:: tempestades

outubro 14, 2014



tenho um certa adoração por tempestades. especialmente pelas que vêm fora de época - no meio de um outono ainda quente. o céu começa a ficar vermelho, o ar aquece em versão sufoco. nos primeiros pingos sente-se, no cheiro das ruas, que qualquer coisa vai acontecer. de repente, em modo chuveiro, a água cai não se sabe de onde. mas continua quente: por isso sabe bem deixar a camisa ficar molhada, a cabeça mais fresca, os olhos a escorrerem qualquer coisa entre chuva e lágrimas. em cada trovão, estremece-nos o chão e ilumina-se o lusco fusco. quase lânguida, a tempestade chega, envolve-nos, tira-nos a respiração, e vai embora lentamente. imponente. leva o cinza nubaldo atrás, e deixa de novo o céu estrelado, e a lua cheia na noite limpa.

tenho uma certa paixão por tempestades. porque são românticas, na maneira como levam ao limite a tensão (vibração) entre os elementos. aliás, romântico é amar durante uma tempestade. a chuva lá fora, o vento a bater na janela, o quarto que escurece naquele cinza vermelho de fim de tarde. o abraço fica mais próximo e o lençol - num misto de arrepio e frio -, esconde o desejo dos corpos nus. quase escuro, são os raios que nos iluminam o rosto, preso no olhar do outro, a respiração que se confunde com os trovões, o chão que estremece, seja lá do que for. a tensão sobe, grita-se, sente-se, entrega-se, ama-se. ama-se muito. e depois? depois a tempestade vai. os corpos sossegam, exaustos da energia solta, da tensão que se libertou. e a tempestade vai embora, lentamente, e deixa atrás um olhar limpo, um lábio mordido num sorriso, e um silêncio, a dois, olho no olho, que diz tudo sem precisar falar. imponente.

tenho uma certa necessidade de tempestades: as nossas. são pura catarse. liberta-se a energia má, a tensão acumulada. grita-se, berra-se, chama-se idiota, dramático, bruta.. diz-se foda-se, bem lá do fundo da garganta. e foda-se, que bem sabe poder andar aos pulos descalço pela casa, ouvir musica aos berros, dançar sem ritmo, dar uns murros nas almofadas, e cantar alto, bem alto, como se fosse uma bateria enfurecida. grita-se, mais para dentro do que para fora. estremece-se, não o chão, mas o corpo quando chora, quando se aperta em dor, quando se abraça, sozinho, em sufoco, no fim da discussão. e depois? depois, a tempestade vai. a energia acaba, as lágrimas secam, como a chuva que acabou. e a tempestade vai embora, lentamente, leva as nuvens pesadas atrás e deixa de novo o que sempre lá esteve: o céu limpo, e a nossa eterna lua. porque é igual no amor: as únicas coisas que temos por certas, não são as que passam por momentos, mas as que se sabem que estão lá sempre. imponentes.

2 comments

  1. Anónimo15.10.14

    Mais uma vez venho expressar o meu agrado. Estou a seguir "as suas palavras" entusiasticamente. Fantástico.
    Como é bom estar apaixonada/o pela vida.
    A região centro do nosso pais (onde resido) é calma de mais, mas duvido que existam dias de chuva mais bonitos que os meus. Olhar da janela do quarto a chuva, ter uma cidade calma à saída da porta de casa, poder ainda ser contemplada com a beleza do rio tejo? Não posso pedir mais nada.

    Tem uma fã ribatejana.

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  2. amei conhecer este espaço tão cheio de palavjavascript:void(0)ras, que podiam ser quase minhas, mas não são pq não sei espressá-las assim tão bem, tão perfeitas.

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