:: acordar

abril 08, 2015



gosto de acordar. mas gosto mais de acordar ao teu lado.
engraçado, como se desvaloriza o acordar, sendo no entanto um dos momentos mais sinceros entre duas pessoas. mesmo as que acordam mal. porque é quando se acorda que se é mais puro, mais transparente. entre cabelos despenteados, preguiça no corpo e pele amassada, é nesse momento que se é verdadeiramente bonito para quem se gosta. porque é quando se acorda que se dizem as maiores verdades, às vezes mesmo sem falar. especialmente quando não se fala. por exemplo, quando se foge da cama, entre pressas, desculpas e fugas repentinas. ou, pelo contrário, quando apenas se fica lentamente a sentir o outro, ali ao lado, próximo. porque o primeiro abraço, o primeiro olhar, o primeiro beijo, nunca enganam. dizem tudo da união que ali se vive. tão simples.

gosto de acordar. mas gosto mais de saber acordar-te.
porque o saber acordar quem gostamos implica uma intimidade grande. um respeito mútuo no momento mais cru da nossa personalidade. ali, os botões ainda estão meio desligados: o botão da simpatia, o botão da boa disposição, o da vontade, ou de coisas simples, como o botão da capacidade de se deixar tocar. acho mesmo, que a evolução de como se acorda é o verdadeiro avaliador de uma relação. a forma como se encaixa, se molda, se aprende a gerir. uns dias mais carinhosos, outros dias mais práticos. umas manhãs em que se ama, ou outras em que o melhor é mesmo nem falar, apenas dar espaço. mas é esse equilíbrio, essa capacidade de fazer da manhã sempre um momento bom, ou, pelos menos, um momento nosso, que prova muito do quanto se quer. 

gosto de acordar. mas gosto mais de acordar na tua pele.
perfeito, o primeiro toque do dia ser o calor da tua nudez na minha. quase ritual, encosto-me mais perto nas tuas costas, aperto um pouco o abraço, e respiro no teu pescoço. o teu corpo mexe aos poucos, junto ao meu. abres um olho devagar, suspiras, olhas-me por cima do ombro. e sorris, ainda em silêncio. digo-te bom dia de voz baixa, dou um beijo demorado, entre carinho e protecção. e quando estás bem, rodas o corpo em modo câmara lenta, enquanto me empurras para o meu lado da cama. pedes-me o peito e pousas a cabeça - entregue. e ali ficas os poucos minutos até acordarmos de novo. são os nossos minutos mais sinceros. em que se diz tudo, em silêncio. entre cabelos despenteados, preguiça no corpo e pele amassada, é nesse momento que és a mulher mais bonita para mim. tão simples..

::: but first, coffee

março 21, 2015



gosto de pessoas 'but first, coffee'. e nem tem tanto a ver com a bebida, mas com o acto em si. o acto de preparar. porque o café (quando é bem bebido) mais do que um vício é isso: uma ante-câmara de qualquer coisa. é o antes do dia começar, é o antes do almoço, é o antes da reunião, é o antes daquela conversa longa. por isso, não gosto de quem vai beber café e se vai embora logo no fim. é como ver um concerto e a seguir ir domir - tédio! um café, como uma música, não é um fim, mas o arranque de qualquer coisa. ou melhor, o motivo para qualquer coisa começar. como naquele primeiro convite que te fiz: 'vai mais cedo ao jantar de logo, e bebemos um café só nós dois, antes dos outros chegarem'.. que bom princípio.

nos dias, é sempre pelo café que começo. de preferência, ainda em casa, chávena grande, feito na máquina de filtro. além do cheiro que fica no ar, é a pausa antes da corrida que ajuda a centrar. planeia-se o trajecto, põe-se em perspectiva. ou apenas acorda-se. no trabalho, é essencial antes de cada reunião: um café, versão italiana, shot de cafeína para acelerar. aqueles dois minutos, em que se prepara a cabeça para o trabalho da próxima meia-hora. rápido e produtivo. ao fim do dia, o café com os amigos. não dos com pressa, tipo 'diz-me aí rápido como foi o dia', mas daqueles tradição antiga, do café central, em que nos sentamos, lemos o jornal, falamos do vizinho e das histórias eternas. daqueles cafés de mesas que se vão enchendo sem ninguém combinar. não é preciso. já sabemos que alguém lá vai estar naquela hora.

