:: o toque

fevereiro 06, 2014



um dos sentidos mais negligenciado é o tacto: o toque. escreve-se sobre o que se vê, o que se ouve, o que se cheira, mas o que se toca parece ser sempre um gesto menor. e no entanto, ele está presente em tudo. por isso gosto de tocar. gosto de sentir na mão, na pele, a sensação do que vejo, do que ouço, do que cheiro. seja quente ou frio, áspero ou suave, leve ou pesado. mas que se sinta! por isso, para mim, livros serão sempre em papel e cartolina grossa na capa. por isso, os vinyl ainda se veneram cá por casa, como as peças de arte que o são. por isso, redescobri o prazer de imprimir fotos. às centenas. em molduras que se oferecem, em cadernos escritos com histórias de vida, ou apenas para ter na mão, não para ver num ecrã, mas para senti-las entre os dedos.

quando passamos dos objectos para as pessoas, as coisas mudam. porque as pessoas reagem. há toque e retoque. mas é aí que vive a magia do que nos liga: na interacção. porque há pessoas com o que toque nunca é agradável: no trabalho, nos conhecidos, há sempre alguém em que o aperto de mão é desconfortável, um beijo que é sempre distante, ou um simples toque no braço que sempre incomoda. com os amigos é ao contrário. é pelo toque, pelo à vontade do toque, que se vê a intimidade. seja um calduço entre gajos, seja uma mão que pousa num braço entre amigas, é no à vontade - e na vontade - do abraço de chegada, ou do beijo demorado de despedida, que se se sente, que se toca, que se vive a amizade. é aquele toque terno, conhecido, familiar, de quem sabe que ali haverá sempre um companheiro para os bons e maus dias.

mas nos que se amam tem de haver vários toques. aliás, quantos mais, melhor. há os toques do dia-a-dia: aquele momento simples no meio da rua, em que apenas seguramos o braço, quando se diz 'eu vou, deixa-te estar'. ou o toque (tão terno) quando se põe o braço à frente do pendura numa travagem brusca. depois há os toques de carinho: que se querem leves, mas de presença forte. como a mão que se passa no ombro, ou que pousa noutra mão. uns dedos que passam pelo rosto, lentamente, lateralmente, desde o ouvido até pousarem na boca. e há o toque de amor, quando se aperta demoradamente um pescoço enquanto se declama ao ouvido, ou quando simplesmente se tocam uns lábios enquanto se fixa o olhar, como quem diz: 'não fales, está perfeito assim..'. e há o toque safado, carnal, aquele mais forte, mas pressionante, enquanto se desliza a mão por um corpo, enquanto se aperta uma cintura que se ama, enquanto se puxa, se repuxa, se dança, com um corpo que se devora, pele na pele. mas perfeito, é o toque que sossega. quando se toca alguém com a simples calma, que apenas uma mão que ama transmite. como a forma doce em que adormeces em poucos segundos, enquanto te massajo, em círculos lentos, as tuas costas, os teus ombros, o teu principio de pescoço. primeiro fechas os olhos, depois suspiras, e começas a respirar cada vez mais lento. e o meu toque acalma no mesmo ritmo, segue o teu ar, até que adormece também. num sono que é bom, porque sabe que estarás ali a noite toda: o teu corpo, apenas a tocar no meu..

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