:: preparar

novembro 21, 2013



uma vez li num daqueles livros de gestão de tempo, que devíamos ir sempre 10 minutos antes da hora de qualquer reunião, para podermos simplesmente respirar o local. para nos ambientarmos. com o edifício, as cores, o ambiente da reunião. para podermos parar 5 minutos antes de entrar e alinhar as ideias. confesso que como ando sempre em contra-relógio, comigo não dá. mas há algo similar que me habituei e que me tem dado trunfos na vida: preparar. e aqui não é só preparar a apresentação, o tema, a reunião. mais que isso, é preparar cenários para o mesmo objectivo final. se A correr mal, ter um plano B, um caminho C, uma opção D. é que, estando preparados, podemos ao longo da conversa perceber o melhor caminho para o que pretendemos, e assim chegar mais facilmente a um consenso. a razão dá-nos os vários caminhos possíveis, mas é a percepção emocional, que no momento certo, se apercebe de qual pode ser o melhor caminho para os nossos propósitos.

faço o mesmo na vida pessoal. gosto de preparar os dias com algum alinhamento: o jantar que seja de acordo com os convidados, que a música bata certo com o perfil da conversa, que a luz seja a adequada ao pretendido: festa ou intimidade. e isto não significa obsessão, ou demasiado pensamento. não, são apenas a base para que tudo o que surja da espontaneidade possa ter mais força. a minha primeira empresa criava "ambientes". e é isso de que se trata "preparar": é criar o ambiente certo, no campo profissional, ou pessoal, para que o destino se vire para aquilo que queremos. e depois, confortáveis, com as costas quentes de nos sentirmos em casa, no ambiente certo, tudo o que dizemos ou sentimos, faz mais sentido, encaixa bem, resulta melhor.

estranho é defender isto, e a única vez que pedi alguém em casamento tê-lo feito a partir do nada, no meio de uma conversa banal. mesmo apesar de andar a pensar no "ambiente" certo há semanas, que incluía viagem-concerto-surpresa, acabei por mandar a preparação ao ar e fazer o pedido num momento de espontaneidade e impulso.
porquê? não sei, mas talvez porque estava preparado cá dentro, onde interessa, na alma. porque mesmo para quem pensa tanto, para quem tem a estratégia como profissão, há coisas que estão acima do pensamento. mais do que a razão, quem vive na emoção, sabe que a alma dispara o que lhe apetece a qualquer hora. não porque seja impulsiva. pelo contrário, apenas porque - esperta dum raio - entende e percebe muito antes de o corpo e da cabeça o fazerem. por isso, acredito bem mais na emoção do que na razão. por isso, confio tanto na minha alma. a coisa que melhor soube preparar na vida, para receber quem já lhe pertencia..

:: não perguntes. vê.

novembro 11, 2013



desde pequenos somos programados para pedir, para perguntar. e menos para dar, ou responder. "quem não chora, não mama" deve ser das piores teorias que se ensinam, porque encerra em si o facto de quem dá, só o faz porque alguém lhe pediu/chorou. teoria triste, porque tudo o que recebemos, quando pedimos, sabe sempre - apenas - a resposta. e o melhor de ouvir não são respostas. "eu também gosto de ti" tem só metade do valor de: gosto de ti. "eu também quero estar aí", não vale quase nada ao lado de: eu vou aí! é que "eu também", podendo ser a melhor réplica que se pode ter, é apenas isso mesmo: uma resposta. e as coisas que contam mesmo não são respostas. são afirmações.

desde pequenos somos programados para pedir: queres namorar comigo? dás-me um beijo? casas comigo? deve ser por isso que desarmam as pessoas que em vez de perguntar, afirmam. não dizem dás-me um beijo. dão. não perguntam: queres viver comigo. entregam as chaves da casa. não perguntam se vamos amar para sempre: tatuam esse amor na pele. porque as melhores afirmações não se dizem, não se escrevem, fazem-se! as afirmações que realmente contam são gestos: quando se vai contra um muro só porque se quer alguém que está do outro lado, quando se enfrenta o mar bravo só porque se quer ir mesmo naquele barco. quando alguém nos mostra com actos e atitudes que é ao nosso lado que quer estar, sem o termos pedido, ficamos com o peito cheio de certezas, algumas que nem sequer sabíamos que podíamos ter.

