:: cortar a relva

setembro 22, 2010



um dos maiores prazeres de ter um jardim é poder cortar a relva.
uma das minhas desilusões de fim-de-semana é chegar e na maioria das vezes alguém já ter tratado da tosquia da dita. mas vamos por partes: primeiro cortar a relva é um trabalho simpático, visto que se nota de imediato os resultados. e ainda por cima não exige tanto como isso: basta calcular a altura do corte, a largura da passagem, e depois é como pentear um tapete grosso. está feito! segundo, o cheiro da relva cortada é um misto de frescura, verdura e ar puro. não conseguindo bem descrever, é algo parecido com o cheiro de maresia misturado com o aroma de floresta. natureza pura portanto. 

mas, mais que tudo, cortar a relva é um momento de pausa mental. entre o barulho da máquina, a impossibilidade de diálogo com qualquer outro ser, e a paragem de actividade cerebral activa - não há muito a decidir, a não ser seguir o corte -, naquela meia hora entra-se num certo transe yoggiano. entre pensamentos pouco profundos, mas lentamente  pautados pelo ritmo da máquina. passeia-se pelos últimos dias e acontecimentos, não tanto para analisar (que o barulho não dá mesmo), mas apenas para rever, etiquetar e guardar para mais tarde pensar.

não é bem um pensamento, é mais uma preparação para o mesmo.
é como organizar os papeis do escritório em montes para depois tratá-los. 

.. e como me tem feito falta cortar a relva.
(e já agora, arrumar o escritório)



:: a minha alma tem pressa

setembro 18, 2010

contei meus anos e descobri que terei mais ou menos o mesmo tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. tenho muito mais passado do que futuro. sinto-me como aquele menino que ganhou um saco de rebuçados: as primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

já não tenho tempo para lidar com mediocridades. não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados. inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha. já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral. as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos. o meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência - a minha alma tem pressa!

sem muitos rebuçados no saco, prefiro viver ao lado de gente humana, muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade. só há que caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. o essencial faz a vida valer a pena. e para mim, basta o essencial!'

' Mário de Andrade

:: estar na praia

setembro 07, 2010



'estar na praia' e 'ir à praia' são coisas diferentes.
e eu não gosto de ir. gosto de estar.


estar na praia é ficar por algum tempo (dias ou semanas). e isso tem ritos. e isso é que sabe bem. é acordar com o sol sempre a nascer daquele lado da janela, qual despertador. descer sem pressas até ao primeiro sumo da manhã, ainda em modo sono. ver a banca dos jornais e levá-los todos debaixo do braço, mais os livros que já vieram de casa, mais aqueles que já andam aos caídos pela mala. é chegar à praia e já ter a espreguiçadeira reservada, trocar o afável bom dia com o conhecido banheiro, que nos relata a boa temperatura da água. é caminhar sem destino beira-mar, até à hora certa para sair antes da confusão e apanhar o melhor peixe para o almoço. é a sesta repetida. é o pôr-do-sol na praia sem pressas para fugir ao trânsito. é poder jantar, beber um copo e andar pela calçada ainda com o sabor a sal na pele, e as havaianas soltas no pé. é só tomar banho no fim do dia antes de cair redondo, moído da languidez da praia, até o sol nascer de novo.. 

já 'ir à praia' é uma confusão. mais não seja porque se vamos temos de voltar, e não podemos simplesmente estar. e o espírito só por isso já não sossega. temos horários, nunca sabemos o que nos espera, há sempre mais trânsito, é sempre mais tarde. e é sempre tarde demais quando chegamos. a espreguiçadeira melhor já está ocupada, e nem o banheiro nos conhece. só levamos um jornal, na dúvida se sequer haverá tempo de ler. porque temos de voltar daqui a pouco. e só isso já cansa.

porque o que nos cansa não são os rituais. são a ausência deles. é a permanente incerteza do que será. a boa disposição de um novo dia, vem da certeza que alguns rituais serão cumpridos. e isso sim, sossega. o resto - o inesperado, a surpresa, as coincidências -, isso é a cereja em cima do bolo. que dá mais gosto. mas não o essencial. por isso eu gosto de estar: na praia, na cidade, em viagem, de férias, no trabalho. tanto faz, desde que possa estar.
'ir' é que é uma chatice, porque já sei que tenho de voltar. é que enquanto 'estou' nem me lembro disso..    


:: sometinhg for the weekend

setembro 06, 2010



gosto de olhar para as crises/problemas, como fontes de oportunidades. sendo uma frase batida, bem isto a propósito das sextas-feiras. a história começou no inicio do ano, quando a administração lá do burgo argumentou que, apesar de merecido (sic), não poderia aumentar os salários (era a crise). chateado com a desculpa, saíu-me um argumento que correu bem: então, se o salário é = nº horas* valor das horas, e já que não podemos alterar o valor, alteramos o número de horas, ie, o mesmo salário, mas menos horas: recebemos o mesmo, mas deixamos de trabalhar à sexta à tarde: uma paz!!

além de o fim semana ficar maior, serve acima de tudo como desaceleração lenta: já não temos os horários da semana, mas também ainda nem é sequer fim-de-semana. é uma tarde em terreno de ninguém, e com pouca gente (que a maioria até ainda está a trabalhar). por isso a receita passa por um momento mais introspectivo: almoço tardio, de preferência ao ar livre/esplanada, copo de vinho para amenizar, café prolongado tarde dentro com leituras da antecipação do fim-de-semana. ao fim do dia, algum exercício, sauna ou spa. sem horários, claro. um jantar simples e uma saída cosy fecha o dia em cheio: preparadíssimos para mais dois dias de descanso e/ou trabalho sem horários!!
vivam as sextas. de tarde..
.


ps: esta liberdade permite ainda, quando necessário, deixar as tarefas que exigem mais concentração para a sexta de tarde. já que ninguém espera que estejamos disponíveis, o telefone, o email e as entradas no gabinete parecem um museu. em silêncio!!

