:: o rimmel, apenas

março 19, 2014


Eugène Rimmel (1820) nasceu em França e cedo emigrou para Londres onde ajudou o pai na perfumaria da família. apaixonado pelas actrizes de teatro inglesas, criou vários produtos de beleza para elas, sendo considerado como o pai da cosmética feminina - e o rimmel o seu produto mais famoso. assim, com um bocado de história, tenho ainda mais certeza que o rimmel é definitivamente "o" cosmético. confesso que tudo resto para mim já é adereço: batons, bases, blushs, máscaras -whatever-, já são demais. um rosto feminino tem de valer por si, pelo seu brilho, pela alegria - ou melancolia -, mas sempre pelo que transmite. e o rimmel é o único cosmético que não disfarça, não engana, não troca o tom. simplesmente destaca o essencial de um rosto: o olhar.

o raio do rimmel, invenção perfeita, tem uma qualidade única: é multifacetado. é o equivalente a um blusão de cabedal preto no roupeiro de um homem: dá com tudo. uma mulher pode estar mais desportiva, mais discreta ou mais efusiva, com cabelo despenteado ou na perfeição de um jantar de gala, que o rimmel fica sempre bem, complementa sempre. mesmo discreto, no meio de todos os outros cosméticos, marca sempre! mas uma mulher que usa rimmel, apenas, prende-me definitivamente a atenção. porque implica uma mistura de confiança e transparência, de certeza em si: na personalidade do rosto e na profundidade do olhar. beleza pura.

o rimmel tem ainda uma diferença que o torna invejável: é o único cosmético que fica bonito quando esborrata. uma mulher que chorou, por dor, por alegria, ou apenas por desabafo, e que esborratou o rimmel, fica ainda mais bonita. quando aqueles traços a preto no rosto mostram as marcas do choro, do sentimento que saiu na forma mais sincera: uma lágrima.
é sempre um momento de ternura imenso quando salivo o dedo, e te limpo as marcas debaixo dos olhos, antes de te sossegar a cabeça no meu peito. como é ainda mais doce, quando acordo antes de ti, vejo o sol a aparecer na tua pele, semi-tapada pelos lençóis desanjarrados, e deixo-me ali, até acordares, me sentires ao teu lado, e soltares um sorriso lento, preguiçoso, mimado, enquanto sussurras baixinho que me amas - com aquele brilho doce nos teus olhos, vestidos de rimmel, apenas..

:: o palato

março 11, 2014



o palato é aquela coisa que nos deixa perceber o sabor da vida. no inicio aprendemos a distinguir os sabores básicos: o doce e o salgado. o açúcar que acompanha o café da manhã, que fecha a refeição, seja no doce ou na fruta. tal como com as pessoas doces, o açúcar acalma, harmoniza, sossega. o sal por contraponto espicaça os sabores, solta o paladar para as carnes, os peixes, os legumes salteados. deixa-nos com sede, puxa pelo vinho, pela cerveja, pelo espumante. uma pele a saber a água do mar torna qualquer beijo mais apetecível, desejado mesmo. tal como as pessoas salgadas, o sal puxa pelo lado mais saboroso, destaca, revela.

mais tarde aprendemos a gostar das misturas. como os scones, com o formato açucar/sal, aquele agri-doce que nos deixa confusos, que nos baralha a percepção, mas que estimula a atenção. uma pessoa demasiado doce, enjoa. uma pessoa demasiado salgada, cansa. mas aquelas personagens de toque agri-doce apaixonam, entre o doce carinhoso e o salgado safado. aquele dá e tira. aquele lamechas que diz a declaração mais intensa e no momento a seguir goza com o maior dos desplantes. mas com a idade refinamos a coisa, conhecemos mais sabores, mais mundos, e descobrimos os sabores mais intensos: a pimenta sempre forte em cima da massa, a hortelã caída no meio do gin, a lima amarga no meio da tarte doce, o gengibre a cortar o sushi pálido. e juro que nas pessoas vai sendo exactamente o mesmo: com a idade, há sempre um sabor novo, uma mistura inesperada, mais uma hipótese de ementa.

