:: o meu sorriso

julho 25, 2015



fechamos o jantar ao balcão, enquanto bebemos o último gin. conversamos sobre nada, até que te explico no guardanapo um modelo hipotético dos eixos x e y da nossa relação. mostro-te a fórmula e as variáveis que contam: o que somos, o que vivemos, o que gostamos, o que nos liga. concordas com os índices, atribuís o teu valor ao x e ris-te sobre a hipótese. quando o riso acaba, mordes o lábio instintivamente enquanto me olhas a boca. inclinas um pouco a cabeça, e com o teu lábio a tremer dizes que me amas. pedes a conta e as chaves do carro. queres ir para casa. dizes que é o meu sorriso inteligente, que te desperta o desejo.

pegas-me na mão, abres a porta, ligas a música e o candeeiro do chão. suspiro-te ao ouvido que estás linda nesses saltos, aperto-te a cintura com um braço e com o outro prendo-te o pescoço. o beijo demora mais, a respiração fica mais intensa, o teu corpo cola-se ao meu. a roupa cai e deixa nua a tua pele. deito-te na cama e percorro cada bocado de ti com a minha mão. lentamente. o teu peito, os teus braços esguios, o teu pulso do tamanho da minha mão, a palma da tua mão na minha. lentamente. o teu pé, de curva inclinada perfeita, as tuas pernas longas, a tua coxa próxima, quente. quase louco o magnetismo que o teu corpo solta quando lhe toco. depois beijo-te, aperto-te, rodo-te, puxo-te. toco-te. amo-te. em vagas de ritmo. às vezes mais lento, outras vezes mais demorado. paro no teu olhar sempre que tenho a ideia mais louca. solto um riso, gozo com a tua cara de espanto maroto, e fico-me ali, a ver-te no prazer do que te faço. dizes que é o meu sorriso safado, de boca mordida no gemido baixo, que te excita o desejo.

entre cada vaga de ritmo louco, de safadisse doce, o teu olhar cruza o meu. e não vejo só prazer. e não vejo só amor. vejo mais, vejo aquilo que não se explica, a intensidade do que não se sabe onde nasce, apenas sabe que se vive ali. naquela fusão de dois corpos que se entregam, que se deleitam no prazer, que se amam, não pela carne, não pelo desejo, mas pela alma. como quando no meio do ritmo mais louco, paramos. quietos. imóveis. o silêncio da música, apenas o meu respirar ainda ofegante na tua cara. e as palavras que saem lá do fundo, sem filtros, nuas, como nós. e a lágrima de emoção que escorre, que cai lentamente enquanto te abraço, enquanto te aperto, enquanto te amo mais uma vez. e ficamos ali, horas, entre risos safados, prazer sôfrego, e paixão lânguida. dizes que é o meu sorriso doce, de brilho nos olhos, que te emociona o desejo.

:: escolher amar

junho 22, 2015



'és viciante' é um elogio perfeito. mas que tem tanto de bom, como de mau. é como amar: é a coisa mais simples da vida, mas também a mais difícil. porque, tal como no vício, quando se gosta é fácil deixar-nos levar no prazer do imediato - o riso é sempre fácil, a alegria anda sempre por ali, aquele olhar que é sempre o mais doce, aquele corpo que é sempre o mais quente. é fácil apenas amar. o difícil é continuar a amar. porque, tal como no vício, rapidamente podemos ficar dependentes, esfomeados a cada segundo, carentes a cada minuto, a precisar das palavras, dos beijos, das músicas, do sexo feito carinho. puro vício que se instala, e que chega a ser irritante na falta do outro - aqueles momentos estúpidos em que inventamos desculpas só para poder ouvir, olhar, abraçar a outra metade de nós.

mas mais que amar, é preciso escolher amar. que são coisas diferentes. porque amar é apenas esse vício espontâneo, entre risos e vontades do dia. já escolher amar é uma decisão permanente: é assumir um compromisso que tem de aguentar os momentos bons e os maus. os favores do destino - quando nos juntam, e os contratempos da vida - quando nos separam. é a diferença entre a vontade que se sente num momento - que dispara em gestos fáceis: "beija-me, ama-me e abraça-me depois"; por oposto a uma intenção que se pensa para a vida - que se faz de gestos eternos: "beija-me, ama-me e dá-me um filho"..

