:: o gerúndio
novembro 11, 2011
paguei o táxi, bati a porta e segui a bater perna em demasia para as horas.
pressa para quê, afinal? um jantar de sábado, combinação portuguesa, nove, nove e meia, disse ela.
ainda um quarto de hora e eu já no quarteirão. pressa para quê?
domestiquei os passos, abrandei o fôlego.
pensei que ser pontual não é chegar antes, é chegar à hora certa. lembrei-me do meu pai a dizer que as estações se fizeram para esperar. ele, que sempre andava à frente quando caminhávamos para algum lugar, ansioso por ir, sempre com a cabeça no lugar seguinte, nunca com os pés no chão do momento, sempre mais preocupado que ocupado, nunca aqui, nunca agora, sempre atrasado para chegar para chegar a algum lado de onde teria pressa de partir mais cedo do que nós gostaríamos.até que um dia partiu, mais cedo que nós gostaríamos, deixando-me de herança esta pressa de sair antes de chegar..
o caminho era curto, acabei por chegar dez minutos antes das nove,
ou quarenta antes das nove e meia.. combinação portuguesa, tudo é relativo.
mas que raio vou eu fazer no restaurante, à espera, sozinho?
as estações fizeram-se para esperar. bem sei, bem sei. mas de que me serve isso se todo o tempo lá gasto é uma falta de ar pelo comboio que não chega?
ficou-me de herança, este não saber estar simplesmente estando. assim, mesmo, no gerúndio. um gesto em andamento, um agora que se estende, um caminho que se vê acontecer por dentro. mas haverá tempo para viver? creio que o meu pai nunca o descobriu, logo ele, alentejano, nativo da República do Gerúndio..
o pretérito foi, ou era, perfeito ou imperfeito, extinguiu-se.
o futuro é uma dependência do condicional, não existe por si.
o presente é minha invenção: no preciso momento em que o nomeio, já lá não está.
sobra o gerúndio, uma espécie de ansiolítico semântico,
uma coisa que se vai dizendo sem pressa, nem prazo de validade..
pedi uma garrafa, fui bebendo, conversando comigo.
e acabei por entreter bem as horas assim,
ocupado nesta coisa de aprender a me desocupar.. escrevendo.
o texto /adaptado de João Pedro Oliveria /revista fora de série /económico
a banda sonora /frivolous /wasting time
1 comments
Gosto. De gerúndios. E da nova imagem.
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