até que um dia, descobrimos o jindungo. uma espécie de piri-piri, mas mais forte que tudo. mistura de pimenta com picante, sabe à força do calor. daqueles sabores que entram na boca e estrilhaçam tudo o que conhecíamos antes: mais forte, mais intenso, shot de sabor, deixa-nos com um esgar de olho, um arrepio na garganta, e um sorriso no nervo. agora, perfeito, é ter a arte e engenho para misturar tudo isto numa única ementa, daquelas com um prato para cada dia, sempre bom, sempre a saber a mais. ou então, ter a sorte de encontrar alguém que tenha estas coisas todas: o açúcar no olhar, o sal no corpo, a pimenta na língua, o gengibre na boca e uma alma jindungueira - daquelas que estrilhaçam tudo. e raios míuda, tu, jindunga disfarçada de cupcake, és a ementa perfeita para o meu palato: puxas-me todos os nervos, deixas-me a boca em festa, e os olhos a brilharem. tu, deste-me cabo das certezas, dos sabores que tinha, das misturas que controlava. melhor, soltaste o jindungueiro que havia em mim. e hoje, sei saborear melhor a vida. alma gémea? mais que isso, palato igual..

:: my baby

março 11, 2014



when a man loves a woman, can't keep his mind on nothin' else,
yes,when a man loves a woman I know exactly how he feels,
'cause baby, baby, you're my world..


tu, és a mulher mais perfeitamente imperfeita que conheço. feitio bravo, gajão sempre alerta, cheia de defeitos, de tropeções, de coisas que ias fazer mas não fizeste - que adias sempre mais um pouco. gaja independente, sempre a precisar daquele espaço só dela, a desaparecer umas horas. sempre ligada, mas lá no teu canto, na cadeira do cigarro, longe de todos e de tudo. na tua toca, onde te sentes protegida só contigo. e o que eu amo - ou aprendi a amar - essa tua forma de saberes estares bem só contigo. se saberes ser só por ti. e como ficas bonita a berrar-me quando quero tratar de ti, só porque não estás habituada a isso. reages como se não gostasses, como se não fosse bom. e sentes-te tonta, dividida, entre quereres tanto que te ampare, e o quereres tanto continuar a ser só por ti.

tu, és a mulher mais inteira que conheço. a mãe perfeita do teu filho, a mãe que há-se ser perfeita dos nossos filhos. por ele fazes tudo, abdicas de ti, da tua vida. por ele gritas-lhe quando não queres, mas que sabes que tem de ser. por ele emocionas-te quando diz que te ama, como se fosses uma criança a receber o prémio da vida. mulher de família, queres sempre o bem de todos antes de ti. porque os teus são mais importantes do que tu própria. porque tu hás-de aguentar, tu hás-de superar, mas os teus não tem de passar por isso - vais sempre protegê-los como se fossem o mais frágil dos cristais. e acredita que isso faz de ti a mais doce das mulheres. e saber-me um dos teus, faz-me sentir o mais privilegiado dos homens.

tu, és a mulher mais bonita que conheço. esse corpo que desliza, ar ginjão de quem se sabe bela em qualquer trapo. tens aquele toque natural que não precisa de adereços, ou pinturas, ou roupas. podes estar nua, vestida, de chinelos, ou de saltos, sabes-te sempre bonita e isso dá-te a maior das belezas num corpo: a confiança. depois esse riso e esse olhar fundo, que trazem essência ao corpo, que dão brilho á tua pele, macia, magnética. que prende, que aquece, que ama. mas és ainda mais incrivelmente bonita por dentro: o que sentes, a forma como vives, como te entregas, até a forma como és bruta quando te ferem. ao teu lado sinto o maior dos carinhos: porque sei sempre que é sincero, nada condescendente, porque sei que nunca me vais dar nada porque te peço, mas só porque quiseste dar. mas o mais bonito do teu amor é a sintonia com o meu. a forma como encaixa, como fomos feitos um para o outro. as músicas, os bons -e maus-  hábitos, a loucura saudável, a sensualidade carinhosa, o prazer lânguido, mas sempre apaixonado. nos teus braços, perfeitamente imperfeitos, inteiros e bonitos, encontrei o meu mundo. e acredita, que emociona-me cada dia, cada hora, cada momento que vivo aqui: em ti, a minha mulher.