é por isso que tenho tanto orgulho nas pessoas que têm coragem de escolher amar. como tu, como eu. vai ser fácil? não. podemos dar grandes quedas? de certeza. aliás, já demos tantas, até cicatrizes já temos. daquelas que doem sempre que se tocam, mas que se sabem apenas parte da escolha. e vive-se sossegado mesmo nos dias maus, porque se tem a certeza de um caminho: cheio de curvas, de cruzamentos traiçoeiros, até de estradas por fazer. que dá trabalho, que cansa, que nos deixa frustrados quando não conseguimos avançar. mas que é o nosso, pensado para a vida - feito de gestos que serão eternos: por isso, vem, beija-me, ama-me e dá-me um filho..

:: apanha-me, se conseguires.. que eu gosto

maio 29, 2015



às vezes temos de saber não nos levar a sério. especialmente nas coisas sérias. o saber brincar, o saber falar com ironia, desdramatiza, mas acima de tudo, desarma. e esse deve ser o clic mais fácil para arrancar um riso: desarmar alguém. no meio das declarações mais profundas, se soubermos ser irónicos, tornamo-las inesquecíveis. dizer a frase mais séria e apaixonada, mas conseguir soltar uma gargalhada no fim, é a declaração perfeita. mistura inteligência, paixão e bom humor - touché. o mesmo quando se faz amor. misturar a luxúria e o desejo, com carinho e ternura, é perfeito. mas se ainda por cima conseguirmos rir durante aquilo tudo.. - touché touché.

nas conversas, além da ironia, gosto também de chamar nomes. porque é uma forma honesta, mas leve, de dizer - porra, gosto de ti pá, mas está a irritar-me! há uma lista grande de palavras (idiota, parva, xoné, estúpida..), que ditas com o sorriso certo, tem uma forma carinhosa, quase doce, de insultarmos alguém. não é uma queixa, é uma constatação. como na primeira vez em que te disse "amo-te". lembro que estava difícil, porque nenhum de nós queria ir por ali. armados em independentes, muito seguros que o nosso coração não se deixava ir assim em poucos dias. raios partam, afinal quem eras tu para me deixares assim de quatro? mas deixaste. e lá me fugiu a palavra da boca, mas sempre nesse misto quero-te/irritas-me. ias a sair do carro, segurei-te a mão, e disse-te nos olhos: "amo-t, idiota" - e tu ficaste com um sorriso lindo. desarmado..

por isso me diz tanto esta música: este permanente - "sou bom/boa demais para ti, mas quero-te comigo, porque és tu que sabes mexer-me nos botões certos" - quase uma provocação, desprezo de brincadeira, vontade contida, mas sintonia tonta. sempre que a ouço, apetece-me pegar em ti, apanhar-te pela cinta e morder-te o pescoço. sei que vais dizer "larga-me", desatas a rir, e pulas pela casa a fugir de mim. e lá vamos nós, jogamos à apanhada, entre provocações, picanço genuinamente bom, gargalhadas parvas e sempre aquele olhar de crianças traquinas, a dizer: "apanha-me, se conseguires.. que eu gosto" 

:: o instinto

maio 15, 2015



as coisas maiores da vida não são construídas por nós - nascem em nós, que é bem diferente. porque não temos qualquer tipo de controle sobre elas. é assim na família, nos amores, ou até nas coisas mais banais, como os sabores que nos prendem. em todas estas coisas que sentimos, que temos prazer, carinho ou vontade, nunca há uma acção nossa para que começassem a ser sentidas. pelo contrário, é algo que vem de dentro, algures por ali, entre a alma, o coração e a capacidade de absorver a vida.