e os nossos cafés? são os mais memoráveis. ritual de iniciação, é sempre a primeira tarefa quando se chega a casa. ligar a máquina, pôr a música acertada com o espírito do dia, e apenas ficar. primeiro à espera do café se fazer, depois a bebê-lo demoradamente, sem horário, sentados no balcão da cozinha, roupa de casa, pés descalços que se vão tocando. gosto de te servir o café, enquanto falas rabugenta do dia. depois falo eu, enquanto mexes o açúcar. medida certa: 1 colher para mim, 2 e meia para ti. o sabor quente na chávena preta, e o teu olhar, ali em frente, a ficar mais sossegado. digo umas parvoíces e já sorris. levanto-me, e abraço-te de leve num beijo lento, com a minha mão na tua cintura, a dizer que te quer. volto ao lugar e ali ficamos a passar mais um bocado de dia. ritual do café. nosso, simples. perfeito.


:: as fotos. nossas.

março 08, 2015



sou viciado em imagens. em memórias fotográficas. por isso dou tanta importância ao cenário, aos pequenos detalhes de cada momento: a intensidade da luz, a música que se ouve, a vista que se vê, as cores de fundo de um canto da casa. ou, por oposto, deslumbram-me sempre as imagens de imensidão: emociono-me com cada pôr-do-sol, com cada lua cheia, com cada praia vazia. mistura dos dois, o vício bom de dormir de janela aberta, apenas para poder acordar com o sol torrado, a nascer lá ao longe, no limite do horizonte. a luz entra lentamente pelo quarto, primeiro as paredes amarelas, depois bate na cara, ainda na cama, quase cega, mas sente-se aquele calor bom. e fica perfeita, a fotografia do brilho do sol, a nascer na pele do lado..

mas o melhor de saber ver assim o mundo, é partilhá-lo com quem me entende, com quem me sente em cada foto. partilhá-lo com quem me vive, onde quer que esteja, quando vê as mesmas imagens. é essa a perfeição da coisa: a partilha da emoção. ou, mais bonito, quando se vê esta beleza no outro, na imagem do outro. por isso sou viciado em olhar. aquele vestido curto, aquelas calças que moldam o corpo, aquele pedaço de ombro sempre à mostra, aquele salto que faz a curva perfeita do pé. ou, menos carnal, quando se tira a fotografia mental de uns olhos fixos em nós, de brilho fundo e pestanas fortes - parecem que sorriem. ou, único, aqueles momentos de paragem de pensamento, em que ficamos a ver, quase filme mudo, os lábios de quem gostamos a mexerem-se, enquanto falam para nós - parece que amam.

por isso gosto tanto das nossas fotos. em especial das que guardo na memória. porque fizemos muito, dissemos mais, sorrimos tanto, mas há imagens, há momentos, há fracções de segundo, que já valeram por uma vida. e para a vida guardei-as em mim. porque é aí, nesse milésimo de minuto, que se distingue quem se ama - sintonia difícil, mas que diz tudo: quando, apesar de verem a partir de dois olhares diferentes, duas pessoas vivem na mesma fotografia. e, ironia, só se tem a certeza de tudo, quando a imagem que mais procuramos é a mais simples, a menos elaborada, mas, por isso, também a mais verdadeira. por exemplo, apenas o teu corpo, nu, descansado, a espreguiçar-se pela manhã. aquele momento em que te viras para mim, de olho ainda meio aberto, me dizes bom dia, e voltas a adormecer mais uns segundos, no meu peito.. a vida podia parar ali. 

:: agarrar(t)

fevereiro 25, 2015



agarrar deve ser a arte menos bem ensinada, mas tão importante para tudo na vida. a forma como se agarra um trabalho, uma profissão, uma vontade. ou a forma como se agarra um amor, um corpo, aquela pessoa. porque pode-se querer, gostar, lutar, mas saber agarrar algo, ou alguém, requer muito treino, muita entrega e sabedoria. agarrar é um misto de força e cuidado. de posse e entrega. por isso, gosto de quem me agarra com força, homem ou mulher: um aperto de mão forte, um abraço que prende, um beijo que arrepia. por isso, gosto de segurar com força, mostrar a vontade, a necessidade, a tesão, mas ao mesmo tempo (e aqui, a arte), saber parar no ponto certo onde se consegue misturar na força o cuidado, o carinho, e a doçura - salgada, sempre.