por isso "do you love me?.." é a pior pergunta que se pode fazer. por muita ansiedade ou necessidade que se tenha em ouvir, é preciso saber esperar, no nosso canto, que o mundo nos diga o que quer de nós, o que somos, e para quem contamos. porque nesse momento, quando sem pedirmos, o mundo se muda, se transforma, se vira de pernas para o ar, só para nos mostrar o que valemos, aí sim, vamos ter todas as certezas que nenhuma resposta nos podia dar.
desde pequenos somos programados para pedir. sorte a de quem aprendeu*, ou foi ensinado, ou tem a capacidade natural de, antes de questionar, entender. antes de criticar, saber colocar-se do outro lado. antes de pedir, dar tudo. para antes de perguntar.. ver.


* nota: coisas que aprendi por estes dias

:: o decote

outubro 25, 2013


as costas de uma mulher são a sensualidade em seu estado mais inocente,
é como se nada demais estivesse à mostra, mas ainda assim, por tão pouco,
muita gente vai querer olhar duas vezes.

*Ingrid Bergman

enquanto a maioria das mulheres discute a possibilidade de decote no peito, as que prendem definitivamente são as que exibem, discretamente fabulosas, o decote noutra qualquer parte do corpo. um decote nas costas, um bocado de ombro, um bocado de barriga, ou só aquele início de braço. saber mostrar um bocado de pele inesperado é a arte suprema da sedução. e da segurança em si mesma. alguém que deixa um bocado do corpo totalmente desguarnecido, sem ser óbvio, tem de ser carnal e cerebral em simultâneo. mistura explosiva, improvável, mas que acontece em raras ocasiões.

mas o que importa mesmo - como em tudo nas mulheres - é saber usar esse decote, saber manter a linha ténue que separa a sensualidade da vulgaridade. proibido definitivamente qualquer tipo de exagero. a maior sensualidade vem de quem usa um decote como se usasse a mais desportiva das peças: quando a malha descai pelo ombro de forma inocente, quando os botões da camisa se abrem discretos e mostram parte do peito, quando o comprimento da camisola acaba 2 cm antes da cinta e mostra aquele pedaço de pele da barriga, numa inocência quase infantil. ou quando as mangas do vestido sao suficientemente grandes para mostrarem parte das costas apenas quando os braços se movimentam.

alguém que mostra um pouco de pele como quem respira, é naturalmente sensual. e se há coisa que não se produz é a sensualidade. ou se tem, ou não se tem. o teste do algodão é quando se tira a roupa. um mulher segura e sensual continua na mesma pose. como se tivesse o mais delicioso dos vestidos no corpo. mexe-se, anda, movimenta-se pela casa com a mesma postura, a mesma alegria, a mesma leveza. e a mesma certeza. há momentos quase fotográficos quando uma mulher se passeia pela casa com a camisa do seu homem. aos pulos na cama, a fumar na varanda, a apanhar o copo de gin na cozinha. momento supremo, quando se encosta na janela e deixa a luz fazer transparente a camisa, adivinhando o corpo nas linhas da sombra. não há decote, vestido ou estilista que vença esta sensualidade. não porque se cria, ou se é, ou se aprende. esta sensualidade tem-se, sente-se. mas mais bonito, entrega-se a quem se gosta. com um sorriso, uma gargalhada e um abraço meio despido, na camisa meio aberta..  

