:: alteridade
maio 17, 2013
" há um exercício que há muito me acompanha na vida. não sei precisar a causa de se ter entranhado em mim. sei que me está tão colado à pele que já nada consigo analisar sem o usar como uma espécie de contraprova. passo a explicar.
por maior que seja a sua acuidade visual, não há ninguém no mundo, mas mesmo rigorosamente ninguém, que seja capaz de ver de uma só vez um objecto inteiro, qualquer que seja o seu tamanho. por outras palavras, somos sempre incapazes de percepcionar um dos lados da tridimensionalidade de qualquer coisa, por mais ínfima que seja. ora, se não conseguimos divisar em toda a sua extensão o fio, a agulha ou o dedal, como poderemos supor entender a mente do alfaiate?
o povo tem uma expressão que retrata o que estou a dizer: "calçar os sapatos dos outros". mas gosto mais de pensar, que é ver e sentir com os olhos e o coração de outrem. chama-se a isto alteridade. e assim, porque compreendemos melhor o outro, respeitamo-lo mais.
vem tudo isto a propósito da inacreditável semana que tragicamente se abateu sobre o benfica. sendo eu portista, seria impossível não me ter alegrado com a vitória dos dragões. mas estar contente com um sucesso nosso não é nada a mesma coisa que ficar feliz com a desventura dos rivais. por isso, se no sábado à noite me perguntava o que sentiria se tivesse sofrido um golo em tempo de descontos, na noite de quarta-feira, quando vibrava quase como um genuíno benfiquista, percebi mais uma vez quão amarga pode ser a crueldade do fado. e lembrei-me de uma lição em desuso: não há mal que que sempre dure, nem bem que não acabe."
* Paulo Teixeira Pinto, n'a Bola.
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