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:: tranquilo com a vida

fevereiro 09, 2012



hoje em dia minha vida vai ser diferente
calça de pijama, camisa listrada, sandália no pé,
andar pela praia vou fazer toda manhã
e até moça bonita vai ter, se Deus quiser

e assim vou eu
tranquilo com a vida
à espera da noite já solta no ar
como um manto de estrelas com que se anuncia, e se multiplica nas ondas do mar


vou parar nos cafés pra ouvir historinhas, coisas da vida que um dia vão ter que mudar
quero ser um mulato que sabe a verdade, e que ao lado dos pobres prefere ficar
da minha favela,eu vejo os grã-finos, morando na praia, de frente pro mar
não devemos culpá-los, são prestigiados, que um dia entre nós vão voltar a morar
e assim vou eu
tranquilo com a vida
à espera da noite já solta no ar
como um manto de estrelas com que se anuncia,
e se multiplica nas ondas do mar


/ samba: tranquilo da vida
/ letra: oscar niemeyer, o arquitecto de 103 anos (!!), que nasceu na mangueira
/ ouvido na tsf, com fernando alves - sinais

:: a boneca Emilia

fevereiro 08, 2012


sítio do picapau amarelo:
Emília foi uma boneca feita por Tia Nastácia para a menina Narizinho.  nasceu muda e é curada pelo dr. Caramujo, que lhe receitou uma "pílula falante". Emília, então, desembesta a falar: "estou com um horrível gosto de sapo na boca!". Narizinho, preocupada, pediu ao "doutor" que a fizesse vomitar aquela pílula e engolir uma mais fraquinha.. mas, explicou Caramujo, aquilo era "fala recolhida", que não podia mais ficar "entalada".


Emilia é conhecida por volta e meia "abrir sua torneirinha de asneiras", principalmente quando quer explicar algo de difícil explicação ou justificar uma acção ou vontade. além de falar muito, também costuma trocar os nomes de coisas ou pessoas por versões com sonoridade semelhante. Emília é uma boneca de pano, bonita, recheada de macela. ela troca de vestido, é consertada ou é recheada novamente. sempre bonita. Narizinho também faz e refaz suas sobrancelhas, e seus olhos (que são de retrós e por isso arrebentam em choro, se Emília os arregala demais).

Emília começou uma feia boneca de pano, dessas que nas quitandas do interior custavam 200 réis. mas rapidamente evoluiu, e evoluiu cabritamente - cabritinho novo - aos pinotes. por ser uma boneca, embora evolua e vire gente, Emília pode cometer impunemente pecados infantis como birra, malcriação, egoísmo, teimosia e espertezas. diz o que pensa e quando leva bronca, finge que não é com ela. não teme nada, apronta todas e é cheia de vontades. "Emília é uma tirana sem coração. também é a criatura mais interesseira do mundo. Só pensa em si, na vidinha dela, nos brinquedos dela".

.. e assim, numa busca à recordação mais antiga de uma imagem feminina adorada, eu percebo o perfil do meu gosto: a atracção fatal pelo psicótico-egoísta, compensado pelas sardas doces no rosto, feito boneca, a necessidade de cuidar, os olhos com pestanas longas, a franja, o corpo esguio..
ah, Rei Édipo, partidas destas não se fazem!!!

:: rir-de-si

fevereiro 08, 2012



moreno português,
cabelo asa de corvo, da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
se a visagem de tal sujeito é o que vês [omita-se o olho triste e a testa iluminada]
o retrato moral também tem os seus quês [aqui, uma pequena frase censurada..]

no amor? no amor crê [ou não fosse ele O'Neill!]
e tem a veleidade de o saber fazer - pois amor não há feito - das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
mas sobre a ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse..



texto = auto-retrato, por Alexandre O'Neill 
música = fado das horas, por Carminho & Nicolas Jarr

