:: proporcional

outubro 04, 2014



mais que equilíbrio, estabilidade, ou racionalidade, prefiro agarrar-me sempre à proporcionalidade para me guiar no dia-a-dia. proporcionalidade no sentido, não de me balizar entre dois limites, mas pelo contrário, de ter a capacidade de ir aos extremos de todos os limites, mas de forma a viajar sempre pelo centro da minha linha - da minha coluna. seja no que se faz, na música que se ouve, nas palavras que se dizem, gosto das pessoas que não sendo equilibradas (de todo), são de alguma forma proporcionais nos seus extremos: sabem ir de um limite a outro sem terem de mudar a personalidade, ou a forma como vivem. porque mais do que saber ao certo o que alguém vai fazer (nas pessoas certinhas), é bem melhor saber que o vai fazer daquela forma que se gosta (nas pessoas de loucura saudável).

exemplo máximo, uma mulher só é bonita se for proporcional. baixa ou alta, mais magra ou mais forte, mas proporcional nas suas formas. é daí que vem a beleza, do equilíbrio das partes, do enquadramento. tal como a roupa que veste. tem de ser proporcional ao contexto: se mostra as pernas, esconde o peito, se mostra um ombro, esconde o outro. se é em casa, descontrai, quase despe-se naturalmente. se é à noite, deixa algum brilho no tecido, num pedaço de cinto ou num sapato mais alto. se é no trabalho, deixa uma certa seriedade, misturada com algum arrojo bem disposto. uma mulher tem de ter o riso proporcional ao mau feitio, a doçura proporcional à dificuldade em a entender. e a sensualidade proporcional à capacidade de, no mesmo segundo, ser também a mãe mais séria perante um filho.

já nos amigos e nos amores, há quem defenda que devemos dar em função do que os outros nos retribuem. quase contabilizam os telefonemas, os convites, os jantares que se tiveram. quase contabilizam os anos que já se viveu para poder decidir o futuro. casar? ter um filho? ah, ainda é cedo.. pois, também aqui prefiro a proporcionalidade, não em função do que damos ou recebemos, mas, em função do que vivemos. há pessoas que ao fim de três semanas juntas decidem ter um filho. loucos? não, se o que viveram nessas três semanas supera o que se viveu antes em meses e anos. hoje, sei que quando se ama a sério, vive-se em proporção da dimensão do que se sentiu, do que se descobriu junto. seja em horas, dias ou meses.. ás vezes, juntos, isso é bem mais que uma vida inteira separados. e aqui, ama-se, mais do que por palavras, por actos. mais do que por vontades, por atitudes. e essas sim, têm de ser proporcionais às intenções. ama-se, não em proporção à razão, ao racional, ao lógico, mas em proporção à magia do que já foi, à alegria do que é, e à certeza do único que vai ser..

:: mind pleasure

outubro 02, 2014



na vida, vamos aprendendo a ter prazer por camadas. como se fosse uma pirâmide que se sobe, degrau a degrau, cada vez com sabores novos. prazer no que fazemos, no que gostamos, do que vivemos. de quem vivemos. e da forma que vivemos esses que nos rodeiam. primeiro, na base da pirâmide os básicos - o que nos conforta as necessidades primárias: o que nos aquece no frio, como uma manta, ou o colo de uma mãe. o que nos refresca no calor, como uma banho de mar, ou uma corrente de ar na janela aberta. depois o que comemos, o doce, o salgado, o gelado, o picante. e ao longo da infância vamos aprendendo mais um rol de prazeres simples, que nos entram nos dias.

quando começamos a ganhar alguma maturidade passamos a outro nível da pirâmide. os prazeres que passam do físico para a capacidade de apreciar: uma música, uma pintura, um texto. um corpo. aprendemos a gostar de ouvir, de ler, de ver. aquele gosto na descoberta sempre de algo novo. viajamos, pesquisamos, encontramos: lugares, imagens, pessoas. e neste ritmo de layers que se somam vamo-nos realizando, crescendo, desenvolvendo a capacidade de apreciar. já adultos descobrimos o prazer de fazer. de ver acontecer coisas que saíram das nossas mãos, das nossas ideias. no trabalho, na profissão, em casa - as festas com os amigos, os jantares demorados, os presentes simples, mas cheios de significado. descobrimos o prazer de criar, mais que coisas, momentos que se partilham com quem se gosta.