o tango, por exemplo, é a arte pura de agarrar quando se dança. a forma como uma mão diz o caminho, como um pé ordena os passos, sempre o homem, a comandar, a coordenar, mas a deixar a mulher brilhar. a dizer o caminho, mas a deixar-se ir atrás. cavalheirismo mais puro, esse cuidado de decidir, mas deixar ser ela a avançar. como quando se abre uma porta e apenas se toca com a mão nas costas, para ela passar primeiro, como que a indicar, discretamente, o caminho. mas a deixar-lhe a opção de ela o querer seguir.. mas voltemos à música, porque agarrar tem de ter ritmo. tem de ter o tempo certo. há momentos para se agarrar com força e outros para quase só tocar. momentos que se agarra, parados, tipo rocha, como quando precisas de chorar no meu pescoço, escondida do meu olhar. e momentos para se agarrar em dança louca, como quando te puxo pela mão no meio da rua, ou quando te agarro no meio da cozinha, beijo inesperado, suspiro no pescoço, e te solto logo de seguida - mas aí, só sei que te agarrei mesmo, depois de te soltar: quando ficas com aquele olhar parado em mim, quase sorriso de lado..

arte maior, saber agarrar os cabelos de uma mulher. a mão presa no pescoço a subir pela cabeça, lentamente, mas de pulso forte, entre força e vontade, mas sempre carinho. fica-se ali na tensão, entre te quereres soltar, e gostares de sentir o aperto de quem te quer. mente e corpo em luta. coração e cérebro a discutirem-se entre a liberdade e a entrega. entre a quase dor e o quase prazer. maravilhoso, como o corpo fala ali mais que mil palavras. não há teorias, razões, ou perfis que encaixem melhor, que testem melhor uma relação: é o corpo. é a forma como se move, como se toca, como se entrega. e, se a forma como agarra, diz muito de um homem, diz mais de uma mulher a forma como se deixa agarrar. a forma como se deixa prender, como se entrega, como se confia aos braços do seu homem. como diz, sem falar: sou tua.

:: tocar

janeiro 23, 2015



os amigos de verdade quando se encontram não se cumprimentam: abraçam-se. tem de ser uma regra, não de cortesia, mas de coração. quando chegamos a um café, não bastam dois beijos - é preciso um abraço, um toque de pele, uma presença de corpo. como quando vamos jantar, e ainda na porta, sai aquele abraço rápido. ou no fim da noite, um abraço mais demorado, como que a dizer: porra, foi bom este bocado contigo! lembro-me há pouco mais de um ano, um daqueles amigos de peito foi pai, e sempre que se despedia das visitas lá a casa, abraçava, demorado, de lágrima no olho, tal a felicidade que ele estava a viver. porque o abraço é isso: é mais uma forma de falarmos, de dizermos que queremos, que cuidamos, que agradecemos. uma forma, silenciosamente forte, de dizer que gostamos.

depois há os abraços de amor. em que mais que falar, queremos agarrar, para não deixar fugir. mais que prender, queremos entregar, para sentir a pele quente, o corpo próximo, quase vontade de união. é um misto de cuidado e necessidade, um misto de protecção e fragilidade. quando se abraça quem se ama, temos de dar e receber. temos de segurar, mas ao mesmo tempo, deixar-nos cair braços do outro, sem barreiras, sem medos. arte mais dificil do que parece, um simples abraço de amor - saber o balanço certo entre ser o homem, mas o menino também. em saber agarrar-te como uma mulher forte e segura, mas também como a menina frágil que nunca queres mostrar..

mas os abraços mais únicos, são os safados: aqueles em que se misturam vontade e o carinho, o desejo e o corpo. esses, tem que ter personalidade, impostivios, mas sem nunca passarem do limite certo da força. como quando conduzimos uma dança, a mandar por onde se roda pela sala. ou mais tarde, quando te abraço de mão nas costas e beijo no pescoço, a mostrar-te a vontade. ou quando te puxo o corpo, apenas preso pela cintura, e te arrasto bruscamente pelo lençol abaixo. ficas linda, nesse momento, com aquele ar surpreso, misto de te sentires desejada e dominada. como quando te aperto contra mim e mando no teu corpo enquanto te amo: por segundos, mordes lentamente o lábio, entre a tensão da força e a tesão da vontade. prazer puro. ou mais perfeito, minutos depois, já a respirar, quando te abraço um bocado de pele, na distância certa entre estar perto e deixar-te espaço para ti. olho no olho, e a minha mão, em pequenos movimentos, fortes, mas doces, quase embalo, até te ver adormecer ao meu lado.

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