:: a fé

fevereiro 07, 2012



' tem sido bom viver estes tempos felizes e difíceis, porque uma vida boa não é uma boa vida.
estou agora num combate mais pessoal, contra um inimigo subtil, silencioso, traiçoeiro. neste combate conto com a ciência dos homens e com a graça de Deus, Pai de nós todos, para não ter medo. e também com a família e com os amigos. esperando o pior, mas confiando no melhor. seja qual for o desfecho, como o Senhor é meu pastor, nada me faltará.'
/*


de entre as perdas de pessoas na minha vida, as que mais me doeram, pelo inesperado, foram pessoas de fé. de muita fé. partidas injustas, imerecidas. para quem foi - cedo demais. para quem ficou - desamparado, sozinho demais. nesses momento questiona-se sempre o Deus que não as protegeu, que não as tratou como deviam. o Deus que tanto adoravam.

eu, me confesso, especialmente nesses momentos, não sou um homem de fé n'Ele. sou mais da fé nos actos. nas atitudes, nos gestos. acredito pouco no que se murmura, no que se promete, no que se penetencia. acredito mais no que se faz, no que se dá, no que se entrega. acredito mais nos homens, que nos Deuses. acredito mais no Amor, do que na adoração.
a fé que sempre me fez correr foi o sorriso no rosto do próximo. foi o carinho sentido, a ternura partilhada. a ajuda entregue. não a piedade, a misericórdia ou o sofrimento em nome de alguém que não está sequer presente.

mas, por mais paradoxal que seja, foi a fé destas pessoas que partiram - no momento em que partiram - , que me fizeram acreditar em algo superior. a paz que sei que cada uma teve. a pureza como sempre enfrentaram o destino, inesperado. a forma como sempre deram a cara à luta. só pessoas com uma fé tremenda conseguem ser assim. tão puras e com tanta força. que tinha de vir de algum lado mais espiritual que físico. provavelmente da mesma fonte do sentimento, inconsciente, que me indicou o exacto momento em que devia despedir-me. que numa ocasião me fez não voltar atrás para ter uma discussão sobre coisas mundanas e me deixou assim um riso como a ultima recordação. e que noutra ocasião me fez, sem tempo, contra as pressas de todos, desviar do caminho cinco minutos, e me deixou assim um sorriso. como ultima recordação.
..
.


/*/ excerto da última crónica de Maria José Nogueira Pinto

:: portugallidade

dezembro 09, 2011



gosto da portugalidade, aquela coisa da alma, que sentimos sem saber bem como, nem porquê. que vem lá de dentro e nos identifica entre os nossos. como o quim e o rui. os homens das raízes que se misturam, da pronúncia do norte, da asneira marota, do trabalho a pulso, do não embalar no sistema, do acordeão ao desafio, do binho e da castanha. da lareira e da vindima. do abraço e da saudade boa.

não a portugalidade do fado triste - essa tem outra beleza -, mas sim daquela que nos levou a emigrar vezes sem conta, contra os mouros, contra os mares, pela europa, pelo brasil, pelos 'estates', e por todos os outros pontos do mundo onde estamos de bandeira posta. a portugalidade da força de rir sempre por cima da desgraça. de encolher os ombros, esgar a dor, e continuar em frente. com menos lamúrias e mais aventuras. que há terceira é de vez, que quem corre sempre alcança, que a sorte protege os audazes. a portugalidade do chalana e do futre (sim, a portugalidade do futebol - a nossa melhor marca), dos empresários que vingaram a partir do nada, dos arquitectos loucos, dos escritores alucinados, dos marinheiros sem medo, que sonharam e o mundo pulou e avançou!

só com esta raiz bem funda que percorre o nosso carácter, conseguimos pegar numa musica dos beatles, juntar-lhe acordeão e ferrinhos e fazer uma coisa assim: nossa. muito nossa. um jazz bem disposto, a sorrir e a dançar, a cantar e a desafiar. porque não gosto de dar de beber à dor, que isso só piora a coisa. que se calhar nem está assim tão mal. que amanhã é o primeiro dia, que o mar há-de sempre ir e voltar, que as praias e os barões assinalados serão sempre nossos, que o engenho e a arte nos haverão de ajudar!!


ps: por tudo isto não percebo porque raio a optimus teve de começar (o que podia ser) uma boa campanha, por copiar - literalmente - um anuncio já feito e refeito. enfim, triste fado dos que continuam agarrados ao que é dos outros. o que no caso da optimus já não é defeito: é feitio.