mais reservado, é único o prazer de ter pessoas felizes em nós. primeiro o prazer do namoro, do flirt que fica sério. do sorriso que fica emoção. depois os mil prazeres do corpo. dos corpos que se tocam, que se devoram noites dentro, cada vez mais íntimos. mas prazer a sério, é aquele que passa pela inteligência, pela descoberta de alguém tão igual na forma de viver, não nos dias, não no corpo, mas na alma. prazer a sério é ter quem diz as mesmas coisas, no mesmo momento. que percebe aquela música, mesmo sem a ouvir. prazer a sério é passar horas a falar do nada, e ser feliz só por isso. é passar horas apenas a estar, a respirar o outro, e sentir que esse é o ponto mais alto da pirâmide. ou não. porque pode (deve) haver sempre algum prazer maior a descobrir. ou mesmo a criar. e esses passam sempre pela forma como conseguimos ligar-nos a alguém. e como, duas pessoas, juntas, conseguem (devem) subir sempre mais um degrau. na forma como vivem os dias entre sorrisos tontos, mesmo os mais difíceis. na forma como se deliciam - languidamente - na inteligência do outro, mesmo em silêncio. na forma como se emocionam no prazer do corpo, mesmo sem se tocarem sequer. degrau maior, é descobrir na pele que 'amo't', às vezes, é uma palavra já tão curta para tanto do prazer que se vive. junto.

:: respirar

setembro 19, 2014



quando andava nas lides da natação, sempre me fascinou a capacidade de gerir a respiração. e de como, mais que a técnica, isso era importante para os tempos da pista. porque podemos saber nadar muito, ter força, ter ganas, ter vontade, mas se não conseguimos gerir o fôlego, tudo corre mal: o ar começa a faltar, a coordenação dos braços vai-se, e as forças apagam-se no sufoco. engraçado como se passa o mesmo na vida: no trabalho, nos dias, nos amores. se vamos devagar demais, adormecemos a vontade, baixamos o ritmo e perdemos o comboio. se aceleramos demais, saltamos os carris, e descontrolamos o corpo até nos estamparmos exaustos. tantas vezes que nos sentimos sem forças, sem alento, como se o ar, lá acima da água, estivesse longe demais.

por isso é tão importante gerir a respiração. e aqui, num sentido mais apaixonado, a forma como se respira a dois. porque é preciso dar espaço para as mudanças de ritmo. hoje, dia cinzento de chuva, chegar a casa e respirar lentamente, por entre a primeira coberta do ano, um café quente e quatro pés enroscados. ou nas noites quentes, o oposto: acelerar o fôlego, sair madrugada dentro, brindar na calçada, ver o luar no rio, e chegar a casa já meio despidos, de respiração acelerada.. e acabar, de novo, de quatro pés enroscados, muitas braçadas depois. gerir o ritmo a que se respira a outra pessoa é a forma mais séria de amar. e de se querer. porque gostar demais também sufoca..

mas difícil mesmo, é quando contra a nossa vontade, se tem de dar espaço para respirar. porque nem sempre o fôlego, as forças, ou a capacidade de nadar é a mesma. às vezes, os ritmos descoordenam-se e a vida afasta-nos, não do que se quer (muito), mas do que se consegue fazer. quando se ama, damos o melhor, e por vezes o melhor, porque muito que nos custe, é dar o espaço para respirar, para viver, para o outro parar a cabeça bem longe de nós.
e não o fazemos em jeito de favor, ou de pena, mas num sentido muito certo que afastar, às vezes, é a forma de ficar mais perto. não porque se desiste, mas pelo contrário, porque se é forte ao ponto de dar um passo atrás, para, quem sabe um dia, conseguir dar dois à frente. o amor, quando é verdadeiro, volta sempre à sua casa. mesmo que precise de sair porta fora, louco, sufocado no turbilhão dos dias arrastados. o amor, quando é verdadeiro, apenas sai, para entrar de novo, de fôlego recuperado. porque há portas que ficam sempre abertas. para a vida..

