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:: o tempo

junho 04, 2012



nunca acreditei no tempo.
chamem-me o que quiserem, mas o tempo é apenas uma forma de nos atrasarmos todos uns em relação aos outros. antes de tudo, a fórmula por que é encontrado o tempo é um pecaminoso ultraje egocêntrico. como se pode apurar o tempo a partir da rotação da Terra?
é quase tão segregador quanto quando se pensava que a Terra era o centro de tudo, quando não passa de um insignificante objecto periférico. se tem de ser um planeta a decidir o tempo, eu quero que o meu tempo seja o de Plutão, um planeta tímido, que não se importa de ser o último da lista.
e porque tem de ser um movimento de rotação?
não porque seja básico, é apenas cíclico. sempre gostei de ângulos rectos. se tenho de me guiar por alguma coisa, que seja algo que ande em ângulo recto.

é terrível poder escolher religião, partido, nacionalidade, profissão, prato favorito, cor das meias, azulejos da casa de banho, gasolina 98 ou 95, papel higiénico folha única, dupla ou tripla, tamanho do nariz, tampão ou penso, as pedras que se pisam, a chuva que se apanha e não poder escolher a medida de tempo que toda a vida nos vai limitar a existência.. '


'adaptado do amigo manel aka diospiro joyeux

:: red

junho 02, 2012


gosto de peixes vermelhos.
o primeiro inquilino do T2 foi um red fish e um vaso transparente. a casa mesmo vazia ganhou vida.e decoração, com os seixos pretos da arrifana em fundo.
os peixes de água fria são o ideal para uma casa pequena: não deitam pêlos, nem cheiro, não fazem barulho, nem saem da área reservada. e o tratamento é simples. acima de tudo gosto da facilidade de os ter por perto. não complicam. se estou desligado, fazem apenas parte da decoração. se tiver mais virado para a interacção, basta chegar perto do vasoquário e eles pulam direitos ao vidro numa dança calma, como se tivesse estado sempre por perto.

é importante esta qualidade que alguns 'seres' possuem: a facilidade de estar por perto.
como os amigos irmãos, aqueles que são quase família, mas sem laços de sangue. é fácil tê-los por perto; adaptam-se às circunstâncias e facilitam a vida de quem com eles convivem. 
numa festa, num jantar, num encontro, se tivermos de prestar atenção a outras pessoas, os amigos irmãos sabem gerir o seu espaço, encontram conversa com alguém, distraem-se, riem-se, ocupam-se. decoram, numa forma muito positiva do termo: dão cor e vida aos momentos.

podemos estar na mesma sala, não falarmos horas, não conseguirmos trocar um olhar sequer, mas quando por momentos nos cruzamos, basta um toque, uma palavra, para saber que estão lá, atentos, disponíveis como sempre, para hoje, ou para outro dia, se hoje for complicado. 

sabemos sempre que mais longe ou mais perto, mais próximos ou mais distantes, o momento em que conseguirmos falar, será apenas a continuação da conversa do ultimo encontro. com estas deliciosas criaturas a saudade não tem a ver com a distância, ou a ausência, mas apenas com a falta de tempo para as viver mais.


:: millôr

junho 01, 2012




- pensei que se vangloriava de ter comido cinco mil mulheres?
imagina!, imagina. as pessoas assumem as coisas pelo lado vulgar. não estou interessado, nem nunca estive, em ser atleta sexual. o meu interesse foi sempre, e consegui isso inúmeras vezes, comer a alma da mulher..

- amigas é um eufemismo para dizer lovers? amantes.
amantes durante um certo período, sem nenhuma promessa de fixação, de casamento. chega um momento em que uma pessoa se cansa, naturlamente, porque aparece um mais curioso, um mais bonito. sofre-se. mas para um pessoa como eu, acha que isso faz parte do jogo

- sofre por amor? cansa-se do outro?
amantes durante um certo período, sem nenhuma promessa de fixação, de casamento. chega um momento em que uma pessoa se cansa, naturlamente, porque aparece um mais curioso, um mais bonito. sofre-se. mas para um pessoa como eu, acha que isso faz parte do jogo. sofrer por amor so existe quando a pessoa, de uma forma ou de outra é abandonado. agora cansar-se do outro, é universal. não há hipótese. eu tenho uma frase que é muito aplicada a isso: como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos muito bem!!

- fala de solidão. mas sempre andou muito bem acompanhado..
eu não sou conquistador. não sou mesmo. ou por outra, sou conquistador, quando estando diante de uma mulher me sinto atraído e sem querer faço gracinha, sem querer sou interessante..
vou te contar uma historia: eu estava em Roma, na casa de uns amigos. algumas semanas depois, a mulher do meu amigo pegou no avião e veio para cá, para se entregar a mim. pensa que é uma doidivanas, uma louca? pensa que fiz alguma graça especial? não, eu estava lá, simplesmente vivendo.