:: o nosso filho

dezembro 07, 2011



ter um filho é o acontecimento de maior realização na vida de alguém. sentir que um ser nasce a partir de nós, que será cuidado por nós, que irá crescer sempre ao nosso lado, ter opinião, atitude, princípios, forma de estar, que serão sempre um espelho de nós. um espelho do que educamos, mas muito mais um espelho do que somos. pode-se amar muito alguém com que nos cruzamos na vida, mas nunca tanto como aos nossos filhos. nem sequer com quem o fez junto. sangue do nosso sangue, pele da nossa pele, o carinho de um filho é sempre maior que o carinho de qualquer pessoa. a felicidade de ver um filho sorrir, vê-lo feliz, realizado, em paz, é único. hoje, que o aprendi, esforço-me muito mais para mostrar aos meus pais que estou bem, realizado, feliz. porque sei que é um sossego para eles. que se sentem melhor, por me saber melhor.

com os ritmos desta vida louca, que tantas vezes quebra o caminho originalmente pensado, as novas famílias trazem consigo os novos pais: os pais dos filhos que já existem, que serão nossos por interposta pessoa, e não nossos de sangue. admiro, muito, sempre que vejo alguém cuidar com ternura do filho de outra pessoa como se fosse dele. quando se quer com o mesmo carinho, o mesmo cuidado, como se fosse nosso. quando se tem a mesma aflição permanente..
eu nunca tinha amado por interposta pessoa. amei os meus pais porque são meus, a minha família, porque é minha. por isso é tão novo e desafiante amar um ser, não por ele (ainda), mas por ser filho de quem é. amar o filho de com quem estamos, é das maiores provas interiores - para nós próprios - de querer. e de vontade, férrea, de ter uma família, uma história com quem amamos.

e desafiante: a um filho nosso pode-se berrar, exigir, mandar. sabemos que ele nos irá querer sempre, só por sermos quem o trouxe a este mundo. ao novo filho, temos de conquistar, de cativar. temos de ser o pai, mas também o conquistador. temos de amar, mas também saber fazer com que nos amem. por isso, os novos pais são postos ainda mais a prova. são pais e namorados do mesmo filho. são educadores e, ao mesmo tempo, conquistadores. desafio docemente único. sim, eu amo o teu filho, porque é teu. será um dia um bocado meu, mas será sempre primeiro teu. e de quem o criou contigo. mas ver-lhe um sorriso por minha causa, faz-me feliz. saber que ele pergunta por mim, faz-me feliz. ouvir-te dizer o nosso filho, é a emoção mais pura numa palavra tão simples: nosso. porque mesmo sem o ser, anseio, vibro, sinto-me, todos os dias, pai dele. porque é o nosso filho. como o nosso amor.


ps: dedicado a alguém que conheço há 33 anos, e que é uma doce nova mãe exemplar..

:: ortografia

novembro 22, 2011



divertimento com sinais ortográficos 
(O'neill)

?
serás capaz
de responder a tudo o que pergunto?


?
gosto de quem responde
antes de perguntar..

( )
quem nos dera bem juntos,
sem grandes apartes metidos entre nós

,
quando estou mal disposta
(e estou-o muitas vezes)
mudo o sentido às frases,
complico tudo..'



nota de redacção:
tinha de ser feminina, a vírgula,..

:: around & around

novembro 18, 2011


[ pré-script: ligar o video antes de ler ]


apagar o despertador.
abrir um olho. o outro. deslizar da cama. mexer.
ligar o radio. mexer. tomar banho. ver as horas. vestir, sair, conduzir.
chegar. dizer bom dia. ligar o computador. descer ao bar, ler o jornal, cheirar o café
sentar, telefonar, reportar, criar, divulgar, reunir, discutir, consensualizar.. trabalhar.

o comboio dos dias torna-nos quase máquinas: programadas, treinadas, especializadas.
a única cura para a repetição é conseguirmos enganá-la: sermos repetidamente diferentes.
baralhar as contas do programador chefe - o destino, digo eu - introduzindo uns bugs necessários.
o bug do almoço na esplanada, do cinema ao fim da tarde, do concerto à semana, do fim-semana bem longe daqui. mais os super bugs das viagens repentinas, os jantares tardios e as tardes off. sem ligações nem botões. off. off. off. ou o bug supremo de levar a coisa a cantar, repetidamente, com um sorriso sádico na cara: repito, mas à minha maneira. e só porque quero. e até gosto!



