosso - esses completam. alguém que nos mostra mais um pequeno detalhe do que já gostávamos antes. misto de surpresa e riso tonto, quando alguém diz 'oh, eu também reparo nessas coisas!!'. e aí, ficamos ainda mais ansiosos, numa necessidade permanente de partilha, por mostrar uma música nova, por descobrir um canto novo na cidade, por provocar uma reacção nova, mesmo ao que já se viveu antes. deve ser a forma mais bonita de gostar - ser puramente feliz por provocar os sentidos dos outros..

e ainda há um sentido escondido: a memória.
é a intensidade na forma mais poderosa, quando a um sitio, a uma música, a um momento, juntamos a memória do que já se viveu ali. ás vezes choramos de saudade, ou de dor. outras vezes rimos sozinhos, apenas por nos lembramos do que já vivemos naquela música, naquela varanda, naquela rua. como agora, por mais longe que estejas, é a memória de te ter aqui, que me acrescenta força aos sentidos. é sentir o teu cheiro ainda na minha roupa, é ouvir uma música e ver-te a dançar pelo corredor, é ficar em silêncio no teu lugar da cama e ainda ouvir o teu respirar de sono sossegado. é ver o nascer do sol no quarto e tocar a memória da tua pele nua ao meu lado. é fechar os olhos, e ter-te em todos os meus sentidos. isso sim, é viver de forma intensa..

:: acordar

abril 08, 2015



gosto de acordar. mas gosto mais de acordar ao teu lado.
engraçado, como se desvaloriza o acordar, sendo no entanto um dos momentos mais sinceros entre duas pessoas. mesmo as que acordam mal. porque é quando se acorda que se é mais puro, mais transparente. entre cabelos despenteados, preguiça no corpo e pele amassada, é nesse momento que se é verdadeiramente bonito para quem se gosta. porque é quando se acorda que se dizem as maiores verdades, às vezes mesmo sem falar. especialmente quando não se fala. por exemplo, quando se foge da cama, entre pressas, desculpas e fugas repentinas. ou, pelo contrário, quando apenas se fica lentamente a sentir o outro, ali ao lado, próximo. porque o primeiro abraço, o primeiro olhar, o primeiro beijo, nunca enganam. dizem tudo da união que ali se vive. tão simples.

gosto de acordar. mas gosto mais de saber acordar-te.
porque o saber acordar quem gostamos implica uma intimidade grande. um respeito mútuo no momento mais cru da nossa personalidade. ali, os botões ainda estão meio desligados: o botão da simpatia, o botão da boa disposição, o da vontade, ou de coisas simples, como o botão da capacidade de se deixar tocar. acho mesmo, que a evolução de como se acorda é o verdadeiro avaliador de uma relação. a forma como se encaixa, se molda, se aprende a gerir. uns dias mais carinhosos, outros dias mais práticos. umas manhãs em que se ama, ou outras em que o melhor é mesmo nem falar, apenas dar espaço. mas é esse equilíbrio, essa capacidade de fazer da manhã sempre um momento bom, ou, pelos menos, um momento nosso, que prova muito do quanto se quer. 

gosto de acordar. mas gosto mais de acordar na tua pele.
perfeito, o primeiro toque do dia ser o calor da tua nudez na minha. quase ritual, encosto-me mais perto nas tuas costas, aperto um pouco o abraço, e respiro no teu pescoço. o teu corpo mexe aos poucos, junto ao meu. abres um olho devagar, suspiras, olhas-me por cima do ombro. e sorris, ainda em silêncio. digo-te bom dia de voz baixa, dou um beijo demorado, entre carinho e protecção. e quando estás bem, rodas o corpo em modo câmara lenta, enquanto me empurras para o meu lado da cama. pedes-me o peito e pousas a cabeça - entregue. e ali ficas os poucos minutos até acordarmos de novo. são os nossos minutos mais sinceros. em que se diz tudo, em silêncio. entre cabelos despenteados, preguiça no corpo e pele amassada, é nesse momento que és a mulher mais bonita para mim. tão simples..

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