:: manifesto ao pudor

outubro 28, 2014



pudor é uma palavra que me chateia. acima de tudo porque viveu tempo demais no meu dicionário de costumes. apesar de em casa, felizmente, ter tido uma educação sem pudor (com um à vontade saudavelmente leve em tudo o que toca à relação entre pessoas, corpos e a forma de os encarar), fui formatado desde cedo a ter um determinado nível de pudor - na escola, no meio social, no circulo de amizades. mas se há coisa que vem com a idade, é a capacidade de entender o que nos faz bem e o que nos castra. e o pudor é, acima de tudo, limitador de qualidade de vida. de poder viver mais. mais dos outros que nos rodeiam, mas muito mais do que cada um de nós é.

primeiro elimina-se o pudor das palavras que usamos. somos excessivamente lamechas, ou brutos, ou sinceros? e depois? merda para quem nos diz que devemos evitar dizer o que nos vai na alma. sem pudor e com toda a sinceridade do mundo, voto em quem diz tudo, com a maior espontaneidade do mundo: 'é lindo esse teu cruzar de pernas', 'a tua boca excita-me quando me lês', 'encosta-te à minha cintura e sente como te desejo'.. lembro-me especialmente de uma vez que telefonei, a quem tinha acabado de sair do carro, só para dizer o quanto me estava a deixar louco de vontade, vê-la atravessar a estrada, naqueles calções curtos, em cima dos saltos de pé despido - e o riso dela, quando me olhou ao longe, de lábio mordido, foi único. não, não somos menos emocionais, ou apaixonados, por desejarmos um corpo. pelo contrário, o maior sentimento junta carinho e carne. junta prazer e amor. gritos lânguidos e lágrimas de emoção.

porque acima de tudo, é na forma de vivermos o corpo que o pudor atrapalha. só nus, pele na pele, podemos ser nós por inteiro. sem vergonhas, sem timidez. só assim podemos viver tudo o de bom que um corpo tem - especialmente o de quem amamos. cada pedaço de pele tem de ser amado e desejado em simultâneo. conhecer, dedo a dedo, o detalhe do ombro, a cova das costas, a curva da perna, a inclinação do pé. conhecer cada movimento dos lábios, cada ponto que treme quando se aperta, cada ponto que emociona, quando se pára o movimento no olhar ofegante.
porque não há nada mais bonito de amar que um corpo nu: quando anda aos pulos pelo corredor da casa, quando se senta no balcão da cozinha a beber o ultimo café, quando volta para o quarto de sorriso safado e se encosta no frio da cama. quando ama aos gritos. quando se entrega ao prazer. quando diz quero'te de olhos em choro. quando adormece abraçado depois. mas, mais bonito, quando desperta nu, por cima dos lençois, com a primeira luz da manhã. é nesse momento, em que acordas nos meus olhos, que soltas o teu riso mais puro..
deve ser por isso que bem cedo, em jeito de aviso me disseste: 'no meu dicionário, pudor e amor são duas palavras que não cabem no mesma frase'. e eu acreditei logo.

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