:: o dilema da entrega

fevereiro 28, 2014



uma das eternas questões nisto dos amores é aquela dúvida: 'até que ponto nos devemos entregar?'
há quem defenda que devemos ter limites, que deve haver uma espécie de lei da compensação, quase uma balança: hoje dou um bocado, e agora espero que ele dê também, e por ai adiante, passo a passo, calculoso.. não percebo. outros defendem que, pelo contrário, nunca devemos dar tudo, para não 'habituar' mal. ou seja, apenas por estratégia, não vamos ser tudo já, para termos algo para dar mais tarde.. não percebo. há ainda quem dê, para simplesmente poder cobrar no momento a seguir: dei-te tanto, agora quero que me retribuas tudo!!.. também não percebo.

para mim, o dilema da entrega é simplesmente uma não questão. porque quando se quer, quando se gosta, dá-se e pronto. tendo apenas o cuidado da gestão do 'não sufoco', não há cá que ter meios termos, ou calculismos, ou mariquices de balanças. dá-se! e dá-se tudo o que se tem agora! porque se for a sério, descansem que todos os dias vão ter algo novo, maior, melhor, mais intenso para dar. porque quando é a sério, todos os dias cresce mais qualquer coisa: um tique novo, um ponto da pele que afinal também é sensível, uma palavra que ganha novo significado, um riso tonto que se descobre no momento mais íntimo, ou apenas uma música antiga, que de repente passou a ter significado. ou todas as musicas novas, que vão ficar para sempre marcadas entre nós os dois..

eu sou dos que vota pela entrega total, de corpo e alma. sem medos, sem orgulhos parvos, sem receios de dar sem receber. assim, tenho sempre duas certezas: que quem vive comigo tem o melhor de mim, e, que nunca vou, um dia, pensar que podia ter dado mais. e isso, saber que se deu tudo, é um alívio. o mais tonto nisto, é que só quando se entrega tudo é que se cresce como pessoa. ou seja, quem vive nesse dilema, só perde enquanto não avança. hoje, por ter-me entregue loucamente, sei que sou mais homem, mais amante, mais amigo, mais companheiro de quem me recebe. se a habituei mal? ainda bem. porque sei que ela hoje também é mais mulher, mais doce, mais sensual (e esta era difícil), e até lamechas (esta então, era quase impossível). porque sei que ela, hoje, também se entrega da mesma forma, sem medo. e essa, é a maneira mais bonita de me ter agradecido tudo o que lhe dei, sem ter de dizer sequer obrigado..

:: at last

fevereiro 27, 2014



tenho da vida, dos negócios, e dos amores, uma noção um pouco idiota sobre 'razão' e 'coração'. duas coisas que raramente andam no mesmo carril, no mesmo momento do pensamento. coração e razão são tese e antítese, atrapalham-nos os movimentos, confundem-nos na acção: são como duas cordas que puxam para dois lados diferentes. um entrega-se, outro resguarda-se. um sonha, outro desperta-nos. a razão é uma chata: chama-nos à terra, estraga-nos os sonhos, atira-nos baldes de água fria à cara. o coração é um tonto: salta por tudo e por nada, põe-nos a cara vermelha ao primeiro nervoso miudinho, bomba o sangue para onde não deve, enche os olhos de brilho idiota, e a cara de lágrimas lamechas. um diz calma, outro diz, fúria. um pensa, outro sente. atrapalham-se, tropeçam um no outro.

