:: deslumbra-me

novembro 10, 2004

Deslumbra-me a forma como dez minutos em frente aos nossos pais tem a capacidade de nos transformar, qual abracadabra, em adolescentes rebeldes e irritantes.

Cidadãos pacatos e tolerantes, colegas simpáticos e compreensivos, por outras palavras, adultos maduros e ponderados, regredimos de forma assustadora quando chegamos perto das nossas mãezinhas ou discutimos com o nosso pai qualquer coisa tão banal como o estado da nação ou o preço da gasolina.

De repente, remetemo-nos ao papel de contestatários, contradizemos só pelo prazer de ser do contra. Por muito que tenhamos jurado que desta vez não entramos no jogo, mal pomos o pé em território materno esquecemos todas as boas intenções. Geralmente basta um simples comentário do género "não tens tido tempo de ir ao cabeleireiro pois não?", "andas a trabalhar demais", ou mais estridente " olha que o menino cai", para desencadear as hostilidades. Se fosse outra pessoa qualquer a fazê-los, provavelmente responderíamos objectivamente, e quem sabe até abrindo o coração, mas ditos por um progenitor soam a provocação, directa, mais um lembrete que não somos exactamente aquilo com que sonharam.

E essa mágoa interna, somada ao desespero de verificar que não desistem de nos moldar a seu gosto e contento, para nosso bem evidentemente, lança-nos para dentro da trincheira, para o centro da batalha que há muito julgávamos encerrada. O resultado é desastroso, porque quando nos sentimos atacados, atacamos, damos por nós a dizer exactamente aquilo que sabemos que não gostam de ouvir, a encolher os ombros à semelhança do nosso insuportável teenager de 14 anos, ou a lançar um dah entre dentes, que nos deixa horrivelmente envergonhados de tanta infantilidade.

Tem uma vantagem óbvia, no entanto. É que, quando chegamos a casa e enfrentamos os nossos próprios filhos, percebemos perfeitamente o que lhes vai na cabeça. E não nos sentimos tão desesperados quando contestam tudo o que dizemos. Afinal, sabemos, por experiência própria, que é por os marcarmos tanto e tão fundo que precisam de nos empurrar para um bocadinho mais longe.

é fascinante, a sério que é. As escaramuças entre pais e filhos querem dizer que ainda não trocámos de papel, que resistimos heroicamente a inverter a partida. Se a um velhinho que não nos é nada aceitamos sem nervosismo que troque as histórias, lhe ouvimos os queixumes com empatia, já a conversa é outra quando se trata dos nossos pais. Corrigimo-lo, emendamo-lo, (não foi nada assim, olhe lembre-se lá...) num exercício por vezes cruel que não passa de um pedido desesperado de que não deixe de ser como era.

E os pais que obstinadamente se recusam a reconhecer a nossa idade, ou seja, continuam a ajeitar-nos o cabelo e o casaco, a interrogar-nos sobre os nossos actos e decisões, são pais que não desistiram de nos ter como filhos e de nos educar até ao ultimo minuto.

E o mais divertido é que nem precisamos de falar. sabemos tão bem o que querem de nós, que basta um arregalar de olhos, ou um suspiro mais profundo, para sentirmos a seta chegar direitinha ao alvo. E o seu poder é tão grande que, contra toda a nossa vontade racional, saímos dali directos ao cabeleireiro da esquina, na tentativa vã de sermos o filho ideal, provando-lhes (com raiva) que conseguiram ser os melhores dos pais.

Tudo, para na visita seguinte iniciarmos de novo o jogo...

Isabel Stiwell _ DNmagazine _ 09.11.2mil4

1 comments

  1. Eu tenho eternas discussões sobre questões políticas. Em todas as críticas que faço à nação sou rotulada de fascista pelo meu progenitor. Lembram-se de cada uma:)

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