:: a espera(nça)

setembro 09, 2014



se há coisa muito latina, ainda mais que a saudade, é a esperança.
e quer uma, quer a outra, são atestados de fatalidade. porque fica-se na saudade, quase como alívio de não se ter. porque fica-se na esperança, quase como lamento de não se ter conseguido. "era bom, mas que fazer: resta esperar". e como sedativo da alma, canta-se o fado, bebe-se um copo, que quem espera sempre alcança (mentira). afogam-se as mágoas num ombro amigo e espera-se. espera-se que o mundo se vire para nós, espera-se que o trabalho fique melhor, espera-se que o outro apareça naquela esquina. ou então não. não se espera: faz-se. se o mundo não roda, rodamos nós no mundo, se o trabalho não melhora, fazemo-lo nós ficar diferente. se o outro não aparece, viramos nós a esquina.

é que fazer, significa que se acredita. que é bem diferente de - apenas - ter esperança.
a esperança é um ilusão. acreditar é uma decisão. ter esperança é ficar parado a contar que o mundo mude pela acção de alguém. já acreditar é fazer o mundo andar - é fazer todos os dias alguma coisa, mesmo que infimamente pequena, para que o mundo ande, para dê um passo em frente, ou pelos menos, para que levante o pé. na esperança ficamos sempre nas mãos dos outros: quase conforto da inércia, alguém - ou o destino -, hão-de fazer por nós. pelo contrário, quando acreditamos de verdade, tomamos as decisões nas nossas mãos - ninguém fará melhor do que nós. porque todos podem dizer que não é possível, que não vai ser verdade, que não existe. mas quando se quer de verdade, não se espera para ser: faz-se. não se aguarda: luta-se. porque eu não espero que alguém consiga: eu sei que eu vou conseguir.

é por isso que eu já não tenho esperança. matei-a.
deixei-a afogar-se nas lágrimas tontas da tua ausência, no aperto das saudades que julgava ter, mas que eram mentira. tenho falta, tenho vontade de ti, mas nunca saudades. porque só se tem saudades do que se esqueceu, e tu, estiveste sempre aqui, estás aqui, todos os segundos. eu não tenho mais esperança na nossa história: isso era ficar parado. não, o destino já nos juntou de uma forma tão improvável, que agora está tudo nas nossas mãos - sem esperanças, mas com muitas certezas. porque quando se acredita é-se fiel. não a alguém, não a uma fé, não a um destino. é-se fiel ao que se quer. e essa é a maior alegria do mundo: saber o que se quer. sem esperanças falsas na ilusão do que vai ser, mas com todas as certezas do que se faz, todos os dias, para ser. e é essa a alegria que me dá força: é eu saber que te quero. é eu saber que nos queres. cada dia mais..

:: e apesar de tudo, rimos

setembro 01, 2014



e apesar de tudo, rimos.
essa - o riso - deve ser a qualidade que mais admiro nas pessoas. e não estou a falar daqueles que animam as festas com mil piadas e anedotas já de carreira. não, falo daqueles que tem sempre um riso para combater os dias maus. e um riso ainda mais forte para celebrar os dias bons. conheci na vida pessoas fantásticas nesta arte. algumas que já partiram, e que juro, tiveram os risos mais puros quando confrontadas com a pior noticia. risos de dor, pela partida iminente, mas de imensa gratidão por tudo o que conseguiram viver. deve ser por admirar tanta esta qualidade que me irritam os queixinhas profissionais, os desistentes prematuros, os chorões permanentes: aquelas pessoas para quem está sempre tudo mal, o mundo é injusto, o país é uma merda e tudo lhes acontece. bullshit, peguem num sorriso e façam-se à vida. que ela custa a todos. haja saúde.

e apesar de tudo, rimos.
essa - o riso - deve ser a marca mais bonita de uma relação. de amigos, de irmãos, de amores. a capacidade de rir no fim: no fim do dia mau, no fim de uma discussão, no fim de um choro compulsivo. quase obsessão, só sossego quando roubo um sorriso antes de me despedir dos meus. antes de os meus pais saírem de minha casa depois do fim-de-semana, antes de qualquer amigo desligar o telefone, antes de adormeceres, ali, na almofada ao lado. um dia bom tem de ter vários risos, uns de parvoíce, outros de gozo com nós próprios (que melhor há do que rir de mim próprio?), outros de tonterias que se dizem no meio de conversas banais. e um dia bom tem de ter ainda vários tipos de riso: aqueles discretos, que saem do nada e demoram apenas dois segundos; aquelas gargalhadas enormes, despregadas, quando nos mexem nos botões certos da ironia; e aquele riso silencioso, quando só os lábios mexem ao ritmo do brilho dos olhos - são risos quase de admiração, que dizem: tonto, se soubesses como é bom é ser feliz ao teu lado..

