no ultimo fim-de-semana, de visita a casa, encontrei uma caixa de cartas trocadas pelos meus pais nos seus anos de juventude. ainda com cheiro a pó, desfolhei algumas (com a devida autorização). o papel amarelado deu-lhe logo ao arranque o contexto histórico. as datas no inicio de cada carta confirmavam. os textos foram escritos à mão, ou em máquina, em vários locais, sempre referenciados, e na maioria das vezes com uma foto a preto e branco, datada e assinada nas costas. mas mais que o conteúdo, o que ficou ali marcado para a eternidade foi a dedicação de quem escreveu. porque tinha que se escrever, revelar as fotos, envelopar, deixar no marco, e esperar tantos dias, pela volta do correio..
hoje não é assim. a comunicação é mais directa, é automática, rápida e instantânea. mas também mais preguiçosa, menos sentida e menos pensada. manda-se um sms, escreve-se na wall, twitta-se.. e já está. tipo sopa no micro-ondas. mas dedicação? pensar no que se escreve? re-escrever no papel até acertar no texto certo, vezes sem conta? não, a luta hoje é mais simples: temos poucos caracteres. 140, nem mais. toma lá, que já me lembrei de ti hoje!!
but more.. is less.
é que assim passamos os dias a achar que comunicamos muito, que estamos sempre ligados e que sabemos de todos os nossos amigos, likes e seguidores.. pura ilusão.
como tudo o que é instantâneo, os posts passam, as sms são apagadas, os links desaparecem. e ficamos no fim com um vago registo do que se passou. até os milhares de fotos que temos - a nossa memória visual -, já só estão no disco, e não no álbum..
tenho saudades de escrever cartas, de esperar por uma resposta, por um postal de longe. de saber a simples morada - a real, não a electrónica - dos meus amigos. este natal vou escrever a todos os que realmente contam. falar de mim, sem limite de caracteres (com a minha letra horrível, para que tenham de se esforçar a ler), enviar uma foto assinada e um abraço escrito.
é um presente. não para eles, mas para mim.
soud track/ eels/ guest list
'chegar e partir, são só dois lados da mesma viagem
o trem que chega, é o mesmo trem da partida.
a hora do encontro, é também de despedida.. é a vida
ontem, enquanto esperava, tive de estar mais de 2h na sala de chegadas do aeroporto.
sem mais com que me ocupar, comecei a criar a história de quem passava. engraçado como pelos traços das pessoas conseguimos imaginar o cenário que as rodeia. como pelo seu 'mood' dá quase para adivinhar que que voo saíram. e ao que vem. alegrias, tristezas. pessoas com gente à espera. pessoas sozinhas, a olhar a gente que espera.
nesse tempo, fui escrevendo o guião sobre as várias personagens, o que fizeram ontem, para onde vão amanhã, o que sentem, o que olham. foi como ler um livro sem palavras. uma peça em que o palco é apenas a porta de desembarque. enfim, viajei por onde aquelas pessoas estiveram, fiz planos para as próximas partidas, e fiquei cheio de vontade de entrar, logo ali, no primeiro avião.
é que às vezes devíamos poder tirar férias de nós próprios..
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' encontros e despedidas, escrito por milton nascimento para maria rita
com a idade aprendemos a relativizar. porque vamos dando menos valor a coisas que sobrevalorizamos no inicio da vida. o primeiro beijo deve ter sido uma festa. a primeira saída uma novidade. mas depois tudo se torna menos importante. assim é com a maioria das coisas que vivemos: as chatices no trabalho, as discussões com os amigos, os desamores.. até os riscos no carro. percebemos que afinal há coisas que não serão assim tão importantes, tão necessárias ou prioritárias. as rugas na expressão - além de indicarem muitos sorrisos -, significam também muitas feridas, muitos apertos e situações difíceis. mas tudo momentos que já foram.
essa história, que vamos escrevendo, dá-nos uma calma e tranquilidade de olhar para o presente com mais capacidade de perspectivar.
perspectivar, no sentido de conseguirmos ver sempre a longo-prazo: para trás (o que já vivemos) e para a frente (as possibilidades do que ainda vamos viver).
é como numa empresa. não podemos esgotar todo o nosso tempo com a gestão operacional do dia-a-dia. é necessário - urgente às vezes-, guardar um tempo, uma pausa, para uma visão estratégica, mais distanciada, física e temporalmente.
olhar, assim, com um certo distanciamento, dá-nos amplitude e centra-nos na nossa vida e não nos nossos dias. que são coisas diferentes..
_soundtrack _try _sidsel endresen & bugge wesseltoft
nalguns casos, a música é quase acessória, dada a qualidade da 'caixa': primeiro a capa rija, normalmente com uma foto brutal, um titulo bem encaixado e um nome que marca.
dos mais simples aos mais elaborados, uma boa capa de um vinyl deixa sempre recordações fotográficas. depois o prazer de retirar o vinyl preto de dentro do papel fino que o protege. a delicadeza necessária, a agilidade entre mãos até pousar no prato. pousar a agulha e ouvir, de inicio ao fim, até a agulha saltar..
porque aqui não há botões forward.
não escrevo para parecer coisa alguma.
sempre escrevi e escrever para mim é como um alívio.
algumas vezes não consigo dormir e basta escrever tudo aquilo que passa em forma de texto, ou não, na minha mente e pronto. durmo. não escrevo porque hoje existem blogs. escrevia muito antes disso e por necessidade.
escrever vem de um excesso de calor na alma. é uma espécie de hipnose que faz com que deixemos de prestar atenção no mundo ao redor e passemos a formular cada parágrafo numa vida paralela. escrever não é fácil mas, acredito que está inerente no sujeito ou não. não se trata de uma escolha. é uma necessidade.
estou certo que escrever é até egoísta e presunçoso. porque não precisamos/queremos ser entendidos por ninguém. a página em branco nos basta.
é como ignorar toda a existência ao redor. e eu tenho um arquivo de ideias se formando e saltitando aqui dentro. mas, infelizmente, há tempos em que não se tem tempo..
d'aqui
ps: a musica (retirada do filme 'dead man walking' e revista em 'eat pray love) é uma brutal junção de eddie vedder + nusrat fateh ali khan. a long road..
por entre bancas de peixe, legumes, queijos e pão, assaltaram-me as memórias dos sábados de manhã da minha infância, em que na pequena cidade ribatejana ia com a minha mãe ao mercado, passávamos pelo talho, pela loja da moda e pelo quiosque dos jornais. nesta era digitalizadamente monótona, é bom que se mantenham alguns hábitos que nos prendam ao real. por mim, sempre que possível, aos sábados, ali para os lados de alvalade,
com a ti' maria das frutas e a srª lurdes do peixe..
a balada de hill street é uma delas, com o inconfundível tema de abertura. a série passa-se numa suja e confusa esquadra de uma qualquer cidade americana, com personagens que ainda tratam dos processos em máquinas de escrever. daqueles polícias bestiais, que não precisam de truques de imagem em tons pastel-pôr-do-sol, de óculos escuros e tecnologia a potes para serem os melhores detectives do mundo. não, os blues de hill street são apenas pessoas, sem efeitos especiais, tão ambíguos, como humanos: erram às vezes, perdem outras, com as suas fraquezas e frustrações vincadas, mas sempre com um fio condutor de personalidade íntegra. lembro-me vagamente de nos anos 80 ser um aspirante a Capitão Furillo - e não era (só) pela Ms Davenport!
na fila para os dvd ficam o cheers, mad about you e allo allo.
henri mariage
por causa deste senhor mariage, faço uma triste figura cada fim de tarde que visito um dos locais mais cosy da cidade (la tea room). explicando: antes de beber o chá mais perfeito do mundo -rouge bourbon-, passo 5 minutos a cheirar de forma sôfrega o pequeno saco em pano. vício puro, repetido diariamente por casa.
o cheiro mistura mil imagens na cabeça. dizem que as origens do intoxicante é de África, ao qual se junta baunilha de Madagáscar. seja lá o que for, o cheiro enche o olfacto e deixa adivinhar o paladar para mais tarde. inspira-se um calor sem temperatura, passeia-se por Paris no inverno, por um pôr-do-sol à beira-mar enrolado na toalha, por uma lareira em noite de inverno. depois bebe-se e continua o prazer. a cor rouge-licour antecipa o paladar, forte, mas doce. sempre sem açúcar, só com o puro das folhas diluídas. assim se respira fundo por estes lados..
à espera dos dias de outono para completar o quadro.
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'a celebração constante do mundo virtual está sempre a ser interrompida pela fisicalidade, com os seus obstáculos inultrapassáveis (como se viu no caso dos mineiros de Atacama).
a capacidade de comunicar pouco pode contra a força física, quando esta não comunica.
vemos depressa, mas chegamos devagar.'
coisas de velho, talvez.
' MEC no público. o video, sinnerman por nina simone, revisitada por felix da housecat
depois de nos deixar rendidos a músicas como 'sei de um rio', ou 'lisboa', o homem voltou agora em grande, com 'coisas do amor e dos dias'. junta poetas portugueses mais antigos, como O´Neill, com textos e prosas de alguns menos antigos, como Sérgio Godinho. Juntam-se os costumeiros arranjos ritmados em guitarra portuguesa, e, novidade, uma certa ironia fadista actualizada para os dias de hoje.
perguntaste porque que é que eu tinha chorado.
eu respondi, mas quando vi que sorriste,
eu disse que estava triste, porque tu tinhas voltado!
acabando como tantas discussões, arrufos e birras:
eu juro que falta a parte melhor.
amanhã conto-te o resto.. boa noite meu amor
lá está, coisas simples, do amor e dos dias..