na vida, sempre que decidi com a razão, fiquei aquém do que podia: não arrisquei, preservei-me. na vida, sempre que decidi com o coração - especialmente nos negócios - entrei em becos apertados demais e tive de voltar atrás. deixei-me levar pelo entusiasmo. como viver então? subindo um degrau.. para ver mais acima. é que atrás da razão está a cabeça. e atrás do coração está a alma. e é aí que podemos ser diferentes, quando subimos um degrau e pensamos com toda a inteligência - a racional (a razão), mas também a emocional e a sensorial. quando subimos um degrau e passamos do coração - coisa física - para a alma, essa coisa que existe sem se saber onde. mas que existe. mesmo no meio de um caos permanente, vivo o momento mais feliz e completo da vida. porque - at last - subi esse degrau, porque ignoro a razão e o coração: simplesmente não deixo que me atrapalhem mais!

sem esses limites, vivo com os sentidos todos despertos, a absorver tudo: a razão que me gere os dias, mas também a emoção que vem do riso, do olhar, mas também a inteligência emocional que vem da forma como dois corpos se movem: sim, porque há tanta inteligência em dois corpos que se querem. sem esses limites, sei que amo com a alma, e já não com o coração. porque o coração apaixona-me, mas a alma entrega-me. o coração aquece-me, mas a alma preenche-me. o coração sossega num abraço - a alma só respira no abraço.
pura alegria é quando se descobre uma alma assim, igual - mas também uma inteligência assim, igual. aí, sabemos que subimos ao degrau mais alto: o nosso - a dois. quando de repente, aquela sensação que tudo é maior do que alguma vez imaginamos ser possível, aquela sensação do vazio de palavras suficientemente intensas, quando queremos dizer algo e a garganta fica presa.. por isso aquele nosso suspiro único, mudo, entre risos e lágrimas, quando loucos, mandamos à merda a razão e o coração, e nos sentimos finalmente livres para sermos um do outro. at last..

:: Ti' Aristides

fevereiro 17, 2014


o ti'Aristides era o homem mais charmoso da rua de baixo. casanova reformado, sempre de fato, o chapéu azevedo na cabeça, e o jornal do dia debaixo do braço, enquanto exibia com orgulho o seu calhambeque preto, com os cromados de brilho inatacável. o ti'Aristides era um daqueles marialvas puros, a espalhar simpatia e classe, com aquela serenidade de quem já viveu uma vida que dava um filme: estudou demoradamente em Coimbra, famoso pelas suas serenatas, os seus mil romances e a poesia que declamava num canto secreto do Jardim da Sereia. mais tarde emigrou para Porto Amélia, em Moçambique, onde foi secretário-geral da Câmara da Beira. um dia, reformou-se e voltou para a pequena aldeia, junto dos sete irmãos, acompanhado da paixão da sua vida, mas sempre com aquele toque doce de bon vivant eterno.

não sei se pelo meu riso safado, se pelas bochechas gordas, ou por ser uma criança dada a carros e motas, um dos passatempos do ti'Aristides era passar à porta de minha casa, apitar o calhambeque e levar-me nos seus passeios até à vila. lembro-me de como me inchava o peito quando entrava para o estofo de cabedal preto, a porta que abria ao contrário, e ficava ali, do alto do calhambeque, a ver a estrada, a ouvir a cassete do roberto carlos, e a comer os rebuçados do saco de papel. não me lembro do que falávamos, mas não devia ser coisa boa. aliás, ficou famosa a história da namorada que o ti'Aristides me arranjou: a Carla, a vizinha da casa da frente, que me destroçou o coração, quando partiu para 'a França', quando eu tinha 4 anos.. claro está que eu, romântico precoce, consegui eternizar a namoradinha, quando convenci os meus pais a darem o nome dela à minha irmã. e a Carla assim ficou para a vida na família.

o ti'Aristides partiu cedo e penso que nem me soube despedir dele. mas lá no fundo, acho que ele nunca se despediu de mim. raio do homem encarnou numa das minhas costelas. deu-me este fogo de viver de coração aberto, e aproveitar cada raio de sol com a alegria tonta de quem vive, não para o prazer, mas pelo prazer. esta fixação pelo antigo (retro, diz-se agora), pelo preto e vermelho, esta fixação pela conquista da beleza feminina e pela boa vida. esta paixão e capacidade de entrega aos que amo, sem olhar a meios ou receios.. obrigado, meu Tio!!

ps: há pouco tempo descobri que o calhambeque do ti'Arstides ainda existe. estava a servir numa empresa de eventos: transportava os noivos.. só podia - eterno romântico. mas disse bem, estava. porque em breve, vai voltar ao seu justo herdeiro: eu. 
e já sonho com o dia em que vou levar o meu broto a passear até a vila, com a cassete do roberto carlos e uns rebuçados no saco de papel..