e apesar de tudo, rimos.
esse - o riso - deve ser o gesto mais bonito entre dois amantes. único, quando se ri no meio de uma noite de amor, antes dos gritos, depois dos beijos. único, quando no meio de um jantar de amigos, os olhos apenas se cruzam, e rimos em silêncio, no meio da conversa solta. único, quando te abro a porta já com uma piada estúpida de gozo, apenas para te fazer rir e soltar o tédio - cómico mesmo, como te irrita a ti própria, que eu te faça gargalhar nesses momentos.
mas a prova maior de um amor, é quando mesmo no meio das coisas más, apesar de tudo, rimos. porque a vida não vai fácil, tudo se demora, tudo se complica. as opções que parecem as melhores, descobrem-se sempre as mais lentas. mas entre a dificuldade do fazer, e a certeza tão grande do querer, o riso é mesmo a nossa melhor arma. porque rimos muito, como nunca. e rimos a sério: sobre o amor - lamechas, sobre o corpo - safado, sobre a alma - igual. mas sabes, rimos acima de tudo pela alegria simples que é estar junto - é a diferença entre amar, e ser feliz a amar..

:: vai dar certo

agosto 21, 2014



ao longo da vida fomos ensinados a limitar o que nos rodeia. primeiro o tempo, ou o que fazemos dele: a escola que tem horários, o sono que tem horas, as refeições que tem tempo. as férias que tem só aqueles dias, ou o trabalho que tem um relógio. depois limitaram-nos as opções: os gostos, as vontades, o que se veste, o que se ouve, o que se quer. e por fim, viciaram-nos as emoções, com tanta teoria e conselho sobre o que é amar, o que é uma relação, uma família. mas todos estes limites tem uma premissa perigosa por detrás: o querer racionalizar tudo, explicar tudo. é isso que os computadores fazem: nunca erram, porque vivem nos parâmetro da lógica. e é para isso que fomos programados: para ter um sentido objectivo em tudo o que fazemos.

pois, alguns de nós, os que querem (sabem) verdadeiramente entregar-se, conseguiram ao longo da vida libertar-se destas amarras: trabalhamos só quando achamos que sim, dormimos pouco, trocamos os dias pelas noites, o sol pela lua, a televisão que desligamos, pela música que veneramos. trocamos a poesia rimada, pela prosa livre. trocamos as ruas cheias de dia, pelas vielas onde nos beijamos à noite. e foi assim, sem limites, que aprendi a entregar-me a tudo sem medo: aos projectos de trabalho mais loucos, às opções mais arriscadas, aos caminhos menos óbvios. louco dirão alguns. sim, muito. mas é graças a este nível bom de loucura que consigo esticar a mente - e a alma. na profissão, em que misturo mil campos diferentes, na vida, no salto constante entre modos de estar e aproveitar. na personalidade: que, sem limites, goste-se ou odeie-se, é cheia de erros, mas única, e impossível de formatar num tipo, numa etiqueta. numa lógica.

e tem dado jeito, muito jeito, saber, por amor, esticar os limites. os limites do perdão, do querer, os limites da angustia que se suporta, da vontade férrea que segura. o saber dar, não para receber, mas pelo prazer de fazer alguém feliz em nós. porque aqui trocamos os amores racionais pelas paixões loucas. trocamos a segurança de uma relação, pela constante inquietude de uma alma gémea. trocamos o sono calmo, pela insónia junta em conversas tontas. trocamos o conforto do pijama da noite, pelo toque do corpo nu da manhã. porque rimos depois do choro, amamos em vez do sexo, gritamos depois do abraço, porque magoamos, antes de cuidar. sim, fazemos tudo ao contrário, fazemos tudo errado, mas no fim tudo certo - porque pode não ter lógica, mas tem uma vontade: viver com quem já está em nós. e se há coisas na vida que se lutam sem limites, o amor tem de ser uma delas. mesmo que corra mal. uma vez. ou duas, ou três. porque, como me disseram baixinho no outro dia: "vai dar tudo certo. e se não der, nós fazemos tudo outra vez.."