é assim no amor. começa num olhar, num desejo, num riso, e apenas sentimos que algo está ali a começar. depois vem o encaixe, os dias grandes em que tudo foi bom, os dias pequenos em que tudo foi difícil, mas em que chegamos ao fim, juntos. sabemos que estamos perdidamente entregues quando não conseguimos explicar o porquê - pergunta-se "o que amas em mim?", e a resposta é "não sei.. sei o que gosto em ti, o que me cativa, o que me prende. mas porque te amo? não sei explicar". porque é esta não racionalidade que torna as coisas grandes. mais que um sentimento que se percebe, é antes um instinto que vem de dentro, sem controle, sem botões on/off. com muita dedicação, cuidado e vontade, claro. mas a essência, aquele rasgo na pele, aquele nó na garganta? esse, raios o partam, tem vida própria..

mas mais intenso é o instinto paternal. e aqui não falo de gostar muito ou pouco de crianças - aqui falo de querer ter a minha criança, o meu piolho.. loucura, sentir esta coisa a crescer cá dentro, esta vontade de ter um ser que seja meu, que eu mime, que abrace, que eduque. quase transe, no meu caso, começou num filho que não sendo meu, já o é. já o cuido assim. preocupado com tudo nele, a toda a hora, na ânsia de um riso, de um olhar para mim, de um abraço.. ou como no primeiro dia em que me chamou pai. e todos dias, cada dia mais forte, sinto cá dentro, bem lá das entranhas, esta vontade de criar. verbo perfeito - criar. realização perfeita - poder criar a nossa filha, juntos. vê-la crescer, fazê-la uma pessoa linda, inteira, rabugenta, mimada, coração enorme, e este nosso olhar, que vai receber. e que um dia se orgulhe do pai, e da mãe, como nos orgulhamos dos nossos - é este instinto de passagem que não conhecia. e que me faz mais homem hoje. e melhor pai, amanhã..

:: os sentidos. todos.

abril 30, 2015



sou intenso. vivo de forma intensa.
o que é isso? simples: a intensidade com que se vive vem da forma como nos entregamos - aos dias, ao trabalho, a um amor. mas aqui, a entrega, mais que vontade ou dedicação, tem a ver com a forma como absorvemos o que vivemos. assim, a intensidade tem apenas a ver com o número de sentidos que pomos ao nosso serviço. temos cinco, mas nunca fomos treinados para os usar em simultâneo. um pôr-do-sol vê-se. ou será que se ouve também? ou tem cheiro a mar também? e uma música, ouve-se apenas? ou fica diferente conforme o toque da cadeira, conforme o sabor da bebida, conforme a luz da sala.. conforme com quem se partilha a música.

porque intenso mesmo, é quando se encontra alguém que nos dá ainda mais sentidos. aquelas pessoas que entram na nossa vida e mostram outro olhar, outro ângulo, não diferente - porque esses chateiam, criam ruído -, mas uma ligeira variação do nosso - esses completam. alguém que nos mostra mais um pequeno detalhe do que já gostávamos antes. misto de surpresa e riso tonto, quando alguém diz 'oh, eu também reparo nessas coisas!!'. e aí, ficamos ainda mais ansiosos, numa necessidade permanente de partilha, por mostrar uma música nova, por descobrir um canto novo na cidade, por provocar uma reacção nova, mesmo ao que já se viveu antes. deve ser a forma mais bonita de gostar - ser puramente feliz por provocar os sentidos dos outros..

e ainda há um sentido escondido: a memória.
é a intensidade na forma mais poderosa, quando a um sitio, a uma música, a um momento, juntamos a memória do que já se viveu ali. ás vezes choramos de saudade, ou de dor. outras vezes rimos sozinhos, apenas por nos lembramos do que já vivemos naquela música, naquela varanda, naquela rua. como agora, por mais longe que estejas, é a memória de te ter aqui, que me acrescenta força aos sentidos. é sentir o teu cheiro ainda na minha roupa, é ouvir uma música e ver-te a dançar pelo corredor, é ficar em silêncio no teu lugar da cama e ainda ouvir o teu respirar de sono sossegado. é ver o nascer do sol no quarto e tocar a memória da tua pele nua ao meu lado. é fechar os olhos, e ter-te em todos os meus sentidos. isso sim, é viver de forma intensa..

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