:: gostar

agosto 30, 2010



'se alguém que já tomou mais de três refeições comigo me perguntar se quero café é porque não gosta de mim. não estou a falar de amor, nem de homens. estou a falar de gostar.
eu acredito que a atenção é a forma mais genuína de gostar.

se alguém compra Nutella (faz bolo de chocolate, encharcada ou morangos com mascarpone..) porque eu vou lá a casa, gosta de mim. e será oportuno neste momento dizer que não existem frigorífico e armários tão perfeitos como os de um italiano. se alguém - que pode - me vai buscar ao aeroporto num Fiat 500 mesmo que isso implique deixar o Spider na garagem, gosta de mim. se alguém me for comprar pato à pequim antes de me visitar, gosta de mim. se alguém me perguntar se quero café - vou dar o desconto - depois de tomar cinco refeições comigo é porque não gosta de mim.  

eu acredito - mesmo - que a atenção é a forma mais genuína de gostar..

' da gvynx 

:: the divine neil hannon

agosto 29, 2010



o perfeito kitsch piroso, mas com muita pinta, despretensiosamente intelectual, mistura de charme britânico e sangue casanova parisiense, sempre em 'love songs' mood. banda sonora para demorados brunchs de sábados, ou companhia perfeita para scones e chá quente ao fim da tarde..


o concerto no MM foi simplesmente genial, entre o humor britânico de um puto vestido de Sir, e o virtuosismo de um músico disfarçado de entretainer!!..
ladies and gentelmans, back from the 90's: the divine comedy - a collection of songs for bass baritone and ensemble, inspired by the writings of the eighteenth century Venetian gambler, eroticist and spy; and performed for us there by the composer, Neil Hannon.

~
a frase, retirada da voz de hepburn ~
this book deals with epiphenomenalism, which has to do with consciousness as a mere accessory of physiological processes whose presence or absence, makes no difference whatever are you doing.
happy the man, and happy he alone who in all honesty can call today his own; he who has life and strength enough to say:
yesterday's dead & gone - i want to live today!



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:: nós não somos. nós estamos.

julho 21, 2010

'a maioria das pessoas têm algumas convicções, e um monte de sensações sobre o mundo, que mudam de acordo com o número de acontecimentos vividos, e com os impactos que esses provocam. isso significa que nós dificilmente somos de uma maneira só, ou somos alguma coisa em específico.
não, nós não somos: nós estamos!
 
nós - num momento - acreditamos em algo. por isso, não vale a pena perder muito tempo a afirmar que somos assim ou assado. as pessoas têm prazer em dizer, do fundo do seu ego: 'eu sou assim, gosto de fazer assim, acredito nisto'. mas as pessoas 'são assim' apenas porque é isso o que conhecem até agora. por isso, deveriam apenas afirmar que 'estão assim'.
quanto mais vivo, quanto mais leio, quanto mais aprendo, menos certeza tenho de minhas convicções. dos meus gostos, da minha forma de ser e estar. e isso é deveras libertador.
talvez por isso entrevistar uma pessoa é algo efémero:
- seria preciso acompanhar o entrevistado uma vida toda para obter todas as respostas..'

' adaptado d'o ora bossa

:: receita de mulher

julho 16, 2010



as muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental. é preciso que haja qualquer coisa de flor em tudo isso, qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture..
não há meio-termo possível. é preciso que tudo isso seja belo, que um rosto adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora. é preciso, é absolutamente preciso que seja tudo belo e inesperado. e que se acaricie nuns braços alguma coisa além da carne: que se os toque como no âmbar de uma tarde.

ah, deixai-me dizer-vos que é preciso que a mulher seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e seja leve como um resto de nuvem. que olhe com certa maldade inocente. e uma boca fresca (nunca húmida!) é também de extrema pertinência. gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: indispensáveis. e que haja uma hipótese de barriguinha, e que seus seios sejam uma expressão greco-romana.
preferíveis sem dúvida os pescoços longos, de forma que a cabeça dê por vezes a impressão de nada ter a ver com o corpo. a pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso, mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior a 37 graus, podendo eventualmente provocar queimaduras de primeiro grau.

os olhos, que sejam de preferência grandes e de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra, e que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão - que é preciso ultrapassar. que a mulher seja em princípio alta, ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos, ao abri-los, ela já não estará mais presente
com seu sorriso e suas tramas. que ela surja, não venha; parta, não vá. e que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber o fel da dúvida..

' adaptado de Vinicius de Moraes. musica de Vanessa Paradis

:: the talented mr. ripley

junho 29, 2010



itália em modo 'dolce fare niente': muito jazz, praias desertas e luares sobre o mar.
jude law, gwyneth paltrow
e matt damon, um triângulo amoroso envolvido numa intriga sombria. the talented mr ripley, na versão anthony minghella, é daqueles filmes que apetece (vi)ver sempre.

com vontade de saltar para dentro da tela, passear de vespa pelas ruas estreitas da praia piscatória.
flanar de esplanda em esplanada, ir ao mercado pelo fresco da manhã, cozinhar pelo calor da sesta. vestir camisas de linho. ouvir jazz em noites intermináveis, 
beber vinho gelado com cheiro a brisa quente. ouvir o silêncio do mar. até de manhã..

agora que o calor já está mais suportável, vou vestir uma camisa de linho, 

pegar em ti e jantar á beira rio até a noite ser bem escura.

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