' millôr fernandes, um brasileiro único. partiu na semana passada: rip millô.
entrevistado por anabela mota ribeiro. WEEKend 24.out.2mil8 (jornal negócios)

:: travelers

abril 12, 2012



_ We're probably the first tourists they've had since the war.
_ Tunner, we're not tourists. We're travelers.
_ Oh. What's the difference?
_ A tourist is someone who thinks about going home the moment they arrive, Tunner.
... Whereas a traveler might not come back at all..'



' diálogo de Kit Moresby, no filme The Sheltering Sky, de Bernardo Bertolucci.

:: casa no campo

março 29, 2012



uma das coisas que me sinto sortudo é por tudo o que já vivi. mais que coisas que tive, que sitios que visitei, mais que grandes feitos, são as coisas pequenas que me fazem grande a vida. e uma delas é ter nascido numa aldeia pequena. tão grande. a Póvoa tem quatro estradas e um cruzeiro que as junta numa cruz. tem o café da fonte, a mercearia do nuno, e o clube. e muitos primos. quase todos. daquelas aldeias em que todos se conhecem pelo nome, pelo apelido do pai, pela alcunha do avô. tem bailes e imigrantes nas noites de verão, tem céu estrelado o ano todo, e um cheiro quente a fumo de lareira, nas noites frias do inverno. e tem a minha casa. no campo.

a minha pequena casa do campo é linda. paredes brancas, janelas de madeira, muita calçada, um portão com o nome da familia, e um relvado feito jardim. uma nogueira já de três gerações, árvore forte, que marca os genes. a minha casa do campo tem sempre amigos e porta aberta. muita música, petiscadas e vinho noite dentro. tem dois cães gigantes, loucos e desobedientes, como os bons tem de ser - carinho permanente. tem sempre alguém que entra sem perguntar se pode. porque as portas não tem campainha: chama-se de voz alta, já dentro de casa. tem família. sangue do meu sangue. tem a ti'Linita, vizinha do lado, mulher de luto preto, mas sempre de sorriso pronto. e tem a ti'Dete, pura e forte, sempre a guiar o seu tractor. a avó eterna..
 
a minha casa do campo, não é minha. é dos meus. de todos os que sabem lá fazer a casa deles. já foi dos meus avós, é dos meus pais (obrigado) e há-de ser dos meus netos. imagem bonita, imagiá-los a correr por ali, crianças tontas a abusar do meu reumatismo. e tu - basta uma árvore, uma rede, um relvado, uma toalha estendida, um sol quente e paramos ali. no nosso pequeno grande mundo. a nossa casa do campo tem um pôr-do-sol no horizonte, por cima das vinhas lá em baixo. tão simples.


:: mais-que-imperfeito

março 22, 2012



vejo os ícones dos 'conteúdos' media como uma tentativa de impingir um sócio-perfil ideal: todos temos de ser perfeitos. por exemplo, nos policiais, voto contra os policias, detectives, adivinhos, escritores e afins que sabem sempre tudo sobre os crimes mais estúpidos, brutais e parvos. sou contra os criminosos que se deixam sempre apanhar com as pistas mais óbvias. os maus que são sempre burros, os bons que acertam sempre o palpite mais impensável.

gostava mais, muito mais, dos blues de hill street: venham de lá os antigos carros azuis, a cair aos bocados, os policias bons da fita, mas que mesmo assim falhavam tantas vezes como erravam, que não sabiam de metade da poda, que se enganavam uns aos outros, que fuçavam contra os chefes, que se apaixonavam por relações impossíveis, que choravam baba e ranho, que eram feios, que não sabiam dizer nada no tempo certo. que eram reais! daqueles 'conteúdos' que não precisavam de truques de cor e imagem, mas que por serem tão crus, eram bem mais parecidos com a vida. como o que somos. como o que apanhamos todos os dias pela frente.

raios partam os idealistas que querem vender-nos a perfeição como o ícone desejado. eu gosto de pessoas que erram, com defeitos e manias - mas que são pessoas. basta-me que sejam verdadeiras, que assumam o erro, e que voltem a tentar, sem receios. pessoas que sejam empreendedoras porque o sentem lá de dentro e não porque simplesmente agora fica bem. já não há paciência para os 'novos lideres' formados em fornalhas, cheios de pseudo soft skills empacotadas, já com os livros todos de auto-ajuda papados. bullshit! é que - tal como nas séries da moda - tudo isto não passa de cenário.. vai-se a ver o conteúdo, e nada. vazio completo.

ps: um dia destes arranjo um teste de personalidade que reconheça a humildade, o humor e a inteligência. aposto que os resultados de perfil serão os opostos da prepotência, do auto-convencimento e da chico-espertice.