lyrics : Around the world , around the world Around the world , around the world Around the world , around the world Around the world , around the world Around the world , around the world Around the world , around the world Around the world , around the world Around the world , around the world Around the world , around the world Around the world , around the world Around the world , around the world Around, the world , around the world Aroun... ∞

:: o gerúndio

novembro 11, 2011



paguei o táxi, bati a porta e segui a bater perna em demasia para as horas.
pressa para quê, afinal? um jantar de sábado, combinação portuguesa, nove, nove e meia, disse ela.
ainda um quarto de hora e eu já no quarteirão. pressa para quê?
domestiquei os passos, abrandei o fôlego.

pensei que ser pontual não é chegar antes, é chegar à hora certa. lembrei-me do meu pai a dizer que as estações se fizeram para esperar. ele, que sempre andava à frente quando caminhávamos para algum lugar, ansioso por ir, sempre com a cabeça no lugar seguinte, nunca com os pés no chão do momento, sempre mais preocupado que ocupado, nunca aqui, nunca agora, sempre atrasado para chegar para chegar a algum lado de onde teria pressa de partir mais cedo do que nós gostaríamos.até que um dia partiu, mais cedo que nós gostaríamos, deixando-me de herança esta pressa de sair antes de chegar..

o caminho era curto, acabei por chegar dez minutos antes das nove,
ou quarenta antes das nove e meia.. combinação portuguesa, tudo é relativo.
mas que raio vou eu fazer no restaurante, à espera, sozinho?
as estações fizeram-se para esperar. bem sei, bem sei. mas de que me serve isso se todo o tempo lá gasto é uma falta de ar pelo comboio que não chega?

ficou-me de herança, este não saber estar simplesmente estando. assim, mesmo, no gerúndio. um gesto em andamento, um agora que se estende, um caminho que se vê acontecer por dentro. mas haverá tempo para viver? creio que o meu pai nunca o descobriu, logo ele, alentejano, nativo da República do Gerúndio..
o pretérito foi, ou era, perfeito ou imperfeito, extinguiu-se.
o futuro é uma dependência do condicional, não existe por si.
o presente é minha invenção: no preciso momento em que o nomeio, já lá não está.
sobra o gerúndio,
uma espécie de ansiolítico semântico,
uma coisa que se vai dizendo sem pressa, nem prazo de validade..

pedi uma garrafa, fui bebendo, conversando comigo.
e acabei por entreter bem as horas assim,
ocupado nesta coisa de aprender a me desocupar..  escrevendo.



o texto /adaptado de João Pedro Oliveria /revista fora de série /económico

a banda sonora /frivolous /wasting time

:: 60's lifestyle

outubro 17, 2011



tenho pena. muita pena. só nasci nos 70. portanto.. perdi totalmente os sixty!!
deve ter sido brutal: musica groovie, divertida e simples. cinema francês, meninas de franja, mini-saia, hippies com pinta (e não sujos rastas), gente magra esbelta (e não magro anorético), cheias de sensualidade e estilo (coisa difícil de conjugar). peace & love, doors & velvet undeground. os românticos franceses, as guitarradas beach boyanas. muito sol, praia, descapotáveis, vespas italianas, vinyl aos rodos e fitas de bobine. bossanova e garotas de ipanema. martini e agentes secretos. casablanca e picasso. barcelona e brigit bardot.


resta ‘repicar esses discos’ para perceber o espírito e re-encarnar em versão digito-googliana. afinal, parece que o argumentista do sex&city percebeu logo a coisa: sim, é um homem, e sim, a múscia da série é de um tema dos anos 60: ‘mini-skirt’.. elementar.

post script: resta-me ficar feliz pelos meus pais que se andaram a divertir à grande nos 60 (a minha mãe ficava um espanto de mini-saia e tacos altos. e o meu pai de blusão de cabedal. que pinta!)

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