:: anti-gps

agosto 09, 2014


esta coisa de amar está-nos sempre a pregar rasteiras. não daquelas que magoam, mas daquelas quase brincadeira, que nos abanam e fazem soltar um riso: - oh, parvoíce, nem te estava a ver e tu aqui a minha frente!! porque, ás vezes, não vemos o óbvio e tropeçamos: deixamo-nos acomodar e não conseguimos perceber a evolução, a mudança, as novas formas de mostrar o que se gosta, o quanto se quer. mas é precisamente essa mudança que torna um amor mais forte: não é o mantermos sempre os mesmos rituais, a mesma forma de dizer amo-te. é precisamente o contrário que mantém a chama acesa: o haver sempre uma maneira nova de mostrar, de sentir, uma maneira nova de ser feliz. de fazer, quem queremos, feliz.

não há nada pior do que tornarmo-nos previsíveis no amor. podemos saber com o que contamos, isso é bom. devemos saber como o outro vai reagir, isso é bom. mas nunca é bom ter ao lado alguém previsível. é bom ter uma base que nos sossega, mas perfeito é ter um topo que nos deixa sempre ansioso: sempre na expectativa de uma pequena surpresa, uma pequena foto, uma mensagem, uma taradice nova, um gesto inesperado. que nos tolda - de emoção, de desejo, de riso, ou simplesmente de carinho. é por isso que não gosto dos GPS. porque gosto de conhecer o mapa da estrada, mas prefiro deixar ao acaso a escolha do caminho. maravilhosas as ruas que descobri sempre que me perdi. como maravilhosos todos os momentos imprevisíveis entre chegares a casa e adormeceres no quarto. porque o mapa é sempre o mesmo, mas todas as noites o caminho é diferente. é novo.

às vezes jantamos, outras vezes apenas bebemos. às vezes passamos horas a ouvir musica, outras vezes apenas contamos o dia-a-dia. às vezes lemos os nossos textos. e rimos. e choramos. às vezes fazemos amor louco, outras vezes namoramos à janela como dois adolescentes tontos. as vezes adormecemos num filme, outras vezes acordamos os vizinhos com o nosso filme. às vezes o suor toma conta de nós. outras vezes apenas o cansaço nos tolda os braços.
mas seja qual for o caminho, sabemos sempre para onde vamos: o sossego no outro. no trajecto há sempre uma forma nova de querer - no sorriso, no abraço, na companhia, no corpo. todos os dias diferente. imprevisível. mas é o fim - o sono junto - que nos traz a paz no outro. como tão bem me explicaste ontem, não precisamos de gps, nem de trajectos marcados, nem de linhas traçadas, para chegar aqui. porque amar de verdade é isso: é ter a confiança, a certeza, a vontade férrea, de, qualquer que seja o caminho, sabermos sempre o destino: o nosso sono junto. tu, no meu peito, feito porto. eu, na tua mão, feita âncora..

:: não te beijar apenas

agosto 06, 2014



não gosto de te beijar.. apenas.
não, tem que ser mais que isso, tem que ter um sentido. um beijo tem que ter uma finalidade, ser parte de algo maior. por isso quando te beijo, não te beijo apenas - sabes isso, não sabes?

no meio da rua, em cima da mesa do restaurante, ou naquela esplanada, quando te beijo não é apenas para sentir os teus lábios. não, é também para te dizer como sabe bem estar ali contigo, num momento tão desprendido, mas tão serenamente bom. adoro os beijos que te dou quando fico ali, apenas, a ver-te chegar do outro lado da rua. por isso, nessas alturas o beijo é leve, quase que te apanho desprevenida, toco-te os lábios, lento, mas fujo logo de seguida. e fico do outro lado da mesa com aquele sorriso de puto que te roubou um beijo, com aquele olhar tonto que diz: é tão estupidamente simples ser feliz ao teu lado..
já em casa, quando te beijo no sofá a meio da série, ou daquela musica, ou quando nos cruzamos no corredor, ou apenas ali pela cozinha, o beijo é de intimidade. aquela intimidade de quem partilha os pequenos momentos de um dia caseiro como se fossem poesia. o beijo continua leve, solto, quase seda a tocar nos lábios, mas já demora mais. já tem um braço que o acompanha e te prende a cintura, já tem uma mão te pega no pescoço e segura o rosto. já tem dois pés descalços, que se juntam aos teus, apenas para sentir a pele fresca no chão da cozinha. e depois do beijo continuamos apenas. continuamos a ver a série, a acabar o corredor, a terminar o jantar. mas com aquele sabor na boca: o sabor do outro.