:: maresia

março 13, 2012



maresia: le odeur de la mer

gosto de vilas piscatórias. daquelas verdadeiras, que ainda tem barcos e pescadores, que ainda se cheira a maresia e a peixe fresco. em que as gaivotas acordam o dia. dessas vilas em que o mar está sempre perto: na paisagem, nas conversas, no trabalho e no prazer. quando preciso de descanso, do puro, uma vila piscatória é o meu paraíso, especialmente nestes invernos quentes. que tenha praias desertas, ruas semi-vazias, um silêncio sepulcral e paisagens a toda a vista, por entre estradas de terra e escarpas sobre o mar. das que se fica com o gosto do sal na pele e com aquele ardor nos olhos, do brilho do sol reflectido no oceano.

porque depois de mergulhado em agendas, computadores, imaquinas de todo o tipo, telemóveis a rodos, pressões, pressas e apressados, nada sabe melhor que parar. literalmente. desligar o botão, deixar o corpo em auto-gestão: viver ao ritmo do sol, ao som das ondas, desfrutar a comida, a leitura, a companhia. sem urgências, sem horários. caminhar. pôr os sentidos em ordem.

gosto particularmente de uma dessas vilas, em que posso acordar em cima do porto, a ouvir os barcos de pesca a sair de manhã, lentamente, quase veludo a deslizar na água. nesta vila tem-se ainda o prazer absoluto - e geograficamente único - de ver, no mesmo mar, o nascer e o pôr do sol..
já me cheira a maresia, e ainda nem saí da sala.

:: amigos

março 06, 2012



   verbo regular: a amizade. pelo eterno MEC.
   [escrito em papel, como deve ser..]

:: tédio: o intermédio

fevereiro 16, 2012



'eu não sou eu nem sou o outro, sou qualquer coisa de intermédio: um pilar da ponte de tédio, que vai de mim para o outro'. os momentos mais difíceis da vida são os intermédios. aqueles momentos em que mudamos qualquer coisa, em que deixamos para trás um lado da ponte e atravessamos para o outro. o intermédio é aquele ponto em que ainda não se tem o que se quer, mas que já não se tem o que se tinha. a cabeça enche-se de dúvidas, de incertezas se é mesmo por ali. porque sabemos que estamos a ganhar um mundo melhor, mas a perder o que já tínhamos. o que já era nosso. e por isso, por ter tanto de nós, mesmo que não nos fizesse feliz, pertencia-nos.

a travessia é ainda mais penosa quando a mudança não é do mau para o bom, nem da chuva para o sol. porque às vezes apenas queremos mudar porque deixou de fazer sentido. não porque se vive mal, mas porque não se vive completo. porque gosta-se, mas não se ama. porque quere-se, mas não se vibra. porque toca-se, mas não se deseja. e fica sempre um misto de frustração porque também fomos causa do fim. porque a dança é sempre de dois. e ali, tropeçamos juntos. mas é também ali que sabemos que - por nós - temos de avançar, temos de ser um pouco egoístas e olhar o outro lado da ponte, onde nos sentimos mais quentes, mais felizes, mais completos em todos os pequenos campos da nossa vida. sabemos que ainda está longe, mas é já tão mais gratificante. sabemos que ainda incompleto, mas é já tão mais único e intenso.

é no intermédio que o amor se testa, se prova, se agiganta. o amor de quem atravessa a ponte, que tem de carregar uma vida, os laços de uma família, de uma terra, que se leva nos ombros, devagar, passo a passo. ponte dura de passar, cheia de cordas que prendem atrás. mas cheia de esperanças que nos ligam ao futuro. e aqui, é a certeza do que se quer, a certeza do que nos faz verdadeiramente feliz, que nos dá força. e é aqui que se prova ao outro lado tudo o que se quer. a prova mais imensa: quando alguém está disposto a mudar uma vida por amor. é no intermédio que o amor se testa, se agiganta - também muito o amor de quem está do outro lado da ponte, a puxar, a gritar, a chorar, a sorrir. a dar o peito a todas as facas, a segurar todas as cordas ainda presas. a pedir: deixa-me trazer-te ao colo, a ti e a a todas as tuas malas. a pedir: deixa-me ser o braço que sempre achaste que não precisavas. mas por respeito, a não impor. mas por respeito, a não sobrepor. apenas a dar a mão. apenas a amar. apenas a vibrar. apenas a desejar. apenas a querer ser tudo. já..

:: 14.02 (sic)

fevereiro 14, 2012



cheguei à florista habitual e para surpresa minha estava uma fila até à porta.
pensei para mim - 'que raio deu hoje a esta gente toda!!' - sem sequer me lembrar da data. 

atenta, a D. Maria chama-me lá do fundo do balcão: 
- esse senhor passa à frente, que é cliente habitual, graças a Deus não vem cá só uma vez por ano..

depois de me embrulhar as costumeiras margaridas e rosas, pisca-me o olho e diz: 
- para si é o preço habitual!!
e eu saí, passo apressado, com a estranha sensação que hoje não devia ter lá ido. 
hoje, decididamente, não é dia de oferecer flores..


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