:: chan chan

julho 23, 2014



um dia destes perguntavam-me se tinha algum abismo pelo "difícil": porque raio escolhes o caminho mais complicado, se sabes que há por aí outros caminhos mais simples? e hoje, olhei para estes senhores e acho que consigo explicar o porquê. a vida destes homens deu um filme. porque cantavam bem? sim.. mas não só. porque tinham uma pinta descomunal, entre o charme casanova e a doçura de um poeta safado? sim.. mas não só. porque cantavam com aquela voz lá do fundo da alma, naquela mistura que só se vive no calor dos trópicos? sim.. mas não só. a vida deles deu um filme, porque contra todas as dificuldades, eles venceram. porque caíram, mas levantaram-se. porque deu luta, mas ganharam. tiveram um anjo que os ajudou (o ry cooder) - há sempre um anjo -, mas foi a predisposição para correr o risco, foi a coragem para acreditar no destino, que lhes deu alma. e deu um filme, porque mesmo quando já poucos sequer pensam em viver, estes velhotes cheios de ganas, souberam viver de novo, a nova oportunidade que o destino lhes deu. era mais fácil ficarem parados? era, mas não ia saber tão bem.

pois, tal como esta história, com a vida fui aprendendo que nem tudo o que parece fácil é o melhor. ou sabe melhor. na profissão, nos amigos, nos amores, tudo o que é fácil nunca tem o mesmo sabor. no trabalho, são os projectos difíceis que dão luta. os já ganhos à partida nem lhes ligamos. como até no futebol: o Benfica este ano ganhou tudo. mas foi só por tudo o que se passou o ano passado (em que se perdeu tudo), que a loucura foi enorme. em todos os pequenos detalhes da vida, tudo o que obrigou a um esforço maior, tem mais valor. porque vale não só pelo que é, mas também pelo que foi necessário lutar para ser. por isso, acredito que algures onde se escreve o destino, se colocam dificuldades quase de propósito, para testar a fibra, o valor, a força dos que se querem. que no caminho da felicidade há sempre umas barreiras pré-teste, tipo: "ai acham que se gostam que nem loucos? então superem lá isto!! mostrem lá o que valem!".

e a vida tem nos testado muito a coragem. apertou-nos desde o primeiro dia. a vida, essa puta, só nos criou dificuldades, entraves, barreiras. o rio ia para um lado, e tivemos de remar contra a corrente, convencê-lo a mudar de sentido. tivemos de construir o barco, madeira a madeira, em cima dos rápidos, sempre a escorregar. andamos a remar separados tanto tempo, meio perdidos na corrente, a ir contra as árvores da margem, a bater nas pedras. a precisar de ir, para voltar. a precisar de cair dentro de água, para saber o que era a falta de ar - do outro. mas se fosse um rio calmo, não era o nosso rio. se não tivesse corrente, podíamos boiar, ficar parados no barco, apenas a apanhar o sol, mas esse não é o nosso rio. o nosso tem rápidos a toda a hora, tem gritos, tem risos, tem curvas loucas cheias de troncos selvagens, tem família tonta a gritar por nós nas margens, a lançar-nos a corda sempre que precisamos. o nosso rio tem cada dia mais força, é cada dia mais fundo, sem pé. é perigoso. mas só assim tem aquela água transparente, cheia de corrente, com sabor a fresco: água pura. rio difícil? sim, mas (também) por isso tão único.

2 comments

  1. espera até chegarem à foz e encontrarem o mar :-) essa imensidão. sabes que é maior? ainda maior; ainda com mais correntes; ainda mais forte...é a maravilha da {puta} da vida: é que ainda há o mar :-)

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