:: be good

fevereiro 13, 2014



há musicas que gostamos. há musicas que nos marcam. e depois há musicas que somos nós. como esta 'be good'.. primeiro, o acorde de entrada. simples, claro. apenas dois toques na corda - como quando te vi na entrada do lux. e umas palmas do público, como quem diz: isto vai ser bom! depois entram os primeiros toques do piano - os teu saltos e o teu riso. depois entra a bateria - o embalo do gregory e o nosso gin. depois a voz, forte, mas doce. os versos certos, simples, mas melodiosos - como o inicio da nossa primeira noite. a musica sobe, a voz mais intensa e um primeiro pico em jeito de aviso: 'they might just bite'. e uma pausa. como o fim da nossa primeira noite: intenso, a subir, a percebermos que ia morder a sério. mas a parar no momento certo. depois a musica retoma, o verso repete-se, sempre ritmado, calmo, mas forte. mas sempre com ternura a saltar entre cada pausa, cada acorde, cada riso - como os dias iniciais de descoberta, de espanto: como é que alguém é assim tão igual?

depois entram os instrumentos, o ritmo mais lento, mas a ouvir-se melhor cada parte - como os nossos meses de descoberta, como a voz de cada instrumento que nós temos: o que somos, o que ouvimos, o que vivemos, o que gostamos. tudo harmonia, tudo no tempo certo. com pausas. com acelerações. com ritmo. com ritmo bom. o corpo embala, as lágrimas resistem, o amor pela música cresce. como o nosso. como o nosso cresceu tanto em cada solo: os solos dos jantares de sexta, os solos dos almoços no quarto, os solos dos dias no campo, os solos dos brunchs de domingo, os solos dos dias difíceis, dos teus dias de neura, dos meus dias de mau feitio. os solos dos dias perfeitos. do teu abraço no meu sono. do teu sono no meu peito.

depois, nova pausa. as palmas do público e volta a essência da letra, para lembrar que o instrumental - o que nós somos - está sempre lá, mas que é a essência - o que nós somos juntos - que lhe dá o nível mais alto. como a voz do gregory, a letra meio safada, meio amargurada, meio doce. mas sempre a voz. a cantar-nos ao ouvido e a suspirar. 'be good. you're so good to me.. does you know what u do to me when you dance around..'. se soubesse cantar, era esta musica que cantava todos os dias quanto te abraço, quando te amo, quanto de devoro. se soubesse cantar, era esta musica que te cantava todos os dias quando estou contigo, mesmo sem estar, como agora. porque há musicas que somos nós. mas há musicas que só fazem sentido em nós. e tu, és a música que vive em mim. e só tu fazes sentido em mim..

:: be happy

fevereiro 10, 2014



uma das qualidades que mais admiro nas pessoas é a capacidade de saber estar feliz. que é diferente de apenas ser feliz - e bem mais difícil. podemos estar numa onda má na vida, longe da família, longe da nossa terra, longe de quem gostamos, mas a capacidade de saber estar feliz faz superar tudo isto e faz-nos manter o sentido de humor afinado, a capacidade de gozo sempre presente, e o riso pronto a disparar. saber estar feliz não é um estado de alma, é uma forma de viver. sempre me disseram que me queixo pouco, mas isso não é uma postura - é uma filosofia: prefiro aproveitar enquanto estou com os outros para me divertir e encher-me da energia boa que eles tem, do que despejar-lhes as minhas negativas em cima. e no fim, ganho eu, que lhes "roubei" a parte boa da coisa.

