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:: acústico

janeiro 22, 2013



hoje o telemóvel ficou no silêncio na primeira reunião da manhã.
e assim passou o dia, por distracção, até ao fim da tarde. dia produtivo, numa paz aparente e num silêncio deveras inspirador. entre chamadas não atendidas, mensagens por ler e uns quantos avisos de aplicações, nada se perdeu, deixou de se fazer, ou se destruiu.
com tanta tecnologia, criamos demasiadas dependências, que, se num primeiro momento nos facilitam o trabalho, encurtam distâncias e aumentam produtividade, numa fase seguinte, criam dependência, distraem, quebram o raciocínio  a execução de uma tarefa, a lógica de um pensamento. tenho reuniões em que já ninguém está só na reunião. chego a receber emails de quem está na própria reunião..

o mesmo acontece na vida pessoal. tecnologia a mais cria uma dependência de quase partilha obrigatória, imediata, instantânea, numa ânsia de feedback, numa feracidade de exibicionismo social quase inconsciente. não se quer perder nenhum momento, nenhum registo, nenhuma foto, nenhuma sensação.

mas com tanta necessidade (e possibilidade) de registo, perde-se o essencial: viver cada momento, partilhá-lo sozinho - ou apenas com quem se está -, sem entropias, sem distracções, quebras de frases, desvios de sorrisos. o like ao vivo, no brilho do olhos de alguém, ainda não foi substituído por nenhuma forma digital. nem será.
amanha vou deixar o telemóvel no silêncio novamente. 
e acho que assim vai continuar por alguns dias..

:: eu faço samba e amor até mais tarde

janeiro 15, 2013



quando ele acordou ela já tinha ido, mas deixou-lhe o beijo de bom dia, em cima da mesa do café, num pedaço de papel de pão:
“eu poderia ter saudade daquele abraço, molhado de pôr-do-sol, abençoado pelo céu, pelo mar, pelo ar. saudade daquele "a gente se fala no olhar", das infinitas caricias, do night and day, da nossa quinta-feira, da coxinha no café da manhã.. já temos um passado, meu amor. eu, você, nós dois. temos os nossos lugares, as nossas manias, os nossos detalhes.

mas o melhor de tudo é essa borboleta que eu sinto aqui dentro de mim, toda vez, com saudade de tudo que a gente ainda pode viver. muito obrigada por ser esse domingo de sol, que enche minha alma de alegria, sempre, como se fosse a primeira vez. 
perdoa o drama e vê se não desiste de mim..”

* d'aqui: poeme-se.tumblr.com

:: coisas com alma

janeiro 10, 2013



há sítios que têm vida. que nos fazem sentir qualquer coisa diferente. quase que têm alma.
gosto particularmente daqueles sítios que nos fazem estar com nós próprios. que nos limpam a cabeça e nos nos fazem alinhar os pensamentos de uma forma positiva. inspiram. passando os preliminares, em lisboa, gosto particularmente dos pontos que nos fazem sair da cidade, estando dentro dela. quase como um vidro protector, em que vemos a cidade e o rio, mas que por momentos nos fazem estar numa cápsula, que nos isola do ritmo frenético mesmo ali a correr nas nossas costas. os de sempre: o àmargem, a cair no rio, o jardim do museu de arte antiga, ali a olhar o rio, o miradouro da graça, com o rio lá ao fundo, e a esplanada do hotel do chiado, ali com o rio de lado. é escolher uma hora calma, com poucas pessoas, e de repente estamos numa espécie de recanto de sossego. acho que é a força da paisagem, a encher-nos o campo de visão, que nos liberta do dia-a-dia. e deixa espaço para nos focarmos em nós.

melhor mesmo só aqueles sítios que nos fazem ficar suspensos sobre a cidade. dois em particular: duas pequenas piscinas, de dois pequenos hotéis, muito similares no espaço, mas diferentes na utilização. primeiro a piscina/bar do memmo alfama. escondido no meio da subida para o castelo, entra-se no hotel, quase como uma gruta que se abre para um penhasco sobre a encosta de alfama. a piscina serve apenas de espelho de água, que acaba no rio, como se estivesse ali mesmo à mão. truque perfeito de arquitectura. com a música a condizer, e o espaço quase vazio, sente-se paz. respira-se mais leve. idiotas os que vão lá só passar o tempo. ali tem de se ganhar tempo. entre um gin que se bebe devagar, uma paisagem que nos esmaga, e o burburinho da cidade lá em baixo, fica aquele semi-silêncio estranho, mas bom: o nosso silêncio - quando temos (finalmente) tempo para ouvir-nos a pensar.

a perfeição, passar um dia de sol na piscina do telhado do altis belém (ou rooftop, como dizem as modas). dois livros, musica nos ouvidos - calma, mas bem disposta -, e apenas estar. porque além do silêncio, quase que nos sentimos dentro do rio. e ganha-se o ritmo lento dos barcos que passam a deslizar, elegantes, sobre a água. o coração acalma a pulsação, mas melhor, a alma acalma o ritmo. ali, sozinho, ganha-se tempo: porque não há pressa de ir, porque não há gente a andar, porque não há carros a passar. ali, move-se tudo ao ritmo do sol. lento, vagaroso, quente. estica-se o corpo, inspira-se a brisa fresca do rio e bebe-se uma água gelada. quase purificação, é um dia de encontro. bom ou mau, falamos para nós, sem falar. têm-se as ideias que andavam a palpitar mas não tiveram tempo para sair, lembram-se as pessoas que queríamos dizer "saudades de ti" e não tínhamos tido tempo para o escrever. acalma-se a ansiedade por quem queremos ter ao nosso lado, mas que ainda não chegou. ali, fazemos as pazes connosco. um dia inteiro, em semi-silêncio a alinhar a nossa espinha dorsal. e a encontrar o que mais importa. que não é ter coisas. é antes saber deliciar-se com a alma das coisas.

:: assobiar

janeiro 02, 2013



na ilha grega de Antia, a língua assobiada é a língua oficial. gritar é muito raro por aqueles lados, pois segundo a tradição, os habitantes estão sujeitos a serem multados se não souberem lidar bem com a fala assobiada para executar determinados trabalhos. .
assobiar enquanto se trabalha pode irritar quem está por perto, mas está provado (há sempre um estudo nestas coisas) que ajuda a melhorar a performance. parece que o cérebro tem tendência para bloquear quando trabalhamos sob pressão, e que o exercício de assobiar descontrai os músculos, melhora a respiração, e oxigena o cérebro. voilá!!

mais que uma reacção física, assobiar traz qualquer coisa de emocional: andamos mais ritmados, mais bem-dispostos, com um tom de fundo a marcar a passada, quase música a sair dos lábios. gosto de assobiar no carro, no banho, e especialmente no trabalho. o assobio não distrai (como cantar), mas cria um embalo criativo de fundo. começar o ano a assobiar - não para o lado, mas para a frente - só pode ser bom presságio.. 

:: sozinho vs solitário

dezembro 03, 2012



"porque é que havia de me sentir sozinho? raras vezes na minha vida, desde que me lembro de mim, tive um sentimento de solidão. e não me sinto mal na minha companhia, divertimo-nos muito os dois, eu e eu. não me aborreço."*

"aos 40, sei que a 'felicidade' é uma hipótese estatisticamente improvável  ou efémera ("and I should know because I've seen them, but not often"). aos 40 anos, vivo com 'expectativas diminuídas', diminutas, em diminuição. já sei que não sou melhor nem pior do que os outros, sei ao milímetro aquilo que valho, sei perfeitamente que não vou deixar vestígio, que desapareço quando morrer a última pessoa que me conheceu. e nada disto é trágico. pessimista e misantropo, é verdade que que vou ficando sozinho. mas, aos 40 anos, não compreendo esse medo de ficar sozinho, que me inquietava ainda aos 33.

"ficamos sozinhos quando somos exigentes. ficamos sozinhos quando não mentimos. 
ficamos sozinhos quando defendemos as nossas convicções. é um preço que estou disposto a pagar. e há, digamos, dez pessoas de quem gosto, dez pessoas sobre quem não me enganei, e dez pessoas é um mundo.."**

.. subscrevo tudo isto, mas no entanto, não deixo de ter saudades de quem sempre me fez companhia. porque estar sozinho só não é solidão quando é um estado transitivo. e não permanente.
António Lobo Antunes, Tabu

** Pedro Mexia, Expresso


:: seja leve.. e sexy

agosto 01, 2012



queria escrever no bilhete de aniversário duas palavrinhas apenas. ao invés de um “feliz aniversário” e “tudo de bom” ou “de lindo”. procurei fundo no meu imaginário um binômio-guia.

um dos primeiros? “Doçura e força”.
raro encontrar gente doce e forte.
quer dizer, a doçura tende mormente para certa lassidão, isto é, difícil ver gestos docemente agressivos, brigadeiros de aço, um barquinho de papel assobiando no mar.. maus exemplos. outro: ninguém diz “eu te amo” com quase raiva. melhor: ninguém dá um carinho sem sorrir.
pelo contrário a força resvala – ou é resvalada – muitas vezes por incerta brutalidade. como se o forte aguentasse qualquer coisa – que de fato aguenta, mas aguentar não significa sair incólume.

depois sobreveio-me: “Pragmatismo e mistério”.
lendo agora, parece que pragmatismo é uma variação da “força” e “mistério” uma tatuagem na coxa da doçura. é que pragmatismo pode destituir a “força” daquela preocupação da falta de medida.
 pragmatismo me parece certa dosagem da força, o mínimo da Escala Richter. e mistério. bem, mistério não tenho a menor dúvida: é doçura!

então, depois do abraço e o presente, tinha escrito: “Seja leve e sexy”.
.. ainda agora acho infalível.
leveza pode reunir tudo: doçura, força, pragmatismo e mistério. e, então, voilá: “sexy”.
porque já Rubem Braga avisou que tudo é encantador: o passarinho, o homem no mar, a moça na janela. não existe nada ordinário no vasto mundo, senão, quiçá, os olhos de quem vê. assim, nada custa ao passarinho cantar, o homem furar ondas e a moça existir.
dar um empurrãozinho no olhar. desejar o desejo.. mas ter a leveza de não se importar, esquecer e sem querer, assim, de leve.. ser sexy.

porque sex appeal é aquilo que, ou você tem, ou não tem. não se aprende.. se nasce.



ps: se conseguir rir e entender ou explicar, está de bom tamanho o texto. é que toda a convicção pode ser defendida com um sorriso e alguma dúvida. assim, feliz aniversário: “Bom-humor e inteligência” pra você. '
´roubado descaradamente ao ora bossa..

:: la vie en rose

julho 24, 2012



Linus: - why are you looking at me that way?
Sabrina: - all night long I've had the most terrible impulse to do something.
Linus: - oh, never resist an impulse, Sabrina, especially if it's terrible.
Sabrina: - i'm gonna do it... There!
Linus: - what's that for?
Sabrina: - we can't have you walking up and down the Champs Elysees looking like a tourist undertaker! and another thing, never a briefcase in Paris and never an umbrella. there's a law.
Linus: - how am I ever going to get along in Paris without someone like you? who'll be there to help me with my French, to turn down the brim of my hat?

Sabrina: - suppose you meet someone on the boat, the very first day out? a perfect stranger.
Linus: - i have a better suppose, Sabrina. suppose i were ten years younger. suppose you weren't in love with David. suppose i asked you to... i suppose i'm just talking nonsense.
Sabrina: - i suppose so..
Linus: - suppose you sing that song again. slowly..



:: amor digital

julho 12, 2012



hoje já não se comunica, contacta-se.
o dedo leva-nos a conta-gotas até ao outro, um conta gotas rápido de mais, uma espécie de soro que entra de repente e nos cria a fantasia de sermos donos do mundo. temos uma espécie de dependência digital do aparelho e do outro, e do efeito que o meu dedo causa no outro. é giro. infinitamente giro, como infinitamente mortal porque, como qualquer outra droga, vicia, desarma e evita que as pessoas se olhem e se saboreiem com o olhar, se deliciem no prazer dos gestos, na forma a informar a forma...
e o contacto virtual e digital, através de todos os aparelhos domésticos e portáteis que temos ao nosso alcance, não é nunca a forma certa de estar com o outro, não é a mais certa mas, a mais fácil e curta. ninguém ama alguém tipo ET ao toque do dedo no alfabeto, ninguém constrói amizades, inventa relações, governa a vida se não for à moda antiga, cumprindo etapas, marcando encontros, pensando a dois, saboreando uma santola e umas amêijoas numa saudável tagarelice ao fim da praia. ou tocando. não no inventor de sonhos, mas na mão do outro.

tem-se medo de comunicar, tem-se medo deste encanto e deste veneno, absorvemo-nos nas mil e uma formas que podemos dar às letras. tornamo-nos poetas e músicos, mágicos e malabaristas de letras pessoais e intransmissíveis na nossa versão virtual de circo encantado e o pior é que as tomamos como suficientes para aproximar, para estar perto, para tornar ainda mais saudosas as saudades. gostamos das palavras, isso sim, gostamos tanto das palavras, da sua doçura velada, que estamos longe de perceber como são finitas quando se confinam a ser só palavras fechadas em cofres digitais. apaixonam, redimem, sobram, faltam, mas não são nossas, são iguais às do outro, iguais às do gajo na toalha estendida ao lado da nossa, estranhamente iguais. o que as distingue são as emoções que em nós se fazem, o que as distingue é a nossa capacidade de pegar nelas, descer ruas a pino, encontrar a tal esquina prometida e fazer delas das suas metáforas, das cores, das imagens, das pessoas que andam e falam e têm vida própria.

eu cá gosto de gostar devagarinho, gosto que me vejam abrir a porta com os cabelos primeiro, depois com os olhos e no fim com o meu sorriso habitual. e de ser por mim que esperam. gosto de subir as escadas a saltar degraus, gosto de tocar, gosto de rir a meias, de tomar banho a meias, gosto de acordar com quem gosto, de descer ruas e cruzar rios, para ir outra vez adormecer nos braços de quem gosto. vivo muito mais do amor antigo do que este «à la carte» que ainda por cima agudiza as saudades e mata a coragem de matar as saudades de viva voz. dantes, as cartas a tinta permanente, em dobras macias e eternas, demoravam o tempo todo do Sol e da Lua a cumprir-se, mas guardavam-se no cantinho do coração e não havia delete que as arrumasse na poeira do tempo. tenho pena que este prazer digital asfixie o sabor da pele, a luz macia da voz, os gestos do olhar, premiando olimpicamente a pressa do tempo numa espécie de pombo-correio em voo picado telecomandado por nós, eternos fabricantes de sonhos..


adaptado de Maria João Lopo de Carvalho _ vidasexpresso _ 27.07.2mil4

:: aldeia local

julho 11, 2012



a monocle deste mês traz o anual ranking das melhores cidades para viver. os factores de escolha são os de sempre: cultura, economia, segurança, animação, etç. mas, dizem estes 'entendidos', que o grande desafio das cidades no futuro é a capacidade de retomar os laços entre vizinhos, de estes se conhecerem e funcionarem senão como amigos, pelo menos como conhecidos. a tal coisa do all togheter now.

para quem teve a felicidade de nascer numa aldeia apenas com quatro ruas, em forma de cruz, estes são conceitos que são naturais e reais. lá, todos se conhecem pelo nome, sabem os graus de parentesco, o que se faz e o que se fez - sabe-se até demais às vezes. lá, as portas estão sempre (literalmente) abertas, sem chaves, nem portões. o espírito de comunidade é real, especialmente nos momentos de dor ou de necessidade. com quatro anos mudei-me para uma pequena cidade, em que o espírito, embora vestido de forma diferente, também continuava lá. ao fim de pouco tempo, também todos se conhecem, integram, apoiam-se. em pequenas redes sociais reais, cruzam-se laços e toda a cidade sabe quem é e para onde vai. o teste do algodão: se alguma criança for encontrada perdida, em 3 minutos descobrem-se os pais.

isto para dizer que a maioria do nosso país é composto por pequenas aldeias - vilas, cidades - em que se vive realmente bem. em que o desafio das tais 'grandes' cidades já foi superado. e isso, tem de ser uma vantagem que temos de rentabilizar. litoralizar o país e fechá-lo em 3/4 grandes cidades é um erro histórico, crasso. por mim, não estou pela capital muitos mais anos. há um pôr-do-sol, numa encosta sobre vinhedos que precisa de uma casa de vidro para o desfrutar. é que o all togheter now funciona mesmo. especialmente nas aldeias não globais.

:: amaro

junho 05, 2012



Perchè senza l' amaro, il dolce non è altrettanto dolce
(def. "amaro": sorridere force, gusto âpre, caustique, stato emozionale plein de ressentimento..)

dos sabores que mais gosto de sentir no paladar é o amargo-doce.
quando é bem feito, aquele amargo que vicia, que mesmo arrepiando todos os poros, é irresistível de sentir. o sabor da rúcula, ou do pesto numa massa. o sabor da alcachofra numa salada, ou do gengibre no sushi..

ou como esta música, esquizofrenia ambivalente, que nos deixa assim a balançar entre a fronteira de entristecer, ou sorrir com tanta melodia perfeita. curioso, ser este mesmo sentimento que é o mais inesquecível de todos os outros. como num filme, em que o final é triste, e por isso, tão bonito. ou um bailado que nos toca lá bem no fundo, de tão intenso, tão doce e tão profundamente trágico, tudo misturado ao mesmo tempo, versão tempestade perfeita.

são estes momentos em que as pernas ficam sem força, o estômago revolta-se, dá um nó que sobe até à garganta, em que a espinha se torce, o pescoço estremece, os lábios sorriem, e algo brilha nos olhos. e cá em cima onde tudo é absorvido apenas conseguimos pensar: brutal.
porque sem o amargo, o doce, não é tão doce.


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