e há também aquele beijo a que chamas safado, porque já sabes que não é apenas um beijo. não - é um ritual de ataque, de despertar do desejo. aquele beijo que te desafia, que chega perto da tua boca o suficiente para sentires o ar que respiro, devagar, mas sem chegares a sentir os meus lábios. tu atacas e eu fujo. eu beijo-te e tu sacodes-te para trás. e ficamos ali a brincar ao desejo, a trincar o ombro - que tens sempre despido-, a massajar o pescoço, a prender-te o pulso, a cruzar as minhas pernas contra as tuas. aquela dança de beijos, que se trocam, que aceleram a respiração, que aquecem a pulsação.
e depois, há o nosso beijo.. aquele quando chegamos ao mais puro dos momentos, em que o beijo é tão descontrolado como nós. às vezes mordes, outras vezes apenas queres silenciar os teus gritos. às vezes brincas com o calor da tua boca, outras vezes não chegas sequer a beijar - ficamos ali, bocas a 2 cm de distância, quietos, num grau de inclinação curva perfeita, quase parados, olhos nos olhos, enquanto todo o resto do quarto se mexe. até que o furacão passa, o corpo acalma e a alma explode em lágrimas, que caem lentamente do meu olho para o nariz, do meu nariz para os teus lábios. e aí, finalmente, beijo-te. num beijo tão demorado como o que te quero dizer: que ali, naquele momento, és a minha casa. és a minha paz. és a parte de mim que sempre senti falta, sem perceber sequer o que me faltava. por isso, quando te beijo, não te beijo apenas - sabes isso, não sabes?

:: o olhar

julho 25, 2014


a maneira mais bonita de admirar alguém é pelo olhar. naqueles momentos em que não precisamos de dizer nada para falar com os olhos. porque não há apenas um olhar: há milhares, múltiplas formas de dizer que gostamos, que queremos, que nos orgulhamos. por muitos dicionários que se juntem, não há palavras que descrevam a força de um olho cheio de brilho.
por isso, gosto tanto de te olhar - especialmente quando não sabes. olho-te enquanto falas divertida com os nossos amigos, e admiro a tua forma de ser. olho-te enquanto danças na janela, contra a luz, e admiro a tua elegância tão natural. olho-te enquanto acaricias o nosso filho, ou quando te enrolas com ele numa luta tonta na relva do jardim, e emociona-me a mãe perfeita que és. olho-te enquanto dormes no meu peito, e sossego, homem realizado, por te sentir tão segura ali..

emoção pura é quando dois olhares se cruzam. como quando te apanho desprevenida, a olhares-me com um sorriso, no meio de um jantar de amigos - feliz pela minha alegria ao teu lado, acho eu. ou quando me olhas enquanto trabalho, ou te falo do meu novo projecto: juro que no teu olhar sinto uma admiração que nenhuma palavra consegue descrever. ou quando ficamos ali no sofá apenas a ouvir as nossas músicas, a acariciar a pele semi-nua, e a olhar. apenas a olhar o outro - o meu passatempo preferido. ou quando prendes os teus olhos nos meus, no momento em que o prazer invade o corpo, lentamente. aquele ritmo da respiração ofegante, quando o brilho dos teus olhos grita tão alto. ou quando, depois, choro em silêncio. não por dor, mas por uma felicidade imensa.

arrisco mesmo que a cumplicidade de um casal se vê por aí: pela forma como se olham.
uma das coisas que mais me arrepia é a forma como todos à nossa volta nos dizem que se percebe o quanto nos ligamos. sintonia assustadora, essa capacidade de sermos apanhados a querer o outro, apenas com o olhar. como hoje, no meio do centro comercial: ficaste numa mesa, lá longe. eu fui apanhar o tabuleiro. enquanto esperava no balcão, olhei-te ao longe. e tu olhaste-me. e ficamos ali de olho preso um no outro, minutos de conversa, de carinho, de palavras que trocamos apenas pelo olhar. ali, por momentos estávamos só nós, no nosso mundo, mesmo no meio de uma multidão.
juro que me senti no meio do cenário de um filme, naquelas cenas finais, em que apenas se ouve a banda sonora e a câmara acompanha as personagens principais. sabes, daqueles filmes com finais felizes. mas não dos de ficção, não, daqueles que falam de histórias reais. sabes, daquelas histórias difíceis, cheias de armadilhas, mas que desde o inicio percebemos que vão acabar bem. isso, já sabes, dessas histórias, bonitas, como a nossa.

:: clínico geral

julho 24, 2014



'temo o homem de um livro só'
_Tomás de Aquino


o doutor Rui é o meu médico. será sempre. esteja longe ou perto, ele sabe sempre o melhor para mim, nem que seja numa consulta por telefone - e já foram tantas. porque é bom especialista? não, pelo contrário, porque não tendo nenhuma especialidade - é clínico geral-, sabe de tudo mais que ninguém. médico do corpo, mas também da alma, da vida, do trabalho, da família. depois, também é filósofo, é pintor, foi político - dos bons -, já tentou ser mecânico, engenheiro, e aposto que deve ter sido o arquitecto lá de casa. além disso, sabe falar sempre com aquele bom humor de quem leva, mesmo nos dias maus, uma vida boa. mistura fina de intelectual e homem da aldeia, salta do mais profundo dos pensamentos para uma caralhada inesperada, da mais sentimental das frases, para uma piada das inteligentes: daquelas que são um gozo bom com quem gostamos - as que nos fazem rir de nós próprios.

o doutor Rui é um dos meus ídolos. daqueles que olhamos com admiração desde pequenos e que, um dia, sonhamos ser iguais. acima de tudo porque ele é um homem de vários livros, de várias culturas, de várias fontes. espécie em vias de extinção! sim, porque nesta era da super-especialização só vejo pessoas a afunilar o caminho: vão por ali, com umas palas, e dali não saem. e não estou a falar só de trabalho. de tudo: percebem de vinhos, mas nada sabem de música. declamam poesia, mas não conseguem soltar um riso. dissertam sobre economia, mas não sabem abrir a porta a uma mulher. são apaixonados, mas não sabem ser safados. são divertidos, mas não sabem ser irónicos. e que diferença faz. o problema é que a maioria faltou ao livro que diferencia: o da inteligência emocional - onde se aprende aquela coisa 'simples' de saber apreciar a vida. em todas as suas facetas, em todas as suas possibilidades. aquela coisa de saber viver com emoção. saber dar, saber receber, saber perceber o outro. saber entender (e apreciar) cada detalhe.

somos a soma do que vivemos. dos vários caminhos que percorremos. por isso quanto mais especialidades se espreitou, mais se cresceu. o teste do algodão é a música: quem apenas gosta de um estilo, de uma certa década, de um certo funil estreito, é sinal que não tem a mente aberta, atenta, curiosa. quem não vai das músicas dos avós à musica dos filhos, é porque se perdeu algures num momento da vida. e ali ficou preso. pode-se viver bem assim? claro, não se pode é viver tanto.
por isso, hoje, já a caminhar para os 40, sou um gajo feliz por ter sabido ler os livros certos, na altura certa. hoje sei o que sou: um clinico geral da vida. daqueles que vivem desenfreadamente todas as possibilidades que o destino lhes dá. ou, pelo menos, todas as que quero viver. sério no trabalho, sou uma criança nas brincadeiras. amigo do amigo, interessa-me a alma - e o riso - dos que me rodeiam. mais que louco apaixonado, sou um safado bom. mais que amar, cuido. mais que ler, escrevo. mais que ouvir, vibro com a música que descubro. mais que ver, tenho prazer no que olho: uma paisagem, um objecto. um corpo. mais do que saborear, lambuzo-me. mais do que ser, sozinho, entrego-me a com quem sou, junto. e vive-se bem assim? vive-se mais assim..

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