:: não 'obvio

julho 21, 2020


o óbvio chateia-me.
na vida, nos gostos, até nas pessoas, prefiro sempre o inesperado. aquela música nova, aquele canto da cidade desconhecido, um sorriso completamente original. não vejo a beleza como um padrão, mas como algo que se (re)inventa todos os dias. não percebo as pessoas que só gostam de um estilo, que têm um perfil do que "gostam". acho que isso é simplesmente preguiça e comodismo - mental, acima de tudo. eu gosto de não ter um guide book. pelo contrário adoro ver a beleza nas mais inesperadas coisas. do jazz da etiópia, às batidas do Masego. da arquitectura branca de um monte alentejano, às obras primas do niemeyer. da simplicidade de uma sopa de cação, à complexidade da cozinha molecular. de roupa cool-afro, à elegância de uns louboutin.
a beleza é por si, não pelo estilo que representa.

e engraçado, que para partilhar as coisas que me inspiram tenho de me dividir entre amigos "óbvios" - já sei qual é que vai perceber aquela música, aquele texto, ou aquela imagem. são raros - mas por isso perfeitos - as pessoas com quem posso partilhar tudo. e claro, são também elas não óbvias. e por isso, as amo tanto. não há nada que mais me orgulhe do que navegar entre mundos diferentes. ter nascido numa aldeia da bairrada, mas ser um verdadeiro city addict. cantar do fado de Coimbra, ao mais rockabilly, ao grunge, ao R&B, aos afrobeats, ou sentir uma ligação tão forte aos sons da lusofonia africana. adoro saber rir com as avós da minha rua, com o mais tecnólogo geek da faculdade, ou com o CEO mais político. ou, sublime, ser chamado pelos meus sobrinhos adoptivos de "the blackest white".

o melhor do não óbvio é que nos dá a capacidade de viver várias vidas numa só. de apreciar mais e melhor. e acima de tudo de conhecer sempre um pouco mais além - mais uma experiência, mais um sabor, mais um sorriso cativado. temos de ser resilientes, porque é um teste permanente ao comodismo, a uma forma confortável de passar pela vida. porventura também ela agradável. aceito. mas para mim, não há nada mais bonito que ver alguém - tenha 20, 40 , ou 60 anos - a ficar maravilhado por alguma forma nova de beleza. é sentir o cérebro, e a alma, a ser cada dia, um bocadinho maior. e completa. isto se calhar até é óbvio, eu é que não sabia.

ps: a música dos Khruangbin (e a Laura Lee) é tão não-obviamente bonita..


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