:: respirar

setembro 19, 2014



quando andava nas lides da natação, sempre me fascinou a capacidade de gerir a respiração. e de como, mais que a técnica, isso era importante para os tempos da pista. porque podemos saber nadar muito, ter força, ter ganas, ter vontade, mas se não conseguimos gerir o fôlego, tudo corre mal: o ar começa a faltar, a coordenação dos braços vai-se, e as forças apagam-se no sufoco. engraçado como se passa o mesmo na vida: no trabalho, nos dias, nos amores. se vamos devagar demais, adormecemos a vontade, baixamos o ritmo e perdemos o comboio. se aceleramos demais, saltamos os carris, e descontrolamos o corpo até nos estamparmos exaustos. tantas vezes que nos sentimos sem forças, sem alento, como se o ar, lá acima da água, estivesse longe demais.

por isso é tão importante gerir a respiração. e aqui, num sentido mais apaixonado, a forma como se respira a dois. porque é preciso dar espaço para as mudanças de ritmo. hoje, dia cinzento de chuva, chegar a casa e respirar lentamente, por entre a primeira coberta do ano, um café quente e quatro pés enroscados. ou nas noites quentes, o oposto: acelerar o fôlego, sair madrugada dentro, brindar na calçada, ver o luar no rio, e chegar a casa já meio despidos, de respiração acelerada.. e acabar, de novo, de quatro pés enroscados, muitas braçadas depois. gerir o ritmo a que se respira a outra pessoa é a forma mais séria de amar. e de se querer. porque gostar demais também sufoca..

mas difícil mesmo, é quando contra a nossa vontade, se tem de dar espaço para respirar. porque nem sempre o fôlego, as forças, ou a capacidade de nadar é a mesma. às vezes, os ritmos descoordenam-se e a vida afasta-nos, não do que se quer (muito), mas do que se consegue fazer. quando se ama, damos o melhor, e por vezes o melhor, porque muito que nos custe, é dar o espaço para respirar, para viver, para o outro parar a cabeça bem longe de nós.
e não o fazemos em jeito de favor, ou de pena, mas num sentido muito certo que afastar, às vezes, é a forma de ficar mais perto. não porque se desiste, mas pelo contrário, porque se é forte ao ponto de dar um passo atrás, para, quem sabe um dia, conseguir dar dois à frente. o amor, quando é verdadeiro, volta sempre à sua casa. mesmo que precise de sair porta fora, louco, sufocado no turbilhão dos dias arrastados. o amor, quando é verdadeiro, apenas sai, para entrar de novo, de fôlego recuperado. porque há portas que ficam sempre abertas. para a vida..

5 comments

  1. porra! como é que sabias que precisava de ler isto? :-)

    os passos que - hoje - estou a dar para trás, são para daqui a uns tempos dar muitos em frente, livre, totalmente livre :-)

    ResponderEliminar
  2. A descrição perfeita. Pudera eu...

    ResponderEliminar
  3. Anónimo20.9.14

    Publicação perfeita. O que eu queria "ouvir" ... obrigada.

    ResponderEliminar
  4. sempre que posso leio os seus textos em voz alta, gosto tb de escutá-los e desta vez a voz faltou-me duas vezes...
    quanta clareza...

    ResponderEliminar
  5. Deuzinha31.1.15

    sono d'accordo

    ResponderEliminar

FOLLOWERS