gosto de saber estar feliz. mas mais, gosto de viver rodeado de quem vive no mesmo 'flow'. sem filtros, sem barreiras, sem formalidades. como quando se chega a um jantar de desconhecidos e pouco tempo depois já somos um do grupo, em que as piadas parvas já nos incluem, em que o gozo é permanente, não no sentido de superioridade, mas no de proximidade: vem daí, bebe um copo e junta-te ao coro. são boas aquelas noites em que chegamos ao fim com mais uma mão cheia de amigos, apenas pela afinidade de saber manter o riso e a boa disposição. em que o que trocamos não foram cartões, ou opiniões muito sérias. trocamos gargalhadas, como quem faz um brinde à vida simples.

admiro as amizades que sabem estar felizes. aquelas que perduram uma vida. que levam com barreiras, com distâncias, com momentos de maior silêncio ou ausência, mas ainda assim se aguentam. aquelas pessoas que podem estar longe meses, anos, continentes a separá-las, mas que basta estarem juntas um minuto para se sentir o brilho que as une. quando um segundo depois do re-encontro se soltam os risos, os abraços, as parvoíces ditas em coro, aquelas fotos sempre iguais, sempre em pose mais-que-idiota. são boas aquelas noites em que os nossos melhores amigos estão por perto, a chegar atrasados, a comer ali no outro lado da mesa, a rir delas e de nós, a contar as histórias de sempre, a brindar a mais um ano. a demorar - como sempre- a decidir onde se vai depois. e a dançar - como sempre-, onde se foi depois. e a dizer até já, no fim da noite, com aquele sorriso de quem sabe que amanhã, longe ou perto, tudo o que as une vai continuar ali, a saber estar feliz. como sempre.

ps: dedicado ao ti'xico, meu kamba. e às amigas que mo apresentaram. bom bom bom!!

:: o toque

fevereiro 06, 2014



um dos sentidos mais negligenciado é o tacto: o toque. escreve-se sobre o que se vê, o que se ouve, o que se cheira, mas o que se toca parece ser sempre um gesto menor. e no entanto, ele está presente em tudo. por isso gosto de tocar. gosto de sentir na mão, na pele, a sensação do que vejo, do que ouço, do que cheiro. seja quente ou frio, áspero ou suave, leve ou pesado. mas que se sinta! por isso, para mim, livros serão sempre em papel e cartolina grossa na capa. por isso, os vinyl ainda se veneram cá por casa, como as peças de arte que o são. por isso, redescobri o prazer de imprimir fotos. às centenas. em molduras que se oferecem, em cadernos escritos com histórias de vida, ou apenas para ter na mão, não para ver num ecrã, mas para senti-las entre os dedos.

quando passamos dos objectos para as pessoas, as coisas mudam. porque as pessoas reagem. há toque e retoque. mas é aí que vive a magia do que nos liga: na interacção. porque há pessoas com o que toque nunca é agradável: no trabalho, nos conhecidos, há sempre alguém em que o aperto de mão é desconfortável, um beijo que é sempre distante, ou um simples toque no braço que sempre incomoda. com os amigos é ao contrário. é pelo toque, pelo à vontade do toque, que se vê a intimidade. seja um calduço entre gajos, seja uma mão que pousa num braço entre amigas, é no à vontade - e na vontade - do abraço de chegada, ou do beijo demorado de despedida, que se se sente, que se toca, que se vive a amizade. é aquele toque terno, conhecido, familiar, de quem sabe que ali haverá sempre um companheiro para os bons e maus dias.

