disse-te uma vez que não sou pessoa de mar calmo.
não gosto da água morna, do mar parado, das ondas de um palmo. essa quietude pode acalmar, mas não sossega. pode parecer que o mundo está seguro, mas não, está apenas acomodado. gosto do mar bravo, fundo, das ondas altas, cheias de corrente, que puxam e repuxam, que levam e trazem. gosto de mergulhar até ficar sem fôlego, quase sufocar, mas ter aquela sensação brutal de sair em direcção ao céu e sentir os pulmões a encher de novo. e mergulhar outra vez.
há quem viva assim, nesse mar calmo, feliz na praia de areal liso, no sol certinho, sem brisa a incomodar. não sou melhor, nem pior. sou diferente. porque não me chega viver só o cómodo ou o bom. preciso do incómodo, do mais-que-bom, do inesperado, do limite. porque nada me faz trocar a brisa fria de sagres, pela agua quente do resto do algarve. nada me faz trocar o nevoeiro matinal de óbidos, pelo sol certinho da comporta. ou cheiro a sal e iodo da tocha, pelo areal confortável da figueira.
levo a vida assim, o que é bastante confuso para quem vive ao meu lado. quando esperam que me acalme no mar morno, eu volto a fugir para a corrente. quase milagre é encontrar quem viva no mesmo limbo. quem tenha uma vontade férrea de lutar pelo que quer, que abandone o confortável, para ter o mais-que-bom, mesmo que correndo o risco de não chegar lá. mesmo que corra o risco de ser levado pela maré forte. mas que importa, tentaste pelo menos. abandonei de vez o padrão de viver na linha da água, a boiar, calmo e sereno. vou continuar a mergulhar contra a onda alta, de olhos abertos, a sentir o ardor do sal na pele, o frio do vento ao pôr-do-sol. a pele enrugada das horas demasiadas na água. disse-te uma vez que a minha alma era como a tua: não gémea, não igual, mas a mesma alma. brava, louca, entregue ao limite que sabemos existir. por isso vem, agora, e mergulha comigo..