:: as estações

outubro 18, 2013



gosto de pensar na vida, e nos dias, como ciclos que se sucedem. ciclos que nos conduzem num caminho direito a um fim, mas com alguma forma de repetição. todos os dias começam e acabam no mesmo momento e da mesma forma. as horas, e os meses, repetem-se de 12 em 12. e um ano tem sempre quatro estações. quatro momentos de um ciclo, que 365 dias depois se reinicia. ou a lua, que teima em encher o céu com a sua repetição, monótona, mas ainda assim sempre surpreendente..

nas estações, tal como na vida, cada ciclo tem uma finalidade - e uma forma de ser vivido.
o verão enche-nos de energia, de cor na pele, de forças para o inverno rigoroso. o outono como que prepara para a luta, em modo de aviso. o inverno consome-nos as entranhas. dias mais escuros, mais sombrios, mais curtos. chegar à primavera é o objectivo de cada espécie, onde já vai haver mais alimento, mais cor nos jardins, mais luz solar. nas relações - nos amigos e nos amores - o ciclo é igual. repete-se entre momentos quentes e próximos, e momentos mais frios e distantes.
mas aqui, ao contrário do que seria normal, são os invernos que fazem crescer as raízes que seguram. gostar de alguém nos verões de uma relação é fácil. naqueles momentos em que tudo é sol e festa, em que os dias são longos e as noites de brisa quente são intermináveis, ai é fácil ser feliz. naqueles dias em que tudo corre bem, em que os horários se encontram, em que os amigos aparecem para jantar, em que a musica, em shuffle, bate sempre certo com o riso. aí é mais fácil ser feliz, aí um amor cresce, cria laços, ganha dimensão. mas não fica forte. fica maior, mas não forte.

a força de uma relação nasce nos outros dias, nos dias difíceis.
nos invernos rigorosos, em que o cinzento enche o céu, em que a neve traz um silêncio sufocante. nos dias em que tudo corre mal, em que o trânsito atrapalha, em que os amigos chateiam, e até a nossa simples imagem num espelho nos irrita. nesses dias, estar com alguém, mesmo longe, e conseguir chegar ao fim do dia ainda mais próximo, isso sim, faz ganhar pilares inquebráveis. quando tudo é difícil, quando tudo é dor e aperto, mas ainda assim se mantém o sorriso para quem se ama, quando só dizer o nome dela mantém a alma cheia. quando tudo é peso nos ombros, mas ainda assim a vontade é do abraço que sossega, e que, de repente, nos faz ficar leves. quando no meio do inverno é ao amor que nos agarramos, como se fosse a maior e mais segura das rochas, aí sim, sabemos a força das raízes que cresceram no verão. e como em todos os ciclos da vida, sabemos que o inverno há-de sempre passar. e que a primavera é já para a semana..

:: alone or lonely

outubro 16, 2013


.. i guess what i'm saying is that i like being alone, 
but i hate being lonely.'

a idade traz-nos certas coisas que nos fazem saber viver melhor. uma delas é a capacidade de estar sozinho. que é diferente de ser solitário - de estar só. estar sozinho é, num determinado momento - horas, dias - viver, fazer, estar sem companhia. mas saber que existem várias pessoas, amigos, amores, que nos acompanham onde quer que estejamos. que estão sempre connosco.
ser solitário, é alguém que vive sempre longe dos outros. fisicamente e sentimentalmente.
a maioria das pessoas não é nenhum dos dois. pelo contrário. porque vivemos em sociedade, e cada vez mais em comunidade, as novas famílias são os amigos, sendo que há sempre alguém comunicável, presente, à distância de um clic, que nos garante a companhia e a conversa. mas também por essa facilidade, às vezes cai-se no oposto de nunca estarmos sozinhos. sempre on-line.

conseguir estar bem, sozinho, dá-nos a serenidade de saber que somos auto-suficientes, e capazes de aproveitar as coisas boas da vida só por nós. uma música, uma paisagem, um livro, um pôr-do-sol. ou apenas um dia sozinho, sem conversa, sem troca de opiniões, de olhares sequer. cura de silêncio.
estar sozinho, ajuda a pôr os sentidos em ordem, alinha o pensamento, o que somos. por isso, às vezes precisamos de estar off. e isso não nos afasta de quem gostamos. pelo contrário. aproxima.
pela saudade que se sente, pela vontade de na próxima vez estarmos juntos. já naquele momento.
gosto de pessoas que são capazes de estar bem sozinhas. porque essas eu sei que quando estão comigo, é porque eu lhes acrescento algo mais na vida. estão por opção, e não por necessidade/hábito de companhia permanente.

difícil é quando somos obrigados a ficar sozinhos, afastados de alguém num momento em que não desejávamos. naquelas alturas que estamos sozinhos não por opção, mas por contingências da vida: trabalho, viagens, deslocações, barreiras familiares.
mas é precisamente aqui que quem gere bem "estar sozinho" convive melhor. porque estar afastado não significa estar desligado. porque não estar presente, não significa estar ausente.
quando se é parte de alguém, sabe-se que mesmo longe, quem gosta, quem se quer, quem ama, está sempre presente. porque estar sozinho é diferente de estar só..


* roubado à Mi

:: descalçar

outubro 13, 2013



os pés, sendo das partes mais resistentes do corpo, são também das mais sensíveis.
bipolaridade estranha esta entre força e sensibilidade, mas que nos transmite sensações únicas, e que é tão negligenciada: fala-se do coração, do olhar que se cruza, do toque das mãos. mas dos pés, parentes pobres, pouco se diz, quando exprimimos sensações.
ora, caminhar descalço é das melhores coisas do mundo. num areal vazio, a andar horas entre a areia e o mar que chega em ondas pequenas. enterrar o pé na areia, ou molhá-lo beira mar. ou num jardim, no fim de uma tarde quente de verão, na mistura entre o cheiro da relva e o toque na sola do pé. ou simplesmente passar uma tarde sentado na beira de uma piscina, entre sorrisos e conversa disparatada, com os pés sempre a dançaram dentro de água..

vício meu, a primeira coisa que faço quando chego a casa - depois de pôr música no on-, é descalçar-me. desmontar a roupa, o fato, os sapatos, as meias. libertar do dia e entrar em modo home. no verão, sempre descalço para sentir o fresco do chão da casa, especialmente do azulejo da cozinha, ou para aquele momento infantil, em que danço descalço em cima do tapete peludo. contraponto ao inverno, em que sabe bem sentir o pelo da manta do sofá, ou aquele pedaço de madeira quente, junto ao fogo da lareira. no inverno, gosto de andar com algo quente que se calce, mas sempre sem meias, para rapidamente poder descalçar-me e ir ao encontro de outro pé, ou de uma mão que os massaje, só como desculpa para estar ali perto, a acariciar.

porque bom mesmo, é sentir o pé de alguém a tocar no nosso.
ao almoço, por baixo do balcão lá de casa, ou embrulhados no sofá a ouvir música. no fundo das toalhas de praia, quando saltamos da nossa para a toalha vizinha só para sentir a pele fresca e o toque suave. ou nas noites quentes, em que sabe bem dormir com aquela distância de ar entre os corpos, mas sempre com a ponta dos pés a tocarem-se. ou nas noites frias, em que os pés se enroscam num aquecimento mútuo. mas sempre próximos, como que a ser a base de tudo. o principio do equilíbrio entre duas pessoas. os pés, sendo da parte do corpo mais resistente, são também das mais sensíveis: bipolaridade estranha esta entre força e sensibilidade. há pessoas que são assim - muito pés. são as que eu mais gosto, porque são as mais próximas da terra, as mais calejadas. são extra sensíveis, boas, mas muito práticas, e com uma resistência capaz de caminhar todas as montanhas..

:: espreguiçar

outubro 07, 2013


' espreguiçar: tirar a preguiça, esticar os braços ou pernas, por indolência, ou sonos, espraiar-se..
dizem os estudos que devemos espreguiçar-nos varias vezes ao dia para combater o stress, acalmar os músculos e melhorar a circulação. assino por baixo, e além disso, faço o exercício de algumas vezes por ano espreguiçar-me mesmo 2/3 dias seguidos. no sentido puro, de quem desliga o botão e se enfia no meio de algum nada, sem nada para fazer, nada para tratar, nada para chegar a horas. uma forma de espreguiçamento mental.

quando esses dias de acalmaria envolvem praia, não pode faltar a espreguiçadeira, óbvio! para mim, praia em modo descanso, sem esta coisa, não é praia. o conjunto chapéu-espreguiçadeira-almofada garante a qualidade do espreguiçanso: menos vizinhos, sombra garantida, areia exclusiva, e posição confortável. por isto, este deve ser um dos nomes mais bem aplicados da nossa língua. efectivamente a espreguiçadeira cumpre o seu objectivo: para dormir (esticada), para apanhar sol (encolhida, posição 2), para ler (encolhida, posição 3). alem do conforto, a posição de estar um pouco acima da areia, mas ao seu alcance fácil, deixa a opção de cada momento: sentir o toque suave da toalha, ou o pé a enterrar nos grãos da areia..

deviam inventar uma coisa parecida, mas para a cabeça. escolhia-se a posição e cumpria-se a tarefa: descansar, dormir, ler, pensar, trabalhar. era simples. mas não havendo ainda registo de tal botão mecânico, resta-nos saber gerir a coisa. há pessoas que conseguem separar tudo, quase função matemática: enquanto descanso, não acordo, enquanto trabalho, não me divirto, enquanto me divirto, não penso. enquanto amo, não me divirto. outros, como eu, somos uma mistura pegada, bipolares de fracções de segundo, que no meio do descanso se lembram de uma solução do trabalho, que param uma reunião só para dizer uma ideia piada, que se riem despregados enquanto amam, ou param um jogo de futebol para mandar um poema..

levar a vida assim, garante uma cabeça mais solta, a saltar entre tarefas, mais criativa e mais realizada. tramado é viver ao nosso lado. quando se pergunta: "- como vai ser o teu dia?" e a resposta: "- sei lá!".. nem na próxima meia hora sei eu vou fazer, se amar, trabalhar, ou divertir-me, quanto mais o dia. conseguir gerir a agenda com as pessoas normais e manter esta espontaneidade cansa muito, mas garante uma cabeça funcional, intensa, uma alma preenchida e de saúde perfeita.  então, mas e o corpo cansado? olha, que espreguice de vez em quando, ao longo do dia. ou vá uns dias, seguidos, numa praia qualquer. afinal, é para isso que se fizeram as espreguiçadeiras, certo?..

:: outono ao sul

outubro 04, 2013

tenho a mania de fazer as coisas fora de época, contra a corrente.
musicas, livros, filmes, gosto de ser eu a descobri-los quando ainda são anónimos. quando já todos os conhecem, perco o interesse. o mesmo com os sítios onde me divirto: cafés, esplanadas, praias, castelos, todos os cantos das cidades.. gosto quando são só meus e de mais poucos alguns. quando se enchem, ficam desinteressantes. talvez por causa deste vicio, gosto mais do Algarve nestes primeiros dias de outubro. dia de semana, meia-noite, sair de lisboa com chuva cinzenta e ir descendo rumo ao sul noite dentro: viagem única. primeiro a chuva parou. ali por Alcácer ja se viam as estrelas no céu limpo. mais abaixo em Grândola, aquele cheiro da planície quente alentejana. a chegar ao Algarve, já de janela aberta, passa a brisa de cheiro a maresia.

acordar no dia seguinte e ver o sol a brilhar no mar. o som calmo das ondas, o areal imenso vazio. a espreguiçadeira na primeira fila, sem vizinhos, sem miúdos aos pulos, sem gente a falar alto. só o mar, o silencio, algumas pessoas a caminhar, devagar. turistas, ninguém fala português. passar o dia em silencio, trocar palavras curtas, mas simpáticas, com o nadador salvador:
- 23 graus a agua? ja viu os dias que apanhou?
já vi sim, apanho sempre. os primeiros de outubro sempre assim. voltar a vestir as camisas de linho, andar descalço, tomar banhos de horas na água do mar, mais quente que o ar da praia. na esplanada, sobre o areal, vazia, a musica agora ouve-se, os empregados sao mais simpáticos, e as amêijoas, ainda com sabor a verão, comem-se mais lentas.

e ao fim do dia o pôr-do-sol. que no outono é diferente, mais vermelho, mais intenso, mais raro - e lá esta, por isso, por ser mais raro -, mais saboroso. estes dias da primeira semana de outubro sao um dos melhores segredos do Algarve. limpeza de alma, começar assim o outono.
trocar as estações, troca os sentidos, e limpa a cabeça quadrada das marcações do calendário oficial. faz nos carregar energias quando os outros ja as consomem desenfreados. vantagem competitiva. mas amanha já é sábado. a praia vai ter mais gente, mais pessoas, menos espaço. está na hora de partir, com as baterias carregadas e o brilho na pele do bronze de outono.
mais intenso, mais raro, e por isso, mais saboroso..

:: pequenas boas mentiras

setembro 28, 2013



na vida ganhei um hábito, que, apesar da luta, ainda me sai automático algumas vezes: as pequenas boas mentiras. aquelas mentirinhas que usamos quando - para não magoar, chatear, ou simplesmente preocupar quem gostamos -, tentamos esconder, disfarçar, ou simplesmente ocultar pequenos gestos, ou factos que são mais difíceis de consensualizar. não é enganar, porque não estamos a fazer nada de mal, mas apenas porque assim (nos) poupamos uma conversa chata e dúbia. a pequena boa mentira mais famosa é a 'dor da cabeça' das mulheres quando não estão viradas para o lado carnal e simplesmente não apetece explicar o porquê. a segunda, ainda das mulheres é o 'não tenho nada' - embora aqui seja mais um alerta do que uma mentira. a pequena boa mentira entre familiares normalmente tem a ver com saúde: dizemos sempre que não temos nada de especial, quando afinal ja sabemos que estávamos mesmo doentes.

mas as pequenas boas mentiras têm em si uma boa intenção: não magoar quem gostamos. aquela ilusão do 'para quê preocupá-lo, se tudo se vai resolver'. o problema é que isto só funciona quando estas mentiras respeitam duas regras:
i/ sao pequenas. isto é, não se trata de nada de grave, de uma traição, de uma falha de personalidade, de uma mentira insuportável. nada que, se soubesse, pusesse em causa o quer que seja. são apenas pequenos detalhes do dia a dia que podem passar sem chatear ninguém.
ii/ serem mesmo boas. porque quando sao más mentiras, rapidamente se apanha a verdade, e aí, entramos num campo muito estranho, da falta de confiança, de dúvida permanente, que mina qualquer relação a longo-prazo.

para quem, como eu, passou anos a dizer pequenas boas mentiras, é muito fácil detectá-las nas pessoas que nos rodeiam. basta sabermos que podem existir, e que aquele momento será propício: aquelas situações em que já sabemos que, mesmo sem fazer nada de mal, alguém nos pode magoar e vai evitar, na boa fé, dizer-nos. nesses momentos, ficamos com o radar ligado, e a qualquer declaração suspeita, questionamos e vamos verificar, mesmo quando não devíamos. e depois, dói, magoa nas entranhas, perceber que era mesmo mentira. pequena, porque não foi uma falha. boa, porque a ideia era proteger-mos. mas mesmo assim uma mentira. que quebra a confiança, que quebra a certeza. ou não.. porque como dizia a mais frontal - e acertada - das minhas amigas: - ouve lá meu idiota, passaste a vida a dizer pequenas boas mentiras, e não é por isso que não és uma boa pessoa!!
e pronto, é isto. passar à frente com um pequeno bom perdão. porque quando somos tão iguais, conhecemos tudo. até as pequenas - doces - boas mentiras..

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