mas nos que se amam tem de haver vários toques. aliás, quantos mais, melhor. há os toques do dia-a-dia: aquele momento simples no meio da rua, em que apenas seguramos o braço, quando se diz 'eu vou, deixa-te estar'. ou o toque (tão terno) quando se põe o braço à frente do pendura numa travagem brusca. depois há os toques de carinho: que se querem leves, mas de presença forte. como a mão que se passa no ombro, ou que pousa noutra mão. uns dedos que passam pelo rosto, lentamente, lateralmente, desde o ouvido até pousarem na boca. e há o toque de amor, quando se aperta demoradamente um pescoço enquanto se declama ao ouvido, ou quando simplesmente se tocam uns lábios enquanto se fixa o olhar, como quem diz: 'não fales, está perfeito assim..'. e há o toque safado, carnal, aquele mais forte, mas pressionante, enquanto se desliza a mão por um corpo, enquanto se aperta uma cintura que se ama, enquanto se puxa, se repuxa, se dança, com um corpo que se devora, pele na pele. mas perfeito, é o toque que sossega. quando se toca alguém com a simples calma, que apenas uma mão que ama transmite. como a forma doce em que adormeces em poucos segundos, enquanto te massajo, em círculos lentos, as tuas costas, os teus ombros, o teu principio de pescoço. primeiro fechas os olhos, depois suspiras, e começas a respirar cada vez mais lento. e o meu toque acalma no mesmo ritmo, segue o teu ar, até que adormece também. num sono que é bom, porque sabe que estarás ali a noite toda: o teu corpo, apenas a tocar no meu..

:: um problema de dor

fevereiro 03, 2014



"eu não tenho um problema de gestão de dor. eu tenho um problema de dor." (Gregory House)

quando se gosta em demasia - e gosta-se sempre assim nas histórias verdadeiramente puras -, não há maneira de não sentir dor. só quem não sente, quem não se dá, quem não se aproxima dos outros não vai ter dor. com a idade vamos aprendendo a defender-nos desta coisa, mas assim vamos também limitando o tamanho e a alegria das brincadeiras. quando somos crianças, não temos medo: sabemos que vamos cair, que vamos esfolar o joelho, eventualmente partir um braço ou uns dentes. mas, who cares? o que interessa é mesmo brincar desenfreadamente. até que a noite chegue e o sono nos vença a rebeldia. quem não se lembra de aterrar deitado, exausto depois de um dia bom de brincadeiras.. sono mais feliz.

eu não tenho um problema de gestão de dor: porque simplesmente não a quero gerir. gerir a dor é matar todo o sentimento que possa daí nascer. fugir da dor é matar à nascença a maior das paixões. porque não tenham dúvidas: elas fazem feridas, elas ardem, elas lixam-nos a cabeça, estragam-nos os dias, viram a vida de pernas ao ar. mas, who cares? elas, as paixões, incham-nos o peito, fazem-nos maiores pessoas, melhores pessoas. porque levamos ao limite as nossas capacidades. esticam as nossas qualidades e os nossos defeitos. somos sempre mais quando estamos apaixonados: mais loucos, mais estúpidos, mais felizes, mais idiotas. mais nós. quando ouço alguém dizer que temos de gerir como nos envolvemos, é como se me atirassem um balde de merda na cara. porque no momento em que se consegue gerir o que se gosta.. é também o momento em que se deixou de gostar.

eu tenho um problema de dor. permanente. porque quero sempre mais, quero agora, quero tudo a que tenho direito. e já. mas a vida é assim: irónica. na maior parte das vezes junta-nos com as pessoas certas, no momento errado. too soon, or too late. será? nunca saberemos. porque somos nós que fazemos o nosso tempo. somos nós que o fazemos certo ou errado. somos nós que fazemos o cedo ou tarde. e não adianta perguntar, nem querer saber já se é este o caminho. porque não há problema em não saber todas as respostas. o desafio da vida é mesmo não sabê-las. é essa dúvida que traz a adrenalina das paixões loucas. dói? dói. magoa? magoa. mas, who cares? as respostas hão-de sempre chegar, às vezes quando menos se espera. e até lá, sabe bem? muito. és feliz? demais. então vai, aproveita o dia como se fosses uma criança. a dor é má? não, a dor é linda. porque não é a dor triste de não encontrar quem se quer, não é a dor da frustração de não saber o que se quer. é a outra dor, a boa: a de saber que subimos ao ponto mais alto sem medo da queda. que entregamos tudo, mesmo com o risco de perder tudo. que damos o melhor de nós, mesmo com uma venda nos olhos: como se estivéssemos a brincar num quarto escuro, de mão dadas, abraçados, mas sempre aos trambulhões, a tropeçar nos móveis, a cair entre gargalhadas e dentes partidos.